terça-feira, 20 de dezembro de 2016

O que um cientista pode ensinar a um promotor, por Roberto Kraenkel

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O que um cientista pode ensinar a um promotor

por Roberto Kraenkel 

Quem trabalha com ciência sabe muito bem o encantamento que as próprias ideias podem ter sobre nós. No dia-a-dia da ciência, na busca de explicações sobre os mais variados fenômenos, tecemos hipóteses explicativas, em geral preliminares e, na sua maioria, de vida curta. De discussão em discussão afinam-se as ideias e há um momento em que “tudo nos parece claro”, tudo se encaixa. 

Mas quem trabalha na ciência sabe muito bem que isto não basta. Quando temos uma bela explicação, nos encantamos por ela, nos aferramos a ela. Normal: aquela teoria, aquele modelo, é seu “filho”. Nada mais humano. Mas também é por essas vias que ronda o erro. Tendemos a rejeitar hipóteses alternativas, as vezes, tão boas quanto a nossa. E, pior, podemos não dar atenção aos fatos que contradizem nossa tão bela idéia. No geral. isso se dá de maneira inconsciente.

Mas tanto quanto a ilusão é doce, a realidade é dura. E é através de apresentações, discussões, conversas, mais experimentos e cálculos que veremos as forças e as fraquezas de nossas idéias. É frustrante perceber-se um erro, mas é edificante assim mesmo. E necessário. 

Quando vejo os jovens promotores que toda hora estão nas TVs brasileiras, quando escuto seus argumentos, e quando leio o que escrevem, pergunto-me se eles de fato se dão conta de quão fugidia pode ser a verdade e o quanto podemos nos enganar com o brilho - áureo mas fátuo - de nossas idéias. 

Constroem-se narrativas com defeitos claros. Ignoram-se fatos , da mesma forma como o mau cientista seleciona dados que confirmem suas previsões, deixando de lado os que as invalidam. E exibem triunfantes suas conclusões, sem se dar conta de quão ridículos são. “Hubris”. 

Ao dar publicidade precoce a uma narrativa, os promotores tornam-se reféns desta narrativa. E insistem até o fim n’algo que convinha ter refletido melhor. E, na sua soberba, destroem vidas. 

O problema todo que vemos hoje é que o judiciário prescinde da busca da verdade e aceita como verdadeiras teses que não passariam de fabulações. Teses que não fizeram o caminho das pedras de resistirem aos ataques, para saírem fortes. É extremamente grave que o judiciário proceda assim. Espero que por pura ignorância, de “falta de noção”. Mas, lá no fundo, pergunto-me se não seria de caso pensado..

“Suas idéias não correspondem aos fatos”, diz a frase de Cazuza. Os promotores, tanto quanto todo cientista, deveriam sempre tê-la em mente.

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