domingo, 16 de outubro de 2016

América Latina se organiza contra concentração nas telecomunicações

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Por Ana Claudia Mielke
Da Carta Capital

A concentração dos serviços de radiodifusão nas mãos de poucos grupos econômicos há tempos se constitui como uma das grandes preocupações em países latino-americanos, já que tal concentração tem impacto direto sobre a liberdade de expressão e sobre a própria consolidação da democracia na região. Entre os últimos 15 e 20 anos, no entanto, outro fenômeno de concentração tem chamado a atenção daqueles que se debruçam em pesquisas sobre o tema ou que atuam na incidência política pela regulação do setor, que é a concentração dos serviços de telecomunicações.
Na Argentina, Chile, Colômbia e México, as quatro principais operadoras de TV paga controlam mais 90% do mercado – crescimento que se deu, sobretudo, entre os anos de 2000 e 2014. Estes dados foram apresentados pelo pesquisador argentino Guilhermo Mastrini durante o Encuentro Internacional: Libertad de Expresión y Concentración Mediática en América Latina, realizado no último dia 5, em Santiago, no Chile, reunindo ativistas e pesquisadores de países da América do Sul, Norte e Central.

O estudo realizado por ele, que contempla Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México mostra que os níveis de concentração no mercado da TV aberta seguem sendo também muito elevados – em torno de 80% nos países estudados – o que confirma a necessidade de ainda se dedicar esforços ímpares na regulação econômica deste setor.
É justamente com este objetivo que foi lançada, em Santiago, a Alianza por la Diversidad y el Pluralismo em la Comunicación. A ideia é incidir sobre os processos de regulação tanto da radiodifusão quanto das telecomunicações, dialogando com as agências reguladoras, empresas do setor e população sobre os impactos negativos da concentração sobre a liberdade de expressão, a pluralidade e a diversidade. 

A concentração nas telecomunicações brasileiras

Os pesquisadores Guilhermo Mastrini e Martín Becerra, que há anos vêm estudando o fenômeno da concentração em países latino-americanos, alegam que a concentração do mercado pode ser medida também pelos acessos: mercados são altamente concentrados se apenas quatro empresas detêm mais do que 50% do faturamento total da indústria e/ou mais de 50% dos números de acessos/assinantes ou se as oito principais superam 75% deste total.

Usando este parâmetro, podemos afirmar que vivemos em um País com altíssimo índice de concentração no que diz respeito à TV paga, já que apenas Net/Claro/Embratel e Sky/DirecTV concentram 80,71% dos assinantes desse mercado.

Desde a liberação comercial dos serviços de telecomunicações para as empresas privadas, no final dos anos 1990, o que se tem visto é um processo crescente de oligopolização do setor. Se, no início dos anos 2000, crescia no País a diversidade de empresas operando no mercado de telefonia fixa e móvel, sobretudo com a entrada de empresas estrangeiras, no final da primeira década dos anos 2000 o que houve foi um processo recorrente de fusões e aquisições entre empresas, que vem resultando em altos índices de concentração deste mercado. 

A união de NET e Embratel, em 2013, mostrou como as fusões e aquisições têm agido no mercado brasileiro. As duas empresas, assim como a Claro, pertencem à América Móvil, grupo mexicano que vem alargando o controle sobre o mercado telecomunicações na América Latina.

Para se ter uma ideia, no Brasil, a operadora Net/Claro/Embratel ocupava a primeira posição no mercado de TV paga, possuindo 10.266.150 de assinantes, o que equivale a 51,95% do mercado em 2015. O segundo grupo com maior número de assinantes, composto de Sky/DirecTV, possuía em 2015, 5.684.252, equivalente a 28,76% do setor.

Os dados são da própria Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Ou seja, apenas duas empresas controlam 80,71% do mercado, enquanto que as quatro primeiras (Net/Claro/Embratel com 51,95%; Sky/DirecTV com 28,76%; Oi com 6,23%; e Telefónica-GVT com 4,75%), se somadas, possuem 91,69% de assinantes.

O quadro se agrava ainda mais quando, num cenário de convergência, operadoras de telefonia passam a disputar mercados com as carregadoras e distribuidoras de conteúdo para TV paga. As quatro principais operadoras de telefonia e comunicação multimídia – Vivo, Tim, Claro e Oi – controlam o setor, com um marketshare de 98,3%. Lembrando que a Vivo pertence à espanhola Telefónica, que por sua vez, comprou a GVT (TV por assinatura) há dois anos.

Na prática, o que se observa é que as operadoras têm investido cada vez mais na busca pelo controle dos dois mercados: TV paga e comunicação multimídia. O objetivo seria fincar o pé num mercado em expansão e impedir o chamado avanço das OTT (over-the-top content, entrega de conteúdo audiovisual e outras mídias via internet, como o Netflix).

Além disso, a Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei nº 9472/1997), que permitiu a privatização, vem sendo alvo de ataques recorrentes dos setores que querem flexibilizá-la para acabar com o regime público na prestação dos serviços, o que retiraria das empresas obrigações tais como a garantia da continuidade dos serviços, a universalização e a oferta de tarifas acessíveis às camadas mais pobres da população. 

Uma aliança latino-americana contra a concentração

Um leque amplo de organizações em defesa da democracia, da liberdade de expressão e da pluralidade de opiniões em países como Guatemala, Chile, México, Paraguai, Peru, Colômbia, Uruguai, Chile, Argentina, entre outros, compõe a Alianza por la Diversidad y el Pluralismo em la Comunicación. Entre tais organizações, estão Observatório Latino-Americano de Regulação, Mídia e Convergência (Observacom), Instituto Central de Investigação para a Democracia Social (Demos) da Guatemala, e do Brasil, a organização Artigo 19 e o Coletivo Intervozes.

Tal articulação pode promover um novo fôlego para a resistência aos processos de desregulação total que vem sendo empreendidos na região. Assim, a Alianza pretende ainda elaborar indicadores quantitativos e qualitativos para medir a concentração nos países latino-americanos.

Deve ainda promover a incidência política em prol da regulação dos setores da comunicação (radiodifusão e telecomunicações), sendo, portanto, um importante espaço de articulação e mobilização internacional na busca por reverter este processo, que limita, cada vez mais, nas mãos de poucos grupos econômicos, aquilo que se lê, assiste ou ouve no Brasil e na América Latina.

 Ana Claudia Mielke é jornalista, mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP e coordenadora executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

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