Muita força, mas não a dose necessária
A TRAGÉDIA CIVILIZATÓRIA BRASILEIRA
por Adilson Filho
Acho que em nenhum outro lugar a própria tragédia é desprezada com tanta força como no Brasil.
Por aqui, ditador vira nome de rua e família escravocrata adepta do nazismo dá nome ao bairro onde torturou e matou à vontade.
Por aqui, jogadores de futebol levam faixa com a bandeira de outro país aos gramados, mas diante do horror quase semanal nas nossas favelas, se calam.
Por aqui, a gente se indigna com Golpes de Estado em outras partes do mundo, mas diante de um que arranca o couro da nossa gente, fazemos piada, dançamos em roda e, volta e meia, ainda damos uma mãozinha aos usurpadores.
Isso não é (só) culpa da Globo, é a nossa formação: individualista, racista e autoritária.
Toda a nossa atuação politica em sociedade deriva desse ranço histórico.
Nós, parte da classe dominante brasileira e formadores de opinião, somos assim.
Seja o opressor direto, o indireto, ou os que se posicionam ao lado do oprimido, todos comungam do mesmo “ethos de classe”.
A violência da opressão conta com a anuência silenciosa e, às vezes, até com a colaboração dos seus pares.
Se olharmos com honestidade pra isso, veremos envergonhados que é assim.
Nenhuma luta prosperará aqui no país enquanto não esgotarmos a tragédia da escravidão e das sucessivas ditaduras, o seu efeito devastador em nossa alma coletiva.
De uns anos pra cá, estávamos finalmente encarando a nossa maior chaga, a vexatória desigualdade social — dando voz e um pouco de dignidade aos que podem lutar de verdade por essa transformação.
Mas, no lugar de vermos a nossa responsabilidade na apatia geral da nação, preferimos ficar lamentando: cadê o povo que não se mexe?
Acima de tudo, por isso, eu levo muito a sério esse golpe, pois sei muito bem a força do Brasil que esses bandidos esmagam como barata agora, com medo de deixar emergir.
POR QUE TEVE GOLPE E NÃO TEVE LUTA?
Por que teve golpe e não teve luta?
Pelo simples fato que, como é de hábito, ninguém quer olhar: não somos ‘de luta’ aqui no Brasil, pelo menos como imaginamos.
A luta aqui nesse país foi a resistência do negro e do índio, do nordestino miserável pra não morrer de fome, do trabalhador nas fábricas que se organizou e um dia chegou lá pra garantir o pão na mesa da família, e do pobre na favela pra sobreviver todo santo dia.
Esse mesmo pobre que pessoas zombam aqui chamando de “pobre de direita”, sem perceber o qto de responsabilidade tem como classe dominante como espelho para as classes menos favorecidas.
Aliás, também não temos esquerda como imaginamos.
O analfabetismo político aqui vai de ponta a ponta do espectro ideológico.
Praticamente, não existe consciência cidadã e coletiva, noção do papel que exercemos na sociedade de classes, do papel do Estado, uma séria de coisas que dão o argamassa da luta da esquerda.
O golpe em Jango, que nos colocou numa ditadura de 21 anos, teve participação de boa parte da classe média na época, muitos se arrependeram depois e se juntaram a uma outra parte que organizou focos de resistência, mas insipiente perto do tamanho do monstro.
O Diretas Já, de 84, que conseguiu nos unir em torno de um objetivo, ainda assim, redundou numa passagem conciliatória para o “colégio eleitoral”.
A nossa academia então, não existe nada mais ‘discretamente’ conservador.
Intelectuais tidos como “vacas sagradas” chamam a resistência dos negros e índios contra o massacre que sofreram de “processo civilizatório nacional” ou “maravilha da miscigenação”.
Sérgio Buarque, super incensado pela esquerda acadêmica, foi talvez o maior demonizador do Estado nacional (o que talvez explique aquele professor da UFRJ, deputado carrioca cabeludo que fica nas ruas despolitizando as pessoas, mas falar da agressão do Mercado que é bom, nada)
Nesse sentido, nunca existiu esquerda no Brasil. A esquerda por aqui está longe de ser orgânica como na Argentina e no Uruguai, ela é acadêmica, artista, burguesa, de mesa de bar, chama o governo golpista de governo (sem aspas), beija a mão de Aécio Neves na farra do jornalista do Globo…
E é Suplicy mandando cartinha pro Temer, é Jean Wyllys elogiando FHC e emprestando sua imagem pra direita sionista de Israel contra o massacre das crianças palestinas, é Luciana Genro dando vivas à Lava-Jato e todas aquelas correntes do seu partido que marcharam pedindo a cabeça de Dilma nas ruas.
É gente, pasmemos, relativizando um ataque frontal à liberdade de expressão por parte de um juiz sequestrador!
Isso aí é não é esquerda nem aqui nem na China de Mao Tse Tung.
Aqui no Rio, a esquerda se criou muito à sombra do PT festivo dos anos 80 que, hoje, enguiçado em seu burocratismo, não arregaça as mangas pra fazer a luta; prefere amolecer os braços na janela esperando pela redenção de Lula em 2018.
Aqueles mais ‘descolados’, que lutavam por liberdades na ditadura — não por justiça social, frise-se — hoje, ou foram pra direita de vez, como Fernando Gabeira, Arnaldo Jabor, ou se diluíram em partidos verdes e ensolarados que trouxeram pra cena bandeiras caras as minorias sociais, dando-lhes um contorno liberal mas descolado da estrutura e da luta de classes (assim como acontece nos EUA, na França); ou seja, uma nova cara para uma “nova direita” que começa a querer desabrochar.
Olhar pra dentro da própria esquerda no lugar de ficar culpando os paneleiros é o único caminho onde eu consigo encontrar explicação para que um golpe de Estado de tamanha violência contra o povo brasileiro não encontre resistência nenhuma dos que deveriam estar organizando um levante pra paralisar esse país até esses larápios devolverem o futuro dos nossos filhos de volta.
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