sexta-feira, 10 de março de 2017

Tribunal Popular julga os "crimes do capitalismo"

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Composto por entidades que atuam na defesa dos Direitos Humanos, o evento denuncia as sistemáticas violações de direitos da população pobre, negra e periférica

Da Redação

Criado em 2008 com o objetivo de julgar e condenar o Estado Brasileiro, em 2017, o Tribunal Popular julgará os "crimes do capitalismo". Composto por entidades que atuam na defesa dos Direitos Humanos, o evento denuncia as sistemáticas violações de direitos da população pobre, negra e periférica. 

De acordo com a organização, neste ano, o Tribunal Popular acontecerá de março a novembro, período em que se desenvolveu a Revolução Russa. "O Tribunal colocará em debate diversos temas relacionados a barbarie provocada pelo capitalismo, utilizando-se de diversas linguagens como vídeo, teatro, música, poesia e artes plásticas", diz manifesto de divulgação. Os temas serão divulgados no lançamento do evento, que ocorre nesta quinta-feira (9), às 19h, no Espaço Erla, na Boa Vista, centro de São Paulo.

Durante a inauguração do Tribunal, ocorrerá um debate sobre os 100 anos da Revolução Russa e a crise do capitalismo, com participação do ativista social José Luis Del Roio e do economista brasileiro Plínio de Arruda Sampaio Jr.

Leia manifesto na íntegra.

O Tribunal Popular julga os crimes do capitalismo

A história do modo de produção capitalista é a história de uma guerra cada vez mais total e permanente. É verdade que a barbárie nunca foi privilégio do Capital; como dizia Marx: “Até hoje a violência, a guerra, o saque, o assassínio seguido de roubo e assim por diante foram transformados em força motriz da história”. Entretanto, surgido na Europa em meados do século XV, rapidamente o capitalismo se consolidou como o sistema de relações econômicas e políticas definitivamente exterminadoras da natureza e da humanidade. O desenvolvimento das rotas comerciais somado aos avanços técnico-científicos viabilizou materialmente as Grandes Navegações, conferindo ao sistema caráter mundializado, sob a égide da empresa colonialista. Dali em diante, ao longo de pouco mais de cinco séculos, o genocídio, o etnocídio, a pilhagem, a coerção, a exploração e a escravização pura e simples atingem escalas jamais vistas.

O capitalismo, levado a cabo nos primeiros anos por pequenas porém cada vez mais poderosas elites, a burguesia emergente, sobretudo ligada ao capital comercial e usurário, em aliança com setores da aristocracia feudal, rapidamente se consolidou e se legitimou internacionalmente como como único modo de organização social possível e supostamente desejável. Nos séculos subsequentes, o projeto burguês de civilização trucidou e submeteu os mais diferentes povos, nas mais diversas regiões do planeta, impulsionado pela necessidade de acumulação infinita de todo e qualquer recurso – material ou imaterial, objetivo e subjetivo – e, conforme avançou o capital manufatureiro e industrial, reduziu seres humanos a trabalhadores descartáveis, meros apêndices da produção, seja como escravos nas colônias, seja como operários nas fábricas. Os efeitos desse movimento avassalador de conquista encontram-se hoje mais nítidos do que nunca; a capacidade de converter qualquer forma de existência em riqueza e supremacia bélica transformou a Grande Burguesia do século XXI em uma espécie de “casta” transnacional, oligarquia composta por menos de 1% da população mundial que concentra a maior parte da riqueza planetária. Segundo estudo recente da Oxfam, apenas 8 indivíduos possuem tanta riqueza quanto a metade mais pobre da humanidade. No Brasil, 6 indivíduos possuem tanta riqueza quanto 100 milhões de brasileiros, isto é, metade da população.

É impossível dimensionar os danos e os sofrimentos produzidos pelos séculos de capitalismo. Apenas no Congo “belga”, foram 10 milhões de mortos e incontáveis mutilados; nos EUA, estima-se que a população nativa foi dizimada em 25 milhões; somadas as duas Grandes Guerras Mundiais, quase 100 milhões de trabalhadores simplesmente deixaram de existir... 

Contudo, não foram poucas as resistências que incontáveis seres humanos desencadearam, heroicamente, no sentido de defender sua própria sobrevivência, seus modos de viver e se relacionar com a natureza e seus semelhantes – tradições de luta de valor inestimável, muitas delas ainda presentes no cotidiano e na memória dos oprimidos, na cidade e no campo, em todos os continentes. Como se sabe, uma das características mais decisivas do Capital foi a padronização dos povos e culturas, submetendo todos a um violento processo de espoliação e proletarização.

Em que pese a atual fragilidade das resistências das trabalhadoras e trabalhadores rurais e urbanos, assim como dos povos originários, é fato que os oprimidos não tombaram definitivamente derrotados e que sua guerra também é histórica e permanente. A apartação forçada da terra consagrada pela expansão geográfica do Capital traz por contiguidade uma história de resistência dos que dela sempre viveram, das lutas ameríndias que se iniciam com a invasão colonizadora europeia ao banditismo social italiano; do cangaço sertanejo brasileiro à luta revolucionária indígena liderada por Zapata no México em 1910; da revolução na Etiópia à resistência palestina; da vitória vietnamita contra o exército yankee à Comuna de Paris...

