quinta-feira, 2 de março de 2017

O MP de São Paulo é do estado ou do governo?

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O Ministério Público pressiona por dados da Lava Jato, mas esbarra em suas históricas ligações com os tucanos

                              Gilberto Marques/A2IMG
O ex-procurador-geral paulista Márcio Elias Rosa torna-se secretário de Justiça

Em setembro de 2011, o deputado Roque Barbiere (PTB) aproveitou uma despretensiosa entrevista concedida a um jornal do interior de São Paulo para fazer uma denúncia que abriria uma crise no governo de Geraldo Alckmin (PSDB). Um terço dos deputados da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), segundo ele, vendia emendas parlamentares em troca de propina de prefeituras e empreiteiras.

“Tem um belo de um grupo que vive e sobrevive e enriquece fazendo isso. Existe do meu lado, existe vizinho, vejo acontecer. Falo para eles, inclusive, para parar”, explico. A declaração deu início ao que ficou conhecido como escândalo das emendas e atingiu não apenas a base de parlamentares do governo tucano, mas também secretários de Alckmin.

O esquema ocupou por algumas semanas as manchetes de jornais e revistas e foi parar na Promotoria do Patrimônio Público e Social do Ministério Público de São Paulo. Passados quase sete anos da denúncia, é como se o caso nunca tivesse existido. O promotor responsável pelo caso aposentou e o MP-SP não conseguiu levar as investigações adiante.

O escândalo das emendas é apenas um dos exemplos de investigações que não culminaram na responsabilização de agentes públicos em São Paulo, nos últimos anos. Pelo contrário, sobram casos de repercussão em que o órgão não consegue avançar para produzir provas contundentes que levem à denúncia ou à condenação dos envolvidos.

Esse histórico, no entanto, não tem inibido o MP-SP a pressionar a força-tarefa da Operação Lava Jato. Desde janeiro, promotores do Ministério Público têm usado a mídia para propagandear a tese de que as investigações não avançam em solo paulista devido à resistência do juiz Sergio Moro em repassar o conteúdo de depoimentos e as provas colhidas pela Polícia Federal a envolver políticos, obras e empreiteiras do estado.

Ao Estado de S. Paulo os promotores explicaram que, em pelo três casos de suspeitas envolvendo contratos do governo estadual com empresas investigadas, Moro negou o compartilhamento de provas. “Pedi o compartilhamento e foi indeferido. Minha investigação não avança mais por causa desse indeferimento”, disse o promotor Marcelo Milani, que seria responsável por três inquéritos na área cível ligados à operação.

Um dos interesses do Ministério Público nessa disputa são as anotações apreendidas pela Polícia Federal ao trazerem informações sobre um suposto pagamento de propina de 5% num contrato para obras de duplicação da Rodovia Mogi-Dutra (SP), cujo valor total era de 68 milhões de reais.

O atual procurador-geral Gianpaolo Smanio declara sua falta de 'condescendência', mas não convence (Foto: Suamy Beydoun/Futura Press)

O beneficiado pelo esquema seria um agente público identificado nos documentos pelo codinome “Santo”. Na ocasião, assim como agora, o governador de São Paulo era o tucano Geraldo Alckmin. Até novembro do ano passado, tudo que se sabia sobre esse personagem eram rumores, mas a revista Veja divulgou tal seria o codinome do governador.

Mesmo antes de vir à público para criticar Moro, Milani já havia tentado obter informações sobre o caso. Ele convocou Benedicto Barbosa da Silva Júnior, ex-presidente do setor de Infraestrutura da Odebrecht, para um depoimento sobre informações relacionadas às autoridades paulistas.

Nos documentos de Júnior foram encontradas essas menções à propina do “Santo”. Não deu certo. O executivo negou-se a prestar informações por conta dos acordos firmados com a força-tarefa da Lava Jato.

O interesse do Ministério Público por uma informação que poderia comprometer o governador salta aos olhos. Isso porque esse mesmo promotor já foi alvo de recurso por uma suposta postura “contraditória”, ao se tratar de ações contra gestões petistas e tucanas em São Paulo.

