domingo, 9 de julho de 2017

‘Juscelino foi acusado sem provas e absolvido, Lula pode ser condenado por convicções’, diz Aldo Fornazieri. Por Zambarda


Por 
Pedro Zambarda de Araujo

Doutor em Ciência Política, sociólogo e mestre pela USP, além de ser diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESPSP) desde 2006, Aldo Fornazieri é um dos organizadores do livro “A crise das esquerdas”, lançado em junho.
É dele também o artigo “Por que destruir Lula”. No texto ele afirma: “As elites brasileiras querem o controle absoluto do Estado e do orçamento para atender os seus interesses. Mas a destruição da figura política e simbólica de Lula vai para além desse objetivo (…). Para privar o povo e os movimentos sociais do recurso do poder simbólico é preciso destruir Lula, imputando-lhe todo tipo de acusações, apresentando-o como o oposto das virtudes republicanas, que é a acusação de corrupto. Para isto não se envergonham em escandalizar pedalinhos e barquinhos de crianças”.

Para entender o atual momento político do ex-presidente na perseguição promovida pela Lava Jato, Fornazieri concedeu uma entrevista ao DCM.
DCM: O senhor acha que existe semelhança entre a perseguição que ocorreu com Juscelino Kubitschek na ditadura militar, quando foi acusado de corrupção, e a de Lula na Lava Jato?
Aldo Fornazieri: Penso que o contexto é bastante diferente. Juscelino, de fato, foi acusado de ser o proprietário oculto de um apartamento de 1400 metros quadrados na Vieira Souto, no Rio de Janeiro. Os militares foram os autores da acusação.
Mas na época o promotor não encontrou evidências de que o apartamento fosse do ex-presidente e sim de um amigo que o havia cedido para uso a Juscelino. Ele terminou sendo absolvido pelo juiz do caso.
DCM: Muito parecido com Lula, não?
AF: No caso do Lula, as acusações são feitas pelo Ministério Público e pelo juiz Moro, que parece estar empenhando em condená-lo mesmo sem provas. Não há nenhuma evidência de que Lula seja proprietário do triplex ou do sítio.
Mas aqui parece existir uma ação persecutória com base em convicções sem provas. Ou com base na vontade política de condenar. Não resta dúvidas de que, particularmente Moro, é um juiz suspeito: tem um convívio de admiração publicamente evidenciado com Aécio Neves, com Dória e com Temer.
Se Moro condenar Lula, não há como não ver nessa condenação uma natureza política e persecutória.  De qualquer forma, fica uma lição a ser extraída desses e de outros episódios: um líder que almeja a glória tem que guiar-se pela exemplaridade.
DCM: Como assim?
AF: Ele deve se afastar da vida suntuosa, das coisas terrenas, das benesses, mesmo que pequenas. Isto nada vale do que a honra de ter servido com honestidade e desprendimento o seu país e o seu povo.
Temos aí o Pepe Mujica como um caso extraordinário que deveria seguir de exemplo aos demais líderes de esquerda e os progressistas da América Latina. A vaidade, a arrogância e ambição de uma vida suntuosa são fatais para a glória.
O exemplo e o heroísmo de um líder que deseje ser lembrado de forma imorredoura como um bom exemplo na história.
DCM: O senhor diz que o destino de Lula na Justiça está junto com o da democracia brasileira? A avaliação não mudou?
AF: A avaliação continua valendo. Hoje está mais claro do que nunca de que Dilma sofreu um golpe por parte de uma quadrilha criminosa chefiada por Eduardo Cunha, Michel Temer e Aécio Neves. Todas as manobras golpistas contaram com apoio estratégico do juiz Moro e da Lava Jato de Curitiba.
Eles se conduziram politicamente em apoio ao golpe de início ao fim. Delegados da Lava Jato eram cabos eleitorais de Aécio. Então, tirar Lula das eleições de 2018 seria a conclusão dos objetivos do golpe: impedir que as forças democráticas e progressistas possam chegar novamente ao poder. Se Lula for impedido de concorrer, a democracia sofrerá um dano irreparável.
O governo que nascer das eleições de 2018 será um governo ilegítimo porque seria beneficiado por uma fraude à democracia. Isto levaria a crise política para depois do ano que vem, pois as forças democráticas e progressistas não reconhecerão o futuro governo.
Os conflitos políticos tenderão a se agravar, e não estaremos vivendo uma normalidade democrática e sim um contexto de exceção.
DCM: O que você acha de revistas como a Istoé adiantarem a condenação de Lula, alegando pena de 22 anos de Moro?
AF: Esta revista em particular não pode ser tratada como um órgão de imprensa. É uma revista a serviço da manipulação, do charlatanismo e de interesses escusos. Francamente, não dá para levar a sério revistas como essa, pois elas já estão na lata de lixo da história.
DCM: Impugnado ou preso, Lula ainda terá importância eleitoral em 2018?
AF: é difícil dizer. Se Lula for preso, o mais provável é que tudo fique como está, pois o PT, desde o processo do impeachment, vem se mostrando um partido acovardado, defensivo e sem disposição para lutar.
Diz-se que “Lula é meu amigo, mexeu com ele mexeu também comigo”. Mas trata-se de uma palavra de ordem jogada ao vento. Falava-se isto em relação a José Dirceu e nada aconteceu.
