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Foto: Torcida do Racing Club de Buenos Aires
Nesta terça (27) foi decretada a morte do maior e mais difícil torneio do mundo: a Libertadores da América, e aconteceu pelas mãos de Alejandro Dominguez. Claro que não foi apenas ele, tem mais gente envolvida, mas ele foi o porta-voz da coisa. E o pior, como tudo se modernizou, até a morte foi fria, pelo Twitter. Mas não se iludam com aquele discurso de copiar o formato da Champions League. Como somos latinos, temos nosso próprio jeito de matar a coisa.
Eu vou começar explicando o que foi dito pelo presidente da Conmebol, Alejandro Dominguez. A desculpa da vez é que essa é uma estratégia de desenvolver o futebol sul-americano, ter um calendário mais adequado, gerar maior interesse do público e fazer com que os clubes não tenham que escolher entre as competições nacionais e internacionais. Para isso, claro, precisamos de uma série de mudanças.
A primeira: o campeonato mais interessante justamente pelas canchas, que faziam toda a diferença na hora de jogar e impunham dificuldade, não serão mais um problema ao menos na final; ela será jogo único em campo neutro, porque segundo Alejandro é a justiça no esporte, já que sete dos últimos dez vencedores conquistaram o título em casa. Como a equipe que tem a melhor campanha não tem o direito de jogar ao lado de seu povo? Sem festa, sem papel picado, tirantes, trapos. Como um time argentino vai jogar contra um time uruguaio em Quito? Teremos espectadores e não torcedores. Porque uma final de Libertadores acontece quarta à noite e não temos como sair do país e ir a outro de uma hora para outra e voltar no outro dia. Trabalhamos e caso o senhor Dominguez ainda não tenha percebido, ganhamos em pesos, guaranies, reais e não em euros. Muito menos temos linhas de trem a preços acessíveis cortando nosso continente, como acontece em solo europeu.
Segundo: agora o torneio passará a ter 42 longas semanas (dez meses). A justificativa? Harmonizar os calendários dos torneios de cada país com a competição. Algo que na prática não vai acontecer e quem conhece de futebol sabe disso. Ademais, dez times eliminados da Libertadores na fase de grupos, poderão entrar na Sul-americana que passa a ter seis meses (de junho a dezembro). Montar um calendário tão longo é um tiro no pé. Os jogos não têm lotado as canchas, vide as partidas da pré-Libertadores salvo em raríssimos casos, como de clubes ditos grandes ou clubes que nunca jogaram uma competição internacional. Já que a preocupação é o calendário, como pensar apenas no nosso torneio sendo que de maio a julho abrem as janelas para transferências e as equipes podem sofrer desmanche no meio da competição?
Para o torneio ser longo, precisamos ter mais equipes. Subiriam de 38 para 42 times. Isso será decidido domingo em Bogotá, quando os dirigentes irão definir como serão preenchidas as vagas. Primeiro, foi dito por Dominguez que entrarão equipes convidadas baseadas no ranking da Conmebol. E que lista é essa? Criada em dezembro de 2015, pela Conmebol e ninguém sabia para que, ou quem, serviria na época, exceto Alejandro e os dirigentes. Pra saber como é feita a conta para entrar no ranking a equação é: atuação dos últimos dez anos na Libertadores + histórico no Torneio (desde 1960-2016) + resultados nos torneios nacionais. O que faz com que times como São Paulo, Boca, Nacional, River, Olimpia tenham uma quantidade de pontos enormes e praticamente cadeira cativa.
Mas depois dos xingamentos no Twitter, Dominguez voltou atrás e falou que não existem convidados. Então a coisa seria baseada no mérito, como é feito na Europa, ou seja, cada federação decide quem participa.
Se você leu tudo isso e ainda julga que é só mais um campeonato de futebol e que não serve para nada eu posso provar o contrário. Perder a Libertadores é perder a identidade latina. Nós sempre tivemos síndrome de cachorro vira-lata. Nunca tivemos nada para nos orgulhar, nada tão genuíno e tão nosso. Quando o futebol chegou aqui, como tudo era trazido da Europa, nós conseguimos pegar algo europeu, tão elitizado (para quem não sabe, os jogadores usavam camisas de seda bem passadas, gravatas e o jogo era de cavalheiros) e o modificamos a ponto de não existir como contestar: o futebol é nosso! Isso tudo surgiu quando os sudacas locos começaram a jogar. E não era mecanicamente. Fazemos fintas, gambetas, jogamos pelo instinto, como se fosse brincadeira e com o coração. E isso em qualquer campo, seja várzea ou potrero. Foram nesses campos que forjamos os nossos maiores jogadores. Eles se tornaram tipo exportação, assim como o nosso futebol. E assim nós passamos a ensinar o resto do mundo como se joga.
Em 1958 criou-se um torneio que visava reunir os campeões de cada país da América do Sul. O nome? Libertadores de America, nada mais apropriado, já que homenageava os homens que lutaram pela nossa independência, como Simon Bolivar, Jose de San Martín, Manuel Belgrano, Antonio Jose de Sucre e Bernardo O'Higgins. Mesmo com a proclamação nunca fomos verdadeiramente livres. Mas existia o futebol. Conseguimos mudar um pouco isso e foi ali, nas quatro linhas, pela primeira vez os colonizados venceram os colonizadores, mostrando como nosso futebol era espetacular e aguerrido.
Mas não ensinamos só isso. Torcer, o aguante, ter a raça, manter o alento. Transformamos a expressão sudaca (uma forma pejorativa de se referir aos sul-americanos usada pelos espanhóis) em algo para se orgulhar. Tem coisa mais foda do que ser sudaca e disputar o torneio mais lindo e difícil do mundo? A Champions que todo mundo venera hoje em dia já viveu momentos de vacas magras e precisou se basear na nossa Libertadores para se reformular.
Agora acontece o oposto. Não, não vejo nada de errado de se espelhar em algo para melhorar. Mas para melhorar precisamos adaptar ao nosso jeito. Não nos adaptarmos ao jeito europeu. Mas não estamos fazendo nem uma coisa e nem outra. Só atendendo a mandos e desmandos de uma entidade que já está ultrapassada. Eu nunca fui e nem quero ser europeia. Sou sudaca com toda raça, orgulho, aguante e alento. E espero que o futebol do meu continente reflita isso.
*Jornalista, pesquisadora e autora do blog www.mortesubitafc.wordpress.com
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