quarta-feira, 14 de setembro de 2016

G-20: da China a Marte

Os gastos improdutivos desenvolveram novas tecnologias e empregos para muitos porque eram acessíveis. Isto é o oposto do que ocorre agora.

             Michael Roberts, para o Sin Permiso // www.cartamaior.com.br

A reunião do fim de semana passado, quando os chefes de Estado das 20 economias mais importantes do mundo (G-20) se encontraram na localidade chinesa de Hangzhou, terminou com a conclusão de que a economia mundial ainda está em problemas. O FMI calcula que 2016 será o quinto ano consecutivo de um crescimento global por baixo dos 3,7%, a média registrada no período entre 1990 e 2007.
Pouco antes da cúpula do G-20, o Fundo Monetário Internacional emitiu um informe com previsão de crescimento ainda mais débil. “A alta frequência dos dados faz com que seja provável um crescimento mais baixo este ano, especialmente as economias avançadas do G-20, enquanto o rendimento dos mercados emergentes será más heterogêneo”. E continua: “o panorama global segue sendo limitado, com uma dinâmica de crescimento desfavorável a longo prazo, e com disparidades entre as rendas nacionais, que supõem novos desafios para os governos. O desenvolvimento percebido nos últimos tempos, incluindo uma inflação muito baixa, junto com a desaceleração do crescimento do comércio e do investimento, confirmam amplamente o modesto ritmo da atividade global. A diminuição dos investimentos – agravada pelos problemas de superendividamento do setor privado e pelos problemas de balanço do setor financeiro em muitos países –, junto com a tendência a um fraco crescimento da produtividade e com fatores demográficos pesam sobre as perspectivas de crescimento a longo prazo, reduzem ainda mais os incentivos, apesar das taxas de juros historicamente baixas. Um período de baixo crescimento que vem deixando de lado a muitas pessoas de baixa renda, aumentando a ansiedade sobre a globalização e piorando o clima político para as reformas. O risco de decrescimento continua dominando”.


A diretora do FMI, Christine Lagarde, também escreveu em seu blog que “um crescimento global fraco, que interatue com um aumento da desigualdade, está alimentando um clima político no qual as reformas são freadas e os países acabam recorrendo a políticas orientadas exclusivamente aos problemas internos. Dentro de uma ampla mostra representativa das economias avançadas, as rendas dos 10% mais ricos se incrementaram em 40% nos últimos 20 anos, enquanto o crescimento tem sido bastante mais modesto na parte inferior da pirâmide. A desigualdade também aumentou em muitas das economias emergentes, embora o impacto nos pobres tenha sido, às vezes, compensado por um forte crescimento da renda em geral”.


Baixo crescimento, dívida elevada, pouca produtividade e aumento da desigualdade: esta é a história da economia mundial desde o final da Grande Recessão de 2009.

O que o FMI sugere aos líderes do G-20 para sair desta deprimente situação? Em primeiro lugar, um maior apoio à “procura”. Porém, a política monetária (taxas de juros zero ou negativas, e mais impressão de dinheiro) não está funcionando. Portanto, chegou “a hora de impulsar os investimentos públicos e melhorar as infraestruturas”. Mas o mundo parece ir pelo caminho de mais “reformas estruturais” neoliberais, como a desregulação dos mercados de trabalho e de produtos, cortes nos programas previdenciários, entre outras medidas, com o fim de aumentar a rentabilidade. Também existe a necessidade de reduzir a desigualdade através de melhores serviços básicos e uma melhor educação para os trabalhadores com salários baixos. Logo, necessitamos mais globalização, mais comércio mundial, mais reformas neoliberais e menos desigualdade. Vejamos como se pode conciliar isso.

Uma ideia que dominou a reunião do G-20 foi a necessidade de impulsar o comércio mundial e apoiar a globalização. Como já mostrei em outros artigos, o crescimento do comércio mundial tem trazido péssimos resultados e é uma importante característica da longa depressão desde 2009.


Mas o pior para o capitalismo mundial, e para o imperialismo estadunidense em particular, é que há uma tendência cada vez maior a um certo distanciamento da globalização (entendida como o livre comércio de bens, serviços e fluxos de capital para as grandes empresas). Os acordos comerciais da OMC (Organização Mundial do Comércio) estão bloqueados e os grandes acordos regionais, como o TTP (Tratado Transpacífico) e o TTIP (Tratado Transatlântico) estão em grave perigo. Em todos o mundo, os governos estão sob pressão para bloquear novas ofertas, e inclusive revertê-las. Por isso, Lagarde fez um apelo em favor de um renovado apoio à globalização e ao neoliberalismo, que estão agora sob ataque.

Os chineses estão particularmente preocupados, porque o crescimento do comércio mundial é vital para as suas exportações e seu modelo econômico impulsado pelos investimentos. O presidente chinês Xi Jinping foi especialmente claro na hora de pedir mais comércio e mais investimentos. “Deveríamos transformar o G-20 numa equipe de ação, em vez de numa tertúlia”, disse.

