segunda-feira, 8 de maio de 2017

Sobre uma justiça de classe em ação

Com a contribuição de diferentes setores da sociedade, a Greve se fez entender pela população, hoje reduzida ao mais baixo padrão de informação imaginável

      Pedro Tierra*
      http://www.cartamaior.com.br/

O impacto da Greve Geral deste 28 de abril de 2017 e as manifestações mobilizadas pelas Centrais Sindicais pelo 1o de maio, Dia Internacional dos Trabalhadores, contra a liquidação da Previdência Social e a Reforma Trabalhista revelaram de forma cristalina o conteúdo de classe da crise brasileira.

Limparam de todos os adereços e máscaras, de toda a ideologia, de todo discurso manipulado e, não raro cínico, com que encobrem suas posições as forças sociais que defendem o golpe desferido contra a Constituição e o país. Utilizando o mais característico instrumento que inventaram ao longo de cento e cinquenta anos de lutas – a Greve Geral – o movimento dos trabalhadores expôs a inequívoca e fundamental contradição capital x trabalho que move os interesses de classe na sociedade capitalista e como ela se expressa no conflito em que está mergulhado o Brasil. 

Decifrar e expor como essa contradição se exprime nas instituições e na disputa política na sociedade, tornou-se indispensável para produzir uma resistência eficaz dos setores populares à ofensiva contra os direitos dos trabalhadores conduzida pelo governo golpista de Michel Temer.

Os movimentos sociais dos trabalhadores – as Centrais Sindicais, as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, o MST e MTST à frente – demonstraram grande capacidade de mobilização e organização e, depois de um trabalho árduo para superar a fragmentação e a improvisação conseguiram, depois de muitos anos de mobilizações de caráter apenas corporativo ou setorial, levantar um movimento de alcance nacional e paralisar o país no que há de essencial: a produção e circulação de bens e das pessoas. Essa é a razão do sucesso do movimento. Ele tocou no conflito principal: o conflito distributivo.

Com a contribuição de diferentes setores da sociedade – destaco a decidida participação das igrejas, em particular da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB – o movimento se fez entender pela maioria da população, hoje reduzida ao mais baixo padrão de informação imaginável numa sociedade contemporânea pelo massacre de manipulação ideológica produzido pelos monopólios de comunicação, em particular a Rede Globo de Televisão.

A mobilização das Centrais Sindicais que resultou na Greve Geral continuará, pelos desdobramentos políticos que ainda vai produzir, a cumprir uma tarefa essencial neste momento de extraordinária confusão e crise. A Greve Geral reeduca as classes trabalhadoras ao passar, pelo gesto concreto da paralização das atividades econômicas, a mensagem de que elas seguem desempenhando o papel fundamental na vida social: a produção e a circulação da riqueza e, portanto, legitima o seu direito de reivindicar o espaço que lhe cabe na busca de alternativas para o impasse em que o país foi metido pelas forças que deram o golpe de 2016.

Esse fato – a Greve Geral – lança luz sobre os movimentos das instituições envolvidas no golpe – o Ministério Público, o Judiciário, a Polícia Federal e o Parlamento – e revela o caráter de classe da aliança que se estabeleceu entre essas instituições e a mídia familiar para impedir o avanço das políticas de inclusão social dos governos populares eleitos a partir de 2003.

A história não dispensa os personagens de carne osso e escolhas com que opera seu curso. O Ministro Gilmar Mendes encarna de maneira cabal a consciência dos interesses de classe das oligarquias que representa no espaço que ocupa na Suprema Corte e na disputa social, política e ideológica que se trava na sociedade brasileira. Tivemos nos últimos dias a melhor demonstração de como essa consciência se expressa num gesto político irrefutável: a soltura do ex-ministro José Dirceu, preso ilegalmente pelo militante político de extrema direita que exerce as funções de titular de uma Vara de 1a Instância de Curitiba.

A soltura do ex-ministro de Lula, e dirigente do Partido dos Trabalhadores apenas restabelece, ainda que de maneira precária, a vigência do Estado Democrático de Direito e a obediência à Constituição de 1988 atropelada pelas convicções dos rapazes do Ministério Público do Paraná e seu braço armado, a Polícia Federal.

O gesto – e o voto – do Ministro Gilmar Mendes em favor do habeas corpus impetrado por Dirceu, se considerarmos suas intervenções anteriores no processo político e judiciário desde que assumiu a cadeira no STF, em particular desde a Ação 470, revelam o caráter utilitário da concepção de Estado Democrático de Direito que fundamenta a ação do Judiciário pelas mãos do seu mais destacado líder: vai aos poucos se formando à sua frente uma fila dos golpistas alcançados pelo arbítrio da República de Curitiba que demandarão – legitimamente, diga-se – o mesmo critério que a Suprema Corte utilizou para soltar Dirceu. E funcionará como um habeas corpus preventivo para os líderes do golpe, caso cheguem a ser alcançados pela fúria punitiva do julgador de Curitiba e dos canhestros adolescentes que lidera: à cabeça da fila estão: Aécio Neves, Alckmin, José Serra, Aloísio Nunes, Jucá, Moreira Franco, Serraglio, etc.

Tem razão, o Ministro Gilmar Mendes, ao afirmar ter proferido um voto histórico. Tanto no sentido de que cristaliza os interesses de classe com os quais se alinha, como pelo fato de o voto trazer consequências duradouras para os embates que vão se seguir até o país se ver livre da calamidade em que foi mergulhado pelos responsáveis pelo golpe de 2016.

Diferentes movimentos de trabalhadores se mobilizam para desembarcar em Curitiba no próximo dia 10 de maio. Acompanharão o depoimento de Lula ao militante de extrema-direita que cumpre as funções de titular da 13a Vara Federal. Essa mobilização traz consigo o potencial de articular estreitamente os sentidos da perseguição judicial à maior liderança popular do país – o ex-Presidente Lula – e a ofensiva do governo golpista contra a Constituição de 1988 e os direitos conquistados que ela assegura. É necessário prender Lula para aprofundar o saque dos direitos dos trabalhadores e dos recursos naturais do país: “é preciso calar esse homem.”
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*Pedro Tierra – É Poeta. Ex-Presidente da Fundação Perseu Abramo.   
Créditos da foto: UESLEI MARCELINO / REUTERS

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