O golpe foi consumado. Não houve surpresas porque foi um jogo de cartas marcadas. O voto de 61 senadores anulou o voto de 54 milhões de brasileiros. E ainda tiveram o cinismo de falar em democracia, brandindo na cara dos brasileiros a Constituição que diz que "todo poder emana do povo e em seu nome será exercido". Na verdade, todo o processo foi uma vergonhosa e grande farsa, visto de qualquer ângulo de dentro e de fora do país. Primeiro, porque o crime de responsabilidade de que acusaram a presidenta Dilma Roussef, que foi a base jurídica para a sua condenação, não obteve o consenso dos técnicos; em segundo lugar porque o tribunal que a julgou, embora legal sob o ponto de vista constitucional, é imoral, porque constituído em sua maioria pelos seus acusadores; e, terceiro, porque a presença do presidente do Supremo Tribunal Federal não significa aval da Suprema Corte, mas o cumprimento de um dispositivo da Constituição. Esse julgamento, portanto, seria anulado por qualquer tribunal isento do mundo.
Se as paixões políticas não fossem o principal ingrediente do voto dos juízes-senadores, empenhados não em fazer Justiça mas em destituir uma adversária, o crime de responsabilidade, base jurídica para a cassação do mandato da Presidenta, teria sido descartado logo no inicio do processo. Técnicos do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público Federal divergiram quanto à existência do crime e, portanto, a dúvida favorece o réu. Por que deveria prevalecer o parecer dos técnicos do TCU e não dos técnicos do MPF? Do mesmo modo, por que é válida a votação que cassou a Presidenta e não deve ser válida a votação que manteve os seus direitos políticos? Afinal, o tribunal foi o mesmo e os votantes os mesmos. Senadores raivosos do PV, do PSDB, do PMDB, PPS e Solidariedade, no entanto, tentam, através de uma ação no Supremo, anular a segunda votação, da mesma maneira que os aliados de Dilma, também junto ao STF, querem anular a primeira votação. Será muito difícil à mais Alta Corte de Justiça do país emitir sentenças diferentes, considerando que foi o mesmo colegiado que tomou as duas decisões.
Tão logo empossado como Presidente para um mandato de dois anos, o interino Michel Temer mudou imediatamente de postura e, também, de tom. Falou grosso, em sua primeira entrevista, criticando a conduta dos senadores aliados que votaram pela manutenção dos direitos políticos de Dilma sem consultá-lo. Afirmou que até poderia ter "um gesto de bondade", mas considerou inadmissível a rebeldia dos seus acólitos. "Ou são governo ou não são", advertiu, muito irritado. O novo Temer, que não é mais o mesmo interino de fala macia e cheio de maneirismos próprios dos bajuladores, cobrou fidelidade dos seus aliados, como se fosse a coisa mais natural do mundo um traidor exigir lealdade. Deixou bastante claro que nenhum deputado ou senador da sua base poderá tomar qualquer atitude sem a sua aprovação, o que evidencia um surpreendente comportamento ditatorial que deverá colocar os seus aliados na coleira. Os tucanos, que encomendaram o impeachment e passaram a integrar a base do novo Presidente, vão ter de fazer o que o chefe mandar. Considerando, portanto, o novo estilo Temer de governar, o presidente do PSDB, senador Aécio Neves, por exemplo, não mais poderá falar o que bem entende sem antes consulta-lo, porque pode comprometer o seu governo.
Ao voltar da China, para onde seguiu imediatamente após empossado para satisfazer o seu ego, Temer vai ter de enfrentar a realidade de um presidente sem votos. O ministro aposentado Joaquim Barbosa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, ironizou, em sua página na Internet, o novo presidente: "O homem parece acreditar piamente que terá o respeito e a estima dos brasileiros pelo fato de agora ser presidente. Engana-se". De fato, Temer não terá o respeito nem dos brasileiros e muito menos dos países que não o reconheceram como novo governante do Brasil. E certamente, por isso mesmo, deverá endurecer a repressão contra as manifestações diárias contra a sua presença no Palácio do Planalto. Vai começar a desagradar, inclusive, quem apoiou a sua conspiração e a sua ascensão à Presidência, principalmente se usar o poder para salvar o mandato do deputado afastado Eduardo Cunha. O parlamentar carioca, principal responsável pela instalação do processo de impeachment na Câmara dos Deputados, já cumpriu o seu papel na derrubada de Dilma e, portanto, mais cedo ou mais tarde será cassado, apesar de todas as manobras para preservá-lo. E, naturalmente sentindo-se abandonado após a cassação, provavelmente vai abrir o bico e dedurar muita gente, inclusive o próprio Temer, o que poderá encurtar o seu mandato.
Depois do desfecho do vergonhoso processo de impeachment – ninguém acredita que a Suprema Corte anule as duas decisões do Senado por considera-lo um poder autônomo para tomá-las – as atenções agora se voltam para dois pontos, além, é claro, das medidas impopulares do novo governo: primeiro, a conclusão da escandalosa e injusta perseguição ao ex-presidente Lula, o principal alvo da Operação Lava-Jato; e, segundo, também o desfecho do processo de cassação do deputado Eduardo Cunha. Promotores paulistas pediram novamente a prisão do ex-presidente operário sob a acusação de ocultação de patrimônio, ou seja, o apartamento do Guarujá. É um escárnio. Como alguém pode ser acusado de esconder um patrimônio que não é seu? Enquanto os agentes da direita infiltrados no Judiciário, no Ministério Público e na Policia Federal caçam Lula, tentando bani-lo da vida pública de qualquer maneira, os mesmos agentes passam a mão na cabeça de Cunha que, apesar da montanha de provas contra ele, vai sendo convenientemente esquecido. O juiz Moro sequer sabe o endereço da esposa dele, para intimá-la.
Em compensação, todos conhecem os endereços de Lula, até mesmo dos imóveis que não pertencem a ele.
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