No ano passado, quando prefeito, Fernando Haddad recorreu à Corregedoria do Ministério Público de São Paulo contra Marcelo Milani, depois de o promotor entrar com ação de improbidade administrativa contra o petista por multas de trânsito aplicadas na cidade.

Na ocasião, Haddad justificou que Milani teria tido atitudes diferentes em casos parecidos que envolveriam a gestão Alckmin e a sua. “Ele adotou dois pesos e duas medidas. Em um caso ele chama coletiva, no outro não chama. Em um caso ele entra com ação de improbidade, no outro ele não entra. Em um caso ele perde o prazo, no outro ele não perde. Está estranho.” À mídia, o promotor explicou que era signatário do inquérito e não autor da ação.

E seria justamente essa proximidade entre Ministério Público e integrantes do governo do estado que teria evitado a cooperação com a Lava Jato. Isso poderia representar um risco às investigações, caso os detalhes do caso fossem vazados, inclusive para o próprio governador.

Não é de hoje que o Ministério Público de São Paulo tem sua credibilidade colocada em xeque por conta de supostas interferências. Um estudo feito pela ONG Conectas, e publicado pela Agência Pública, confirma a influência do governo tucano nas ações do MP. A conclusão é resultado de entrevistas com 37 integrantes do Poder Judiciário paulista, sendo 15 deles do Ministério Público, tomadas sob condição de anonimato.

A pressão por troca de informações com a Lava Jato não vem apenas de promotores. O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Gianpaolo Smanio, chefe do MP, disse em janeiro que estuda constituir uma força-tarefa para ajudar nas investigações provocadas pelas delações premiadas de 77 executivos da Odebrecht. E dali talvez surgissem mais detalhes sobre o envolvimento do “Santo”. Quando declarou essa intenção, Smanio também mandou um recado a Curitiba.

“A Lava Jato ainda não compartilhou seus dados conosco. Mas não vejo nenhuma dificuldade (para investigar). Tem um grupo de promotores em contato direto e permanente com o pessoal da Lava Jato”, disse. Declarações dadas alguns dias depois de Alckmin ser convidado a pegar carona no avião da FAB rumo a Porto Alegre, a convite de Michel Temer, por conta do velório do ministro Teori Zavascki.

Fernando Capez, envolvido há um ano no caso denunciado pela Coaf, continua a dormir em paz (Foto: Marcia Yamamoto/Alesp)

Quando assumiu o cargo, Gianpaolo Smanio foi questionado sobre esse “sentimento de condescendência do órgão com a gestão tucana”, obviamente negou. “Posso garantir que essa é uma percepção que não corresponde à realidade. Temos uma atuação, ao longo do tempo, muito eficiente e voltada para a proteção do patrimônio. Temos ações propostas contra todas as questões trazidas: o cartel de trens, o Metrô, a merenda. Posso afirmar que não há nenhuma condescendência.”

Ainda assim, o passado recente mostra que costuma existir forte proximidade entre o procurador-geral de Justiça e o governador de São Paulo. O último a assumir o MP, Márcio Elias Rosa, está hoje no comando da Secretaria de Justiça do Estado. Deixou um órgão que tem entre suas atribuições investigar o governo para em seguida fazer parte dele.

Enquanto o Ministério Público manifesta com veemência o desejo de receber dados e depoimentos da Lava Jato, mesmo diante da negativa de Moro, outros casos de responsabilidade do órgão seguem esperando, há algum tempo, uma solução ou encaminhamento.

O mais recente é o que investiga um esquema de desvios e fraudes envolvendo verbas de merendas escolares. O escândalo veio à tona há um ano e colocou um dos principais tucanos paulistas, o ex-presidente da Alesp, Fernando Capez (PSDB), no centro da denúncia. Integrantes da Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf) acusam políticos de exigirem propina para liberar contratos com governos e municípios.

Parte dessas propinas teriam sido negociadas por ex-assessores de Capez. Mas, em 12 meses, o Ministério Público ainda não conseguiu denunciar nenhum envolvido em contratos feitos pelo governo Alckmin. As punições também não devem chegar tão cedo. CartaCapital procurou o promotor Marcelo Milani, mas não obteve resposta.

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