domingo, 9 de julho de 2017

IMIGRAÇÃO - O CEMITÉRIO DE AREIA A CAMINHO DA EUROPA

NACHO CARRETERO / Agadez (Níger)

Assim é a rota no deserto que os imigrantes subsaarianos devem atravessar antes de cruzar o Mediterrâneo e chegar à Europa

Mohamed é o nome fictício do chefe de uma organização de traficantes de pessoas que opera no Saara.
Mohamed é o nome fictício do chefe de uma organização de traficantes de pessoas que opera no Saara. 



Agadez é uma cidade decadente. Faz anos que os turistas deixaram de visitá-la, apesar da sua histórica mesquita de barro. As ruas estão cheias de detritos. A areia ocupa todos os cantos. O ar queima, a pele resseca até virar ferida. A eletricidade cai durante vários dias. As crianças brincam em meio a cabras e camelos, que pastam sob os 43 graus de temperatura do mês de junho. Ao redor da cidade, estende-se imenso o deserto. O horizonte se borra como numa aquarela. A poeira sobe e penetra nos olhos.
Numa das saídas de Agadez há um posto de controle policial que dá acesso ao deserto. Trata-se de uma suja cabana de madeira onde os agentes passam as horas deitados, tomando chá. Uma frágil corrente sustentada por dois latões se estende no meio do enorme deserto. Basta andar 10 metros para um lado e se pode atravessá-la sem o menor incômodo. Na verdade, os traficantes agora usam outra pista que corre a apenas dois quilômetros da guarita dos policiais. “Eles, os agentes, sabem perfeitamente quais são as novas rotas. Mas para eles tanto faz”, diz Mohamed, o traficante. Aliás, todos em Agadez sabem quais são as rotas. A única mudança que o investimento da UE produziu é que, agora, os militares disparam contra os migrantes de vez em quando se cruzam com eles no deserto. Isto às vezes obriga os motoristas a se arriscarem demais, por rotas ainda mais perigosas, e a maior velocidade. O resultado: mais mortos.
“Nada mudou e nada mudará enquanto o único investimento feito contra a migração for em dinheiro.” Quem diz isso Rhissa Feltou, prefeito de Agadez. “Esta cidade há anos vive da migração, é fundamental para a nossa economia. Milhares de pessoas dependem deste negócio. Se não se oferecer um mercado alternativo, ninguém vai renunciar a esta atividade.”
A falta de informação é o outro grande inimigo. A absoluta maioria dos migrantes acredita que a viagem do seu país à Itália consiste numa rota de quatro dias de carro para então cruzar um rio. “Os imigrantes não sabem o que é a Líbia, não sabem o que está acontecendo ali”, diz Giuseppe Loprete, da OIM. “Os países de origem deveriam informar através de suas rádios e TVs. Deveriam tentar desmontar os boatos.”
O corolário dessa paisagem desoladora é o fluxo de regresso. Há aproximadamente um ano, milhares de migrantes retidos na Líbia estão em fuga, tentando voltar a seus países de origem. Agora, Agadez virou uma cidade de entrada e saída. De sonhos intactos e de sonhos destroçados. A rodovia do deserto continua funcionando a pleno vapor, agora nos dois sentidos. E continua colecionando cadáveres.

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