A consciência profunda da classe oprimida demonstra que sempre houve coragem para atualizações. As experiências do Ejército Zapatista de Libertación Nacional (EZLN), do Yekîneyên Parastina Gel (YPG) em Rojava, entre tantas outras iniciativas, despontam na contemporaneidade como verdadeiros emblemas da luta de classes (e das lutas de libertação anti-imperialistas) que, na perspectiva dos condenados da terra, jamais deixou de existir. Trata-se de um gesto corajoso e organizado dos que decidem não se submeter. Ao contrário, buscam o direito à sua autodeterminação e de viver sua sociabilidade da forma que escolherem, estabelecendo outro tipo de relação com suas necessidades materiais, diferente das que o Capital quer impor – reconfigurando a compreensão do feminino e do masculino, do justo e do injusto, da ciência e do mito, da propriedade privada e do bem universal .

O ano de 2017 marca o centenário da Revolução Russa e, para nós brasileiros, também o centenário daGreve Geral no Estado de São Paulo – que inaugura no Brasil as lutas dos trabalhadores operários contra a exploração promovida pelos industriais em ascensão. Por outro lado, desde o fatídico atentado de 11 de setembro de 2001, jamais a Humanidade se viu tão desamparada em relação ao seu próprio futuro – à beira de uma Terceira Guerra Mundial que, muito embora não declarada, dá todos os indícios de que já se encontra em curso.

O fascismo – consolidado como instrumento do Capital desde a década de 20 do século passado – é um fenômeno que se intensifica em escala global, politizado sob nova roupagem, e, possivelmente, com potencial destrutivo ainda maior. Sob o olhar da burguesia internacional, nada mais eficiente do que fomentar como técnica de controle político e social uma verdadeira “guerra de todos contra todos” entre os de baixo (xenofobia, homofobia, machismo, racismo, competição feroz no mundo do trabalho e toda sorte de desintegração das relações humanas).

Não obstante, o momento é mais do que oportuno para que os oprimidos de todo o mundo reforcem ainda mais seus laços de solidariedade, compartilhem suas experiências e conhecimentos, multipliquem suas insurgências. Nutridos pela história que se move de baixo para cima, é urgente nos revigorarmos pelo ar que somente a autocrítica severa e implacável será capaz de proporcionar.

O neoliberalismo vigente a partir de 1970 culminou na crise de 2008, um colapso não apenas econômico e político, mas sobretudo humanitário – cuja dimensão globalizada permanece até agora desencadeando uma série de ataques aos 99%. Quem seriam? Ora, a esmagadora maioria: os expropriados da terra e os alienados do trabalho, de todas as etnias, com todas as sexualidades, em todos os cantos, destituídos da dignidade e da liberdade de viver em comum.

Tradicional na “periferia” do mundo, a rebelião retornou ao “centro”. Importantes movimentações vêm se multiplicando justamente nos polos de acumulação global (Occupy Wall Street, Ferguson e Baltimore e, mais recentemente, fortes como as rochas, os Sioux, por exemplo, todos insurgentes dentro do próprio espaço territorial do Império). O “Apocalipse” retornou à ordem do dia, mas seu anúncio, tão recorrente, nunca foi necessariamente sinônimo de derrota... Junto à energia dos oprimidos, há a “rebelião” da Natureza, indecifrável, mas nítida e cruel, despejando geleiras no oceano, alterando o clima, ameaçando a própria vida humana na face da Terra.

É por isso que convocamos ao Tribunal Popular do Capitalismo. Com a participação de guerreiras e guerreiros de todos os continentes, vamos submeter ao juízo dos povos todas as violações do Capital. O material produzido por esse julgamento pretende contribuir para a elaboração de sínteses a partir dos desejos e sonhos dos oprimidos. É legítimo lutar por um modo de produção que não seja contrário à vida coletiva e que ao mesmo tempo abarque a dimensão múltipla e diversa das culturas e indivíduos. Aspiramos por relações que permitam à cooperação e à aliança fraterna entre todos, à preservação da natureza e ao uso consciente de suas riquezas, assim como à distribuição igualitária de tudo que seja necessário para a manutenção da existência de cada ser humano, ser vivo ou ecossistema.

Mais uma tentativa de Confederação dos Oprimidos, unidos por uma nova “utopia”? Pensamos diferente: a luta de classes é uma construção histórica e, sem dúvida nenhuma, o fortalecimento de uma nova Confederação se faz necessária contra a desumanização e à barbárie impostas pelos donos do poder.

O Tribunal Popular, junto com Movimentos, Partidos, Coletivos, Sindicatos, Lutadoras e Lutadores do mundo todo, em nome de um projeto comum de Humanidade, se coloca em Sessão Permanente. É articulando, lembrando, debatendo, cantando, ouvindo, vendo, acumulando – sempre coletivamente – que construiremos as bases que possibilitarão o julgamento dos crimes cometidos pelo Sistema Capitalista. Aos presentes (entre mortos e feridos), e aos que virão, à vitória sempre!

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