O Wagner da CUT prometeu defender Dilma nas trincheiras, falou-se em exército do Stédile e não se viu nada disso. Quem foi no Vale do Anhangabaú no dia 17 de abril de 2015, viu o povo sair de lá cabisbaixo e desmoralizado. Com exceções honrosas como a do MTST, a esquerda brasileira é boa de retórica e muito ruim de luta.
DCM: O PT diz aos seus integrantes que o partido não tem plano B para uma candidatura Lula. O senhor considera a estratégia correta?
AF: É uma estratégia desastrosa, pois o PT deixou de lutar contra o governo Temer, e é pouco ativo na luta contra as reformas. Só pensa nas eleições de 2018 para voltar ao poder. Mas não diz para que quer voltar ao poder.
Assim, será uma espécie de um retorno ao passado. Querer que o Lula seja candidato é legitimo. Eu também quero que ele seja. Mas acomodar-se a esse desejo é pedir para ser derrotado. O PT deveria engajar-se ativamente nas lutas pela saída do Temer e contra as reformas, em primeiro lugar.
Depois, deveria abrir um amplo debate com as demais forças democráticas e progressistas visando construir uma frente a partir de um programa. Nesse sentido, coloca-se também a tarefa de definir um programa, uma estratégia para onde se quer conduzir o Brasil.
A candidatura de Lula ou de outro representante deveria ser fruto desse processo. Quando você coloca a candidatura antes de tudo, você interdita o processo de diálogo e de construção de uma frente e de um programa.
Assim, caminha-se para uma fragmentação que irá favorecer a direita. O PT ilude-se com as pesquisas e com a derrocada do governo Temer. Isto não significará uma vitória automática de Lula ou de outro candidato do partido.
DCM: Você acha que Lula ainda pode conquistar o eleitorado que está revoltado com a radicalização da política, os “pacifistas hipócritas”?
AF: As pesquisas mostram que o Lula tem um eleitorado cativo de cerca de 30%. Mas tem uma enorme rejeição e sofrerá um duro combate da direita e de setores das classes médias. As eleições de 2018 serão marcadas pelo desejo de mudança por parte do eleitorado.
Um candidato que venha de fora do atual sistema partidário tem boa chance de vencer. Os partidos e políticos atuais sofrem uma brutal rejeição.
DCM: Você afirma que o STF tem a tentação de criar um “Poder Moderador”, como era no império. Podemos ter um novo golpe?
AF: O fato é que vários ministros do atual colegiado do STF, ex-ministros, analistas e cientistas políticos defendem a tese de que o STF deva funcionar como Poder Moderador. Trata-se de uma excrescência contra o espírito e a letra do que é uma República.
O Poder Moderador, introduzido na Constituição outorgada de 1824, tinha uma clara vocação absolutista. Ele dava ao imperador o poder de intervir nos demais poderes de forma autocrática. Na República, fundada no princípio da separação dos poderes e de seu equilíbrio, pesos e contrapesos, nenhum poder tem a prerrogativa de intervir autocraticamente nos demais poderes.
Cabe ao STF exercer o papel de controle constitucional em face de possíveis desvios do Executivo e do Legislativo. O controle constitucional deve ter por base a Constituição e não a vontade arbitrária desse ou daquele ministro do STF ou do seu colegiado.
O atual Supremo se autodestruiu e perdeu a credibilidade: tornou-se um organismo desorganizado, anárquico no seu funcionamento interno e instrumento de interesses políticos. Se fosse sério, já teria adotado medidas contra Gilmar Mendes, que é um conselheiro noturno e clandestino de Michel Temer e um estafeta de Aécio Neves.
DCM: Numa entrevista mais recente, o senhor diz que a esquerda precisa aprender a ouvir melhor no debate político. Como seria isso?
AF: Me referi mais aos partidos de esquerda com o grande eleitorado das periferias. A relação dos partidos com esses segmentos, no fundamental, foi eleitoreira, manipulatória, do tipo assim: “nós vamos te dar alguma coisa desde que você nos dê o voto”.
O problema é que isto não mudou substancialmente a trágica normalidade da periferia: a vida sem segurança, sem saneamento, sem moradia, sem emprego, sem urbanização, sem cultura, sem lazer, sem esportes, sem saúdeetc. As esquerdas não sabem nem acolher e nem ouvir essas populações, algo que as igrejas evangélicas fazem melhor.
A palavra é poder. Se você não dá a palavra a esses segmentos sociais deserdados, você não lhes dá poder. Eles precisam de soluções reais e não de promessas. Eles precisam de organização para ter poder, para mobilizar e para reivindicar.
Hoje há uma grande efervescência de ativismo e organização nas periferias, que passam à margem das esquerdas. Esse eleitorado deixou de ser um eleitorado cativo do PT. Pode votar em Doria para desiludir-se amanhã. Mas o futuro da mudança está ali.
Não serão os revolucionários das universidades, das classes médias ou as burocracias dos partidos de esquerda que farão as mudanças. Serão as periferias, pois são elas que precisam das transformações sociais, econômicas e políticas.
O sentido dessas mudanças será marcado por aqueles que souberem dialogar, acolher e ouvir os deserdados das periferias.

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