terça-feira, 18 de julho de 2017

REFORMA TRABALHISTA - Dado falso sobre sindicatos argentinos municia debate trabalhista no Brasil

Reforma Trabalhista
Marcha de cinco centrais sindicais da Argentina em abril de 2016. RICARDO CEPPI

Relator da reforma trabalhista e banqueiro citaram que país vizinho tinha menos de cem sindicatos, mas são 6.000

Buenos Aires / São Paulo

Durante as discussões sobre a polêmica reforma trabalhista aprovada na semana passada, uma afirmação foi repetida muitas vezes: a de que o Brasil possuía um volume excessivo de sindicatos (cerca de 17 mil), enquanto a vizinha Argentina tinha apenas 96. A comparação foi usada para justificar que o fim da contribuição sindical obrigatória era necessário para acabar com sindicatos de "fachada e pelegos", que se multiplicam pelo país. Na Argentina, a contribuição sindical é voluntária.

O dado argentino foi usado pelo relator do projeto reforma trabalhista na Câmara dos Deputados, o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), e chegou a ser citado por Roberto Setubal, copresidente do Conselho de Administração do Itaú-Unibanco, em um texto publicado na Folha de S. Paulo. O problema é que a cifra está bem longe da realidade.
A Argentina, na verdade, tem proporcionalmente quase tantos sindicatos como no Brasil. Trata-se de um poderoso sistema, integrado por mais de 6.400 sindicatos, com leis trabalhistas herdadas do peronismo e vistas pelos empresários argentinos como a origem de todos os seus males. A ironia é que enquanto os brasileiros citavam "o modelo argentino" no debate, o empresariado do país vizinho mirava justamente a reforma brasileira, que diminuiu o poder dos sindicatos ao abrir a possibilidade de negociar quase tudo sem eles, como inspiração.

Os sindicatos argentinos não são tão verticais como foram no passado. Algo está mudando há pelo menos 20 anos, e muito rápido. O modelo de sindicato por atividade funcionou desde o fim dos anos quarenta e foi combustível do poder peronista. No final dos anos oitenta e início dos noventa, contudo, teve início um processo de atomização acelerado, fruto das revoltas contra a falta de democracia nas estruturas sindicais e nos dirigentes que, ainda hoje, podem superar três décadas à frente das suas organizações. Os sindicatos então se multiplicaram com cifras impactantes: 3.047 deles são reconhecidos pelo Ministério do Trabalho e autorizados a discutir salários. Outros 3.400 não têm direito de assinar acordos por ramo de atividade, mas são poderosos nas negociações por empresas – e ganham terreno por serem mais combativos.

“O modelo sindical argentino começou a desabar a partir das transformações da ditadura. A ideia do sindicato único por ramo de atividade, que discutia com o setor empresarial no marco de uma economia que privilegiava o mercado interno, não existe mais”, diz o economista e ex-deputado Claudio Lozano, com ampla experiência sindical. “A mudança abriu espaço para fenômenos que convivem com o velho sistema. Por um lado, há sindicatos que se transformaram em unidades empresariais. Possuem universidades, meios de comunicação, sistemas de saúde e clientes em vez de trabalhadores. Esse modelo, que se adapta às condições de mercado, é o que as grandes empresas desejam". diz. Por outro lado, explica Lozano, cresce uma experiência de trabalhadores que levaram adiante a discussão da democracia sindical e originalmente integravam a Central de Trabalhadores Argentinos (CTA). Hoje existem ramos de atividade com até três sindicatos, sempre antagônicos.
"Fazer por merecer"

O fim do imposto sindical obrigatório no Brasil foi um dos pontos mais polêmicos da reforma. O tema foi bastante criticado pelas principais centrais, que afirmam que a medida irá afetar a saúde financeira dos sindicatos, podendo enfraquecê-los. Muitos defendiam que o imposto fosse eliminado de maneira gradual para dar tempo para que sindicatos se adaptassem ao fim dessa fonte de dinheiro. O Governo de Michel Temer prometeu estudar que a contribuição obrigatória fosse retirada de forma gradual, mas acabou recuando e decidindo manter a vontade majoritária dos parlamentares.

Na opinião da professora Daniela Muradas, professora de direito do trabalho da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ao eliminar a estrutura do financiamento sem sugerir um mecanismo alternativo, o "Estado tenta de alguma maneira, através da legislação, criar obstáculos para o funcionamento do sindicato". "Ele precisa ser estruturado, não se pode apenas retirar. O certo seria ser escalonado", explica.

O advogado Claúdio Castro, do Martinelle Advogados, avalia que, com a mudança promovida na reforma brasileira, alguns sindicatos terão agora que se reinventar para conquistar a contribuição. "Com o imposto facultativo, essas entidades vão ter que fazer por merecer. Acredito que empregados de bons sindicatos que realmente lutam pela categoria vão continuar a contribuir",diz.

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