domingo, 1 de janeiro de 2017

Juízes e seus juízos (i)morais

Juízes e seus juízos (i)morais

Mateus P. Gomes
http://justificando.cartacapital.com.br/

Indo direto ao ponto e falando o que me parece óbvio (que tempos são estes?! já diria Brecht). Toda decisão judicial deve estar alheia à moral que coordena aquele que decide e distante, a perder de vista, da subjetividade e de seus interesses egoísticos, pergunta-se, então: por que o direito há de ser alheio à moral, e em outro sentido é imoral? Diz Lenio Streck:
A Constituição, nos moldes construídos no interior daquilo que denominamos de Constitucionalismo Contemporâneo (ou Constitucionalismo pós-bélico) é, assim, a manifestação desse grau de autonomia do direito, isto é, deve ser entendido como a sua dimensão autônoma face às outras dimensões com ele intercambiáveis, como, por exemplo, a política, a economia e a moral[1].

E depois acrescenta:
Trata-se de uma autonomia entendida como ordem de validade, representada pela força normativa de um Direito produzido democraticamente e que se institucionaliza (ess)as outra dimensões com ele intercambiáveis.[2]
Percebe-se, pelas ditas palavras, que tudo o que se encontra em outras fontes, todas as coisas de outras ordens (às quais são intituladas de dimensões) que são necessárias ao Direito a ele serão adicionadas ou já o foram, ou seja, se algum valor moral é tão imprescindível à convivência humana que necessita de sua positivação precisa adentrar ao ordenamento jurídico para ser válido como norma, nisso reside o caráter do limite formal do Direito, onde “a atividade do juiz está limitada pela lei, no sentido de que o conteúdo de uma sentença deve corresponder ao de uma lei”[3]. O que a sentença diz há de encontrar eco no que o ordenamento propõe, e quando isso não acontece tem de ser regulado pelo próprio ordenamento, exemplo disso – tratando-se de hermenêutica e teoria do Direito – é o artigo 4° da lei 4.657, de 4 de Setembro de 1942 (vulga LINDB) in verbis: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito” onde se mostra que tem, o juiz, o poder de decidir por fontes alheias, no silêncio da lei. Portanto até para decidir sem a lei há a necessidade do respaldo legal, do contrário é pura arbitrariedade; por isso todo ordenamento jurídico traz (ou deveria!) em seu DNA a coerência e a completude, o que se mostra na obra do mestre italiano Bobbio[4]. Frisa-se bem que o exemplo dado se faz como elucidação de caráter hermenêutico e da teoria do Direito, que tal não é válido em âmbito penal, diante do princípio da estrita legalidade, erigido no artigo 5°, inciso XXXIX, da nossa carta magna, in verbis; “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Qualquer decisão judicial que estiver embasado no caráter do justo, conceituada com respaldo na moral, em vez do Direito, será uma decisão arbitrária e imoral. Será imoral diante de uma razão lógica e substancial; razão lógica surge porque todo aspecto moral necessário ao Direito nele estará (ou deverá estar!), então se o que é moral e é necessário estará contido no ordenamento jurídico, não há motivos para recursos de outra natureza para as decisões; devendo, a decisão do Juiz, ser feita em caráter argumentativo jurídico exatamente por nele estar inserida a dimensão moral necessária (se quisermos falar em moral!); a razão substancial se coloca com sendo a aquela pela qual o conceito de moral não é uno, ele se constrói de acordo com a história, a cultura e toda a subjetividade do sujeito que julga, aqui entra o conceito de justo que está intimamente ligado ao do que é moral e imoral feito por Kelsen, para quem a justiça é uma virtude pertencente ao domínio da moral, diz o autor: “A justiça pela qual o mundo clama, ‘a’ justiça por excelência é, pois, a justiça absoluta. Esta é uma ideia irracional”[5], e depois concluí ao dizer sobre a necessidade de uma fonte sobre humana para dar substancialidade ao conceito de justo no ordenamento jurídico, e se está além da condição do humano, logo a este não tem serventia pragmática, em suas palavras:
Por isso, a fonte de justiça e, juntamente com ela, também a realização da justiça têm de ser relegadas do Aquém para o Além – temos de nos contentar com uma justiça simplesmente relativa, que pode ser vislumbrada em cada ordem jurídica positiva e na situação de paz e segurança por esta mais ou menos assegurada[6] (KELSEN, 2011, p. 65).
Observa-se, portanto, que o juiz, ao julgar, está atado à norma e ao conjunto probatório feito no processo, não podendo julgar conforme bem entender sua consciência ou com respaldo em fontes alheias ao ordenamento jurídico ou não autorizadas por este.
Havemos de nos contentar com um Direito que sempre será decrépito, que sempre estará aquém da pluralidade humana, que, embora almeja, nunca abarcará todas as eventualidades do mundo. O limite da atuação Estatal tem de ser a lei constitucionalmente válida (o ordenamento como um todo!), pois é na Constituição que se alberga as garantias individuais e as propostas de um país Democrático e uma sociedade mais solidária. É nesse aspecto jurídico que, a meu ver, há os contornos de uma sociedade que não tem o Estado como inimigo, mas sim como algo a serviço de todos. Ao atribuir a um único indivíduo (um Juiz!) o poder de dizer o que é o “certo”, o “justo” e o “bom”, baseando-se em critérios morais em detrimento da lei, como se este fosse agraciado pelos deuses com uma racionalidade maior, nega-se toda a tentativa de consolidação de um Estado Democrático de Direito aguerrido às garantias constitucionais, seja dos indivíduos ou da sociedade como um todo.
Mateus P. Gomes é graduando de Direito da Faculdade Católica do Tocantins e membro do CA de Direito.

[1] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) Crise. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 369
[2] Idem.
[3] BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1999. p.56
[4] BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1999.
[5] KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011. p. 65
[6] Idem

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