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Justiça, juízes e algozes do Carandiru
Por Natalia Negretti
“Os três pavilhões da Casa de Detenção do Carandiru, localizada na zona norte de São Paulo, foram implodidos na manhã de domingo, às 11h em ponto, como previsto. O engenheiro responsável pela operação considerou a implosão um sucesso. A detonação dos 250 quilos de explosivos, distribuídos por três mil pontos dos pavilhões 6, 8 e 9, foi feita pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e pelo ministro da Justiça, Paulo de Tarso, e a queda dos prédios demorou sete segundos. Quarenta segundos antes da implosão, soou uma sirene. Agora, restam no local entre 60 e 80 mil toneladas de entulho.” – (Site Notícias Terra, data 08.12.2002).
Essa era a notícia das 11 da manhã do site Terra em 08 de dezembro de 2002, após a implosão do Carandiru. A notícia, antiga e desatualizada, tem erros que até precisei revisar ao copiar. Símbolos substituindo os cê-cedilhas, os tios. Detalhes que contam também da velharia que essa implosão parece ser e soar nas notícias estabelecidas sobre os desdobramentos da História do Massacre do Carandiru.
Ecléa Bosi, em ‘O tempo vivo da Memória’, nos atentou que a história estudada na escola não aborda o passado recente, afastando aspectos do quotidiano. A memória, segundo a autora, seria ainda operadora de grande liberdade, escolhendo acontecimentos no espaço e no tempo mas que se relacionariam através de índices em comum. Quais são os índices em comum nas quatro histórias veiculadas pelos jornais que existe em torno do Carandiru? Massacre, Implosão, Construção do Parque da Juventude e Julgamento.
O Parque da Juventude, seu nome e seus potenciais podem ser analisados como outras histórias para novas gerações. O julgamento também. Parece se tratar de entulhos, mas não exclusivamente dos implodidos em 2002. Estes entulhos estão articulados a fumaças e poeiras de outras temporalidades e esferas.
A Penitenciária do Estado foi inaugurada em 1920 após nove anos de construção, sob, entre vários argumentos ainda atuais, o de necessidade de estabelecimento adequado. Na década de 40, a lotação máxima foi declarada publicamente. Em 1956, passou por uma reforma e adição de pavilhões. Dos 3.300 “lugares” que esta prisão tinha, em 02 de outubro de 1992 havia 50% a mais.
Em dezembro de 2002, foi iniciada a desativação do Carandiru. Os pavilhões 6, 8 e 9 foram implodidos neste ano e em julho de 2005, 2 e 5. Em setembro 2003, antes da conclusão da implosão já era construído o Parque da Juventude, em três fases. Os pavilhões 4 e 7, após “reciclagem”, se destinaram em 2007 à terceira fase, biblioteca e escola técnica (Centro Paula Souza). Algumas notícias sobre esta informam sobre o conhecimento de que onde estudavam já tinha sido um presídio.
O filme Carandiru foi lançado em 11 de abril de 200. Há também o filme O prisioneiro da Grade de Ferro, do mesmo ano. Em 2007, houve investigação sobre o superfaturamento da implosão. Os juris em torno do julgamento dos policiais identificados tiveram início em 2013. Uma jurada passou mal. Tiveram reinício na semana seguinte.
Três anos depois, terça, dia 27.09, o relator, Ivan Sartori, pediu a absolvição de todos os réus e anulação. As frases-defesas "não houve massacre, mas legítima defesa" estão num dinamismo de vai e vém nesses anos todos. Em todos os júri populares, os PMs foram condenados. A acusação pediu a absolvição de três policiais que respondiam pelo canil, não ligados à “linha de frente” da ação-morrer. Segundo as notícias desses dias, teria sido com base nessa absolvição que Ivan Sartori pediu a absolvição de todos: ele entendeu que as decisões dos jurados foram contrárias às provas nos autos.
Há quanto tempo, nesses anos de júri, como é difícil traçar qualquer panorama, cronológico e ou narrativo, nesses entulhos e poeiras, também das e nas notícias. Difícil pelos cortes e especificidades construídos nas notícias que trazem os “três fatos” sempre separados primordialmente e porque se há muitas outras construções, e há, estas não são veiculadas. Temos pouco acesso a relatos orais, mas eles existem. Narrativa é o que mais há. Mas não falo de redes mais afetadas pelos anos posteriores ao massacre. Falo de quem não está nessas redes.
Os livros de Drauzio Varella e os filmes podem ser narrativas alternativas torno dos entulhos do Carandiru. Alternativas que servem como uma contra-mão nos apagamentos, realizados e por vir, na contra-mão de certa preguiça que invadiu os trajetos entre e notícias separadas em torno do massacre, implosão do complexo, construção do Parque da Juventude e anulação do julgamento. Esses fatos, se isolados e não contextualizados, perdem a relação que possuem. Relação que conta a história de direitos humanos e complexidades da realidade prisional brasileira, que é parte da realidade social. A memória social, se não alcançada como um direito, é um bom caminho para crítica e reflexão. Em distintas dimensões temporais, precisamos de uma narrativa coletiva que substitua as micro-narrativas coletivas privilegiadas nos interiores dessa ideológica omissão entre recortes.
Natalia Negretti é bacharel em Sociologia e Política pela FESPSP e atualmente, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UNICAMP; Mestre em ciências sociais pela PUC-SP. Pesquisadora em estudos de gênero, envelhecimento, memória, instituições, trajetórias de vida e marcadores sociais da diferença.
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