sexta-feira, 23 de junho de 2017

Doria dondoca de direita

(Foto: Divulgação)

Doria dondoca de direita

Por Gilberto Felisberto Vasconcellos 

Algum fundamento terá na realidade a distinção entre proletariado paulista e proletariado brasileiro? Essa pergunta é motivada pela eleição do prefeito Doria (gestor com gê ou “jestor” com jota?) que ganhou votos na periferia andraja. A pergunta reporta­se ao que escreveu Karl Marx em 1870, cem anos antes do udistoquepop, acerca da emigração forçada do trabalhador irlandês para Inglaterra, que assim abaixa o salário da classe operária inglesa. Daí a divisão hostil incentivada pela burguesia entre os dois proletariados. Um vê o outro como adversário e competidor. O inglês se considera bacanudo e torna­se instrumento da burguesia contra o hermano da terra de James Joyce. Isso não é diferente da rivalidade entre negros ex­ ­escravos e brancos pobres nos Estados Unidos, e o que daí resulta em termos de impotência política da classe oprimida.
O operário nativo de São Paulo odeia o peão oriundo de outros sítios, a despeito do sucesso de Lula no ABC paulista. O liberal Mario de Andrade anteviu que o bilhar proletário em São Paulo não está nem aí para a sorte do seringueiro da Amazônia.

A sociedade de classe é perversa. O operário da fábrica multinacional menoscaba os outros trabalhadores fabris. Na ausência dessa solidariedade não existiria um vigarista como Paulinho da Força, isto é, da força contra os trabalhadores. Atenção, estamos nos referindo à cidade de São Paulo como uma das maiores concentrações operárias do mundo.

Nordestino, nortista, negro, mulato, seja o que seja, o trabalhador desocupado está a fim de ser explorado por algum patrão. Este pode aparecer, mas na maioria das vezes não aparece; o trabalhador assalariado o encara mal, vai tomar o meu emprego, pé­de­chinelo, pau de arara. Tomara João Doria construa um muro trump para impedir essa escória de vir para São Paulo. Gente que aceita qualquer troco. Gente sem vergonha. Lixo.

O horror que pobre tem de outro pobre, e que é artificialmente fomentado pelos programas de auditório na TV, deixa o subproletariado numa condição permanentemente depressiva. Situado abaixo da classe operária empregada. Esta é vista como privilégio, salário garantido todo mês, não importa que seja merreca o salário. Isso é tido como paraíso em cotejo com a vida sem eira nem beira.
"A cínica burguesia bandeirante sabe que o capitalismo é um regime incapaz de absorver a força de trabalho. É o regime do emprego impossível para a maioria. Subemprego. Emprego temporário. Quebra­ ­galho. Gente condenada a não ter emprego nunca. E quando o tem, de maneira regular, está submetida à lei da superexplorção do trabalho: isto é, o salário não cobre as necessidades vitais. É o salário da morte com o sentimento de culpa do morto"
O proletariado com carteira assinada acha que a massa sobrante lumpemproletária, se tiver competência e força de vontade para trabalhar, acaba arrumando emprego. Vagabundo é quem fica parado e não descola nada. Os pobres não morrem de fome porque os ricos não deixam. O caminho que se divisa no horizonte é entrar para a Igreja. São Paulo não é o Piauí preguiçoso. Isso é dito com a maior desfaçatez. A cínica burguesia bandeirante sabe que o capitalismo é um regime incapaz de absorver a força de trabalho. É o regime do emprego impossível para a maioria. Subemprego. Emprego temporário. Quebra­ ­galho. Gente condenada a não ter emprego nunca. E quando o tem, de maneira regular, está submetida à lei da superexplorção do trabalho: isto é, o salário não cobre as necessidades vitais. É o salário da morte com o sentimento de culpa do morto.

A China importando soja e nióbio não vai conter a expansão progressiva do desemprego. A solução, aventada pela bolsa de sangue Bolsonaro, é comprar armas sofisticadas de Israel para equipar a polícia. O povo brasileiro converteu­se em povo bandido. Parece loucura essa repressão, mas não deixa de ter uma racionalidade genocida que pode vir a ser acionada pelo poder mundial. É que não interessa ao capital monopolista que o povo brasileiro continue vivendo. O que lhe interessa é o território, o trópico com sol e água doce. Que morra o brasileiro. Viva a floresta! É isso o que está sendo implementado por Temer­Meirelles com a morte antes do ócio, a metafísica do aposentado, como dizia Oswald de Andrade. O que fazer? A tragédia é que não existe partido proletário, portanto falta direção revolucionária. Por mais que Marx estivesse com razão acerca da fábrica revolucionária, não deslembrar Bakunin: a esquerda anticapital tem obrigação de politizar a massa sobrante e subproletária, que só tende a crescer com a especulação financeira hot money.

Fábrica­-sindicato­-partido. Esse é o esquema clássico da consciência operária. Mas na periferia a maioria absoluta dos trabalhadores não consegue classificar­se com trabalho assalariado, não tem autodefesa, o trabalhador não se organiza, vê Faustão e vota no Doria. Todavia, se há “crime organizado” (a burguesia tem menos medo de Cristo que do PCC dentro ou fora da cadeia), por que não haverá então oprimido politizado?

Darcy Ribeiro, Cosme do Damião Leonel Brizola, perguntava: quando é que o povão vai entrar na história do Brasil? E dava como resposta: no dia que o sem­terra juntar­se ao favelado. Antes de conhecer a pacatez fleugmática de seu amigo Cacá Diegues, influenciado pelo psicanalista Frantz Fannon, Glauber Rocha bagunçava a má­consciên cia da plateia esclarecida: se você é contra a fome por que não admite armas nas mãos dos famintos?

Lá no íntimo dele, FHC se angustia, seu partido corre o risco de morrer com ele, e se isso porventura acontecer, sua posteridade estará derruída. Para um homem público infortúnio é seu nome não perdurar além da morte. Da lei da morte não se libertar, como poetou Camões.

A carreira meteórica de Doria é arrivista, personalidade fátua, nenhum barato com a coisa pública, rasante vôo intelectual. É uma incógnita não só para o País como também para a cúpula do PSDB, não obstante aplaudido por eleger­se prefeito. Repetindo para si mesmo, sem contudo acreditar no que diz: São Paulo c’est moi! Sua fortuna política, que pode dissipar­se a qualquer momento, foi ter tido como adversário um partido que não conseguiu diferenciar­se programaticamente do PSDB. É isso o que se designa por petucanismo, a convergência doutrinária entre ambos, tendo como fundamento o rentismo agrobusiness da matéria­prima for export.


♦ Gilberto Felisberto Vasconcellos é jornalista, sociólogo e escritor

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