sábado, 1 de outubro de 2016

“Precisamos questionar as regras do jogo, e não apenas olhar para o tabuleiro eleitoral”

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Para o sociólogo e ativista Ricardo Borges, cocriador da Virada Política, que acontece neste sábado (1º) em SP, é importante que os cidadãos confiem nas instituições, mas que, em algum grau, também desconfiem

Por Eric Campi

Em 2012, um grupo de ativista se organizou para recolher “santinhos” espalhados pelas ruas e calçadas de colégios eleitorais. Dois anos depois, um pouco antes das eleições presidenciais de 2014, os membros voltaram a se reunir para criar iniciativas da sociedade civil que mostrassem o universo político que existe para além das instituições.

Inspirados nas famosas “viradas” de São Paulo criaram a Virada Política, que acontece no próximo sábado (1º) com o objetivo de estimular a participação social na vida pública. A programação, que vai das 9h do sábado até as 2h de domingo (2), conta com atividades para todas as idades, inclusive como uma forma de incentivar o interesse político desde a infância. Serão 16 painéis temáticos, 35 atividades como oficinas, debates, jogos e intervenções artísticas e três experiências de imersão ativa na cidade. Entre os organizadores, estão desde cientistas políticos, jornalistas e administradores de empresas, todos ligados a coletivos e organizações da sociedade civil.

Financiada por meio de um processo de crowdfunding que arrecadou R$16.785 doados por 174 apoiadores e interessados pelo projeto, a Virada Política começa um dia antes das eleições para prefeito e vereador em meio a um clima de descrença nas instituições políticas, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Em entrevista à CULT, o sociólogo e ativista Ricardo Borges Martins, cocriador da Virada, fala sobre os rumos da política nacional, a divisão da esquerda e o perigo do discurso fascista.

Como definir nossa situação política atual?

Em síntese, passamos por um processo extremamente traumático com o impeachment e vivemos uma polarização ideológica aguda. Existem narrativas de mundo em disputa e pouquíssima disposição de escuta e busca de entendimento mínimo. Entre o tédio que acompanhou por muito tempo nossa relação com a política e a perplexidade com que a encaramos hoje, o que precisamos é de uma democracia desapaixonada. Precisamos de um ativismo concreto em torno de mudanças factíveis. A maturidade da nossa democracia depende de manifestações sóbrias que não nos distraiam nem nos divirtam, mas que apontem de forma cirúrgica para as regras do jogo político. 

Como fazer com que os cidadãos se importem e, de fato, acreditem na democracia depois desse processo de impeachment “traumático”, como você mencionou?

A Virada Política nasce para discutirmos isso, para que os diferentes lados dessa clivagem possam expor seus argumentos e dialogar mesmo diante da discórdia. Queremos promover a participação cidadã na vida pública, mostrar que a democracia vai muito além do voto. Acima de tudo, o momento político atual e o impeachment nos obrigam a encarar os limites da soberania popular e entender que precisamos aprender a questionar as regras desse jogo, e não apenas olhar para o tabuleiro eleitoral.

Pode haver consequências práticas em termos de participação popular?

A confiança tem um papel curioso na democracia: é importante que as pessoas confiem nas instituições, mas é importante que, em algum grau, desconfiem também. Muitas das inovações políticas nascem justamente nessa tensão. Eu prefiro acreditar que, no cenário atual, esse ambiente de desconfiança possa provocar iniciativas mais disruptivas por parte da sociedade civil, intensificando e, num mesmo movimento, requalificando a participação política.

Vocês afirmam que as eleições são só um pedaço da democracia. Quais seriam os outros?

É comum a ideia de que a política reside ali, nos partidos, nas assembleias, nos conselhos. E as eleições são um dos poucos momentos – senão o único – em que as pessoas são convocadas a participar desse universo. Nosso desejo é afirmar que há muito mais política no horizonte, que há outros caminhos para pensar e agir politicamente, e – principalmente – que já há muita gente fazendo isso: existem diversas iniciativas absolutamente inspiradoras inovando e muitas vezes tensionando a política de fora para dentro. São organizações e coletivos com projetos de transparência, de dados abertos, de controle social, advocacy, ativismo eleitoral, movimentos de rua, de defesa e promoção de direitos, enfim… Há todo um ecossistema político no seio da sociedade civil que está em processo de transformação propondo novas formas de participação e incidência.

Movimentos como a Bancada Ativista e a pArtida, que se propõem a colocar ativistas de determinados dentro de partidos políticos, seriam uma maneira de “oxigenar” a política?

Por também fazer parte do coletivo que criou a Bancada Ativista, talvez eu seja um pouco enviesado para responder, mas essas iniciativas de ativismo eleitoral que buscam encarar de frente a política institucional são absolutamente fundamentais para escancarar as contradições do sistema político em que vivemos. E, para ambos os casos mencionados, o resultado importa bem menos do que o processo. O valor dessas iniciativas está na experimentação e nas reflexões que nos permitem fazer acerca do atual sistema. A ideia é que esses processos possam nos apontar as brechas para uma participação social mais efetiva.

Com o post do deputado Jean Wyllys criticando Jandira Feghali e a discussão sobre Erundina deixar a candidatura e apoiar o Haddad, você considera que há uma divisão da esquerda?

Sabemos que, via de regra, as dissidências e as aproximações políticas no Brasil são mais pragmáticas do que ideológicas. Se a esquerda está dividida — como de fato está –, a direita e o centro não são diferentes. Vivemos em um ambiente de aguda fragmentação partidária. Temos 35 partidos registrados no TSE e mais 45 em processo de formação. Isso sem falar nas disputas intrapartidárias. Sem dúvida a política requer a capacidade de aglutinar ideologias e coordenar programas semelhantes em torno de projetos eleitorais. Infelizmente, no entanto, os projetos mais capazes de fazer isso hoje são os politicamente neutros e exclusivamente pragmáticos — o fazem apenas para conquistar e/ou manter poder.

Que ameaça Trumps e Bolsonaros representam para a política como um todo?

Ambos representam a ascensão do discurso de ódio polarizado e a nova hegemonia das soluções simples. “Quer resolver o problema da imigração de mexicanos? Construa um muro”. “Quer resolver as altas taxas de criminalidade? Aprove a pena de morte”. A incapacidade de os políticos comunicarem com clareza a complexidade das decisões públicas – desafio que precisa ser enfrentado – e o uso repetitivo de jargões vazios de sentido em seus discursos terminou por gerar uma onda anti-intelectual de pessoas que querem políticos com soluções inteligíveis, ainda que impraticáveis, inviáveis e reducionistas.
Virada Política
Onde: Condomínio Cultural (Rua Mundo Novo, 342)
Quando: A partir de 01/10 às 9h
Quanto: Grátis
Info: www.viradapolitica.com.br

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