Enquanto isso, persiste o otimismo sobre uma recuperação econômica mundial real. Em artigo recente no Financial Times, o economista Gavyn Davies revelou que a Fulcrum, sua consultora de previsões, acredita que está em marcha uma recuperação econômica mundial. Entretanto, neste fim de semana, em outro texto publicado na imprensa inglesa, era um poco menos otimista. “Neste mês de agosto, não tivemos nenhuma confirmação de que um relançamento cíclico esteja ganhando impulso. Mas tampouco houve uma queda significativa da atividade: ainda está por ver-se o que acontecerá”. 

No começo deste ano, muitos economistas convencionais estimavam que a China e outras economias emergentes “estavam se desacelerando, e arrastariam o resto do mundo com elas. Não concordei com essa análise naquele então. O otimismo sobre a recuperação caiu nos Estados Unidos, e também na Europa.

Contudo, a medida em que avançamos este ano, foi se tornando evidente que a economia dos Estados Unidos se desacelera ainda mais, e que a Europa não tem podido se recuperar. Assim, o otimismo voltou a ser depositado nas principais economias emergentes. Os economistas da empresa de contabilidade britânica Deloitte analisaram recentemente que “a tendência de queda da atividade dos mercados emergentes parece ter chegado ao fim. Se espera que o crescimento se acelere em 2017. Se prevê que a Índia cresça um 7,6% no próximo ano, a maior taxa de crescimento de qualquer economia importante. Brasil e Rússia tendem a sair da recessão. Se espera que o crescimento da China se debilite, com uma previsão de 6,2% em 2017, ainda muito mais alto que as médias globais. Fundamentalmente, o risco de uma `aterrizagem dura´ da economia chinesa quase desapareceu”.

Logo, é hora de voltar ao futuro com os chamados BRICs, que devem abrir o caminho para a saída da depressão. Veremos se assim será.

Falando em voltar ao futuro, uma das propostas políticas mais importantes dos economistas convencionais foi a de que os governos aumentem o gasto público em infraestrutura (construção de estradas, ferrovias, pontes, centrais elétricas, telecomunicações, etc) para reativar as economias. Até agora, esta ideia foi amplamente ignorada pelos governos, dedicados a reduzir os deficits orçamentários com cortes nos gasto público, pela pressão dos altos níveis de dívida pública.

A última proposta neste campo vem dos economistas do departamento de investimentos do grupo australiano Macquarie: por que não colonizar Marte? “Não é tão louco quanto parece”, escrevem Viktor Shvets e Chetan Seth, da equipe de renda variável global do Grupo Macquarie. “Um programa gigante de colonização de Marte criaria uma vasta indústria, intensiva em capital, que se estenderia pelo mundo, criaria postos de trabalho e resolveria o problema da produtividade da economia global”.

No momento, a economia mundial não está crescendo numa velocidade suficiente porque há um “declínio nos rendimentos dos investimentos”. Assim, o que teríamos que fazer é iniciar um amplo programa público para colonizar Marte, similar ao programa espacial dos Anos 60, criado por Kennedy, com o objetivo de levar o homem à Lua.


Curiosamente, os economistas do Grupo Macquarie não estão interessados num programa de investimento global para ajudar os mais pobres deste mundo, em tentar resolver o desastre ambiental global ou em impulsar a educação, a saúde pública e as infraestruturas básicas nos países mais pobres da Terra. Não, isso não é tão útil (quer dizer, rentável) quanto investir em outro planeta para obter uma melhora da rentabilidade nos investimentos.

A solução do Macquarie é o último grito da política econômica keynesiana. Se trata da ideia de que existe muito capital disponível, mas não há “oportunidades de investimento”, devido à falta de demanda. Logo, a guerra ou o espaço poderiam oferecer uma solução.

Os economistas do Grupo Macquarie pensam que a enorme injeção de dinheiro e de crédito em ativos financeiros, que vem empurrando as taxas de juros a zero ou menos, é o que está provocando os baixos rendimentos. Mas o fato de que os baixos rendimentos do capital sejam gerados por um excesso de capital é uma teoria marginalista neoclássica – que Keynes defendeu. É como confundir capital fictício com capital produtivo.

O ponto de vista marxista é diferente. O investimento produtivo não é fruto do `excesso de capital e baixa demanda´, e sim pela pouca mais valia, ou pela baixa rentabilidade do capital produtivo. E a baixa rentabilidade não se recuperará graças ao gasto público de um programa espacial. Pelo contrário. Nos Anos 60, o programa espacial foi possível devido à alta rentabilidade (não baixa) do setor capitalista. Portanto, o que os gastos improdutivos fizeram, sem dúvida, foi desenvolver novas tecnologias e empregos para muitos, porque eram acessíveis. Isto é o oposto do que ocorre agora. Por enquanto, Marte não será uma solução.

* Michael Roberts é um reconhecido economista marxista britânico, que publica seus artigos no blog The Next Recession.

Tradução: Victor Farinelli


Créditos da foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

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