por Carlos Drummond — http://www.cartacapital.com.br/
Advogado de empresas dos EUA mostra preocupação com a desorganização econômica resultante das investigações
Tânia Rêgo / Agência Brasil
Ação da Lava Jato em maio: o operação desorganizou o setor de petróleo e gás
A Operação Lava Jato destrói empresas e ignora o combate à corrupção nos países avançados, que as punem, mas, em vez de decretar a sua morte, impõem boas práticas e assim possibilitam uma correção de rumo.
A devastação atinge em cheio a cadeia de óleo e gás, a mais importante do País, e compromete o futuro, chama atenção André Araújo, ex-empresário e renomado advogado brasileiro de empresas e fundos de investimento americanos.
Autor prolífero de artigos em defesa do interesse do País publicados no Portal GGN, ele detalha, na entrevista a seguir, as consequências nefastas da desorganização econômica e da insegurança jurídicapromovidas pela Lava Jato.
CartaCapital: O senhor tem notícia de outro país que proíba durante anos contratos entre empresas privadas envolvidas em corrupção e o setor público?
André Araújo: Não existe. Nos EUA, fonte de inspiração do combate local à corrupção, há um modelo muito mais light. Citarei dois exemplos. A construtora Halliburton, envolvida em corrupção, foi multada em 110 milhões de dólares, quantia irrisória para uma empresa que vale entre 40 bilhões e 50 bilhões de dólares, e puniram o executivo por um ano e meio.
No caso da Lockheed, que pagou 1,5 bilhão de dólares em comissões para vender aviões militares a mais de 20 países, na década de 1970, o governo exigiu a troca do presidente da empresa e aplicou uma multa de 24,8 milhões de dólares.
Nos dois casos, não houve nenhum problema de sobrevivência, de negócios. O modelo americano é cirúrgico, exige planos de boas práticas de governança ou de compliance e tenta punir os desvios sem afetar o escopo e o conjunto da companhia.
CC: Como vê o combate à corrupção no Brasil?
AA: Importou-se a filosofia do modelo, de combater a corrupção através de inquéritos, mas não se acompanhou a prática. Acho que os procuradores daqui não sabem, não têm treinamento para isso. Impera a falta de percepção do mundo real de negócios.
No mundo real − eu não estou justificando a corrupção, é um fato − não se consegue fazer negócio na África, na Ásia, na Índia, no Oriente Médio, sem pagar comissões. O Brasil não pode corrigir o mundo.
CC: Várias empresas brasileiras estão sendo processadas também nos Estados Unidos.
AA: É o caso da Embraer, processada por pagar propina para vender aviões militares em diversos países. Não existe venda de avião militar no planeta sem pagar comissão. Um ex-empregado foi pego por acaso, delatou a empresa e montou-se um processo no Brasil.
Ocorre que o Ministério Público Federal mandou as informações para os Estados Unidos, o Ministério da Justiça americano abriu um processo lá e ela terá de pagar 200 milhões de dólares em multas, a partir de informações daqui.
Não dá para entender por que o Ministério Público do Brasil tem de ajudar os Estados Unidos a iniciar uma punição, quando já processa a Embraer aqui. Jamais se verá o ministério público dos EUA entregar uma empresa americana à Justiça brasileira.
CC: Custa acreditar.
AA: O dano que os procuradores causam à economia é monumental. As maiores empreiteiras têm ativos muito bons, mas a insegurança jurídica é de tal magnitude que elas não conseguem vender nada. Trazemos representantes de fundos estrangeiros ao Brasil, eles examinam os bens à venda, mas a área de compliance não aprova aquisições de nada pertencente às envolvidas na Lava Jato.
A qualquer instante, uma empreiteira pode ter a polícia em seus escritórios por novas e infindáveis operações, mandados de bloqueio de contas e de ativos, tanto por parte do Ministério Público Federal quanto pelos Tribunais de Contas, Receita Federal, tudo ao mesmo tempo. A soma dessas punições, multas, indenizações, bloqueios pode ultrapassar o valor da empresa e de todos os seus ativos.
Os agentes envolvidos parecem não se dar conta de que uma empresa sob tal gama de ataques se inviabiliza e não pagará as multas, ressarcimentos e indenizações impostas por autoridades que agem de forma irrealista, sem pensar no todo, só na sua parte.
CC: Há quem defenda a substituição das grandes construtoras envolvidas por empresas médias.
AA: É preciso não ter nenhum conhecimento do setor para achar que uma empresa pequena vai virar grande em dois anos. Isso requer três gerações, há necessidade de um currículo de obras. Na relação das 250 maiores empreiteiras do mundo da Engineering News-Record, a bíblia do setor, a maioria é de países emergentes.
A Odebrecht, em 2015, era a número 13. O setor faturou quase 1 trilhão de dólares no ano passado. A investida do Brasil na exportação de serviços de construção de obras públicas começou no governo militar com um grande contrato da Mendes Júnior no Iraque, para a construção da ferrovia Bagdá−Basra.
Depois a Odebrecht iniciou atividades no Peru, com um projeto de irrigação, a Andrade Gutierrez fez o aeroporto de Quito, no Equador, e a Camargo Corrêa empreendeu a hidrelétrica do Salto Guri, na Venezuela. Seguiu-se a investida da Odebrecht em Angola, com grandes obras de todos os tipos, especialmente hidrelétricas, e a construção de terminais no aeroporto de Miami, nos EUA.
A significativa penetração das empreiteiras brasileiras no exterior, acompanhada da exportação de equipamentos nacionais, foi, entretanto, prejudicada ou inviabilizada pela Lava Jato, por carimbar as empresas como inidôneas e vazar detalhes de contratos que só provocaram problemas políticos em terceiros países, sem outro resultado além da perda de mercados. É algo de interesse nacional, talvez esses procuradores nem saibam disso.
CC: Por que o governo não reage?
AA: O governo tem medo, mas deveria reagir, pois tem de zelar pela integridade do Estado, do País e dos seus ativos. O certo seria ter muito interesse em proteger as empreiteiras, mas nem toca no assunto.
CC: O governo dos Estados Unidos salvou a GM com dinheiro público, na crise de 2008.
AA: Porque é um ativo nacional. É privada, mas é do interesse do país.
CC: Qual a maior preocupação do investidor estrangeiro?
AA: Muito mais que a situação fiscal, sem repercussões a curtíssimo prazo, o que mais os assusta é a crise política, por provocar insegurança jurídica. Os que querem investir no Brasil não sabem o que vai acontecer e essa é a sua maior preocupação. Hoje um juiz de primeira instância fecha uma empresa, bloqueia contas de milhões, bens.
Uma hora o Brasil precisa parar para pensar como é que vai funcionar. Não pode continuar esse poder total nas mãos dos juízes, é preciso existir uma hierarquia. Esse aumento da autonomia dos juízes e do Ministério Público está levando a uma insegurança jurídica generalizada. O Judiciário tomou gosto de sangue com a Lava Jato. Cada juiz hoje se julga rei.
*Entrevista publicada originalmente na edição 923 de CartaCapital, com o título "Ações de extermínio". Assine CartaCapital.
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