sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Bela, recatada e do lar: um projeto

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Basta analisar a cobertura da velha mídia ao primeiro discurso de Marcela Temer para perceber: está em curso um movimento para colocar mulheres, negros e homossexuais “em seu lugar” — ainda que haja beijos gay nas novelas

Por Mauro Lopes

O episódio do discurso de Marcela Temer ainda merece atenção. Porque ele evoca o desenho de país que os golpistas pretendem. É mais que tomar o pré-sal e deixar o Estado a serviço dos rentistas.

Há, para além da esfera econômica, uma construção cultural-ideológica que pretende assegurar a dominação.
Assim, eles vão “organizando” o lugar de cada um na sociedade. Para as elites, é essencial enfiar as mulheres numa caixinha que arrebente seu protagonismo, um dos principais vetores da renovação do país. O desejo da direita é relegá-la a papéis subalternos num arranjo que sequer existe mais no século 21 (bela, recatada e do lar). O primeiro-damismo cheira a mofo, mas eles pretendem soprar a poeira e passar um lustrinho.

Esse movimento não é coisa da cabeça do carcomido do Temer e sua quadrilha apenas. Todo o aparelho ideológico entra em cena. E, com isso, cai a última ligação entre a Globo, Folha e outros com o dinamismo da sociedade -restrito nesta altura do campeonato à esfera dos “costumes”.

Tomei emprestada análise breve e certeira do Quartinho da Dany sobre a cobertura da mídia golpista sobre o discurso de Marcela:

“Na Folha, fizeram questão de deixar bem claro que o tom do discurso de Marcela foi EMOTIVO e a primeira-dama fez questão de ressaltar que será um TRABALHO VOLUNTÁRIO, SEM REMUNERAÇÃO. O tom de seu discurso também foi descrito como PAUSADO e PROFESSORAL. No G1, enfatizaram que Marcela é JOVEM e MÃE. No Estadão, seu tom foi descrito como MATERNAL e ela também destacou a importância do INSTINTO MATERNO.

Todas as palavras fazem parte do campo semântico do papel feminino da mulher-mãe na nossa sociedade patriarcal.”

É isso. É o projeto deles.

É claro que os operadores dos aparelhos ideológico-culturais das elites não são bobos. Enquanto martelam a submissão das mulheres, gays, negros, indígenas e pobres em geral com uma mão, com a outra aplicam as técnicas conhecidas como pinkwahing para não se desconectarem completamente da sociedade. É o que fazerem aqui e ali nas novelas e em algumas reportagens. Mas quem conhece os bastidores da indústria do jornalismo e do entretenimento no Brasil sabe que elas são misóginas, racistas, anti-humanas.

A cobertura do discurso de Marcela revela-os todos.

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