domingo, 16 de julho de 2017

Temer e Aécio são filhos da República Velha

Ueslei Marcelino/Reuters


O paulista Michel Temer e o mineiro Aécio Neves parecem ser os exemplares mais caricatos da República Velha, que apareceram na recente cena política brasileira travestidos de “modernos, de paladinos da moralidade, no auge da conspiração do golpe de Estado. Mas, no final do espetáculo, as máscaras caíram e o povo viu dois falsários sucumbirem no nevoeiro da corrupção, nas trevas do atraso, de onde surgiram.

Minas e São Paulo sedimentaram a República Velha e a política “Café com Leite”, movida talvez por sentimentos ancestrais herdados de facínoras como Raposo Tavares, Fernão Dias, Borba Gato, e outros bandeirantes genocidas, de fazendeiros, criadores de gado, cafeicultores, canavieiros e mineradores.
Acumularam poder e dinheiro, formaram as elites econômicas e financeiras paulista e mineira às custas do extermínio de nações indígenas e da escravidão, à base de açoites nos pelourinhos e nos cárceres.

Segundo relatos históricos, os bandeirantes eram tão cruéis que, no período da escravização dos índios, chagaram a cortar braços dos nativos para com eles açoitar os outros.

Matavam idosos e crianças que não serviam para o trabalho e davam de comer aos cachorros. Para eles, índios não tinham alma, “silvícolas, não eram gente”, diziam.

O mito dos bandeirantes heróis foi trabalhado décadas a fio, nos meios de comunicação, nos livros didáticos, pela elite econômica de fazendeiros e cafeicultores, até o final do século 19.

Sendo depois incorporado à política, ganhou força na campanha da Revolução Constitucionalista de 1932, quando os paulistas pegaram em armas para derrubar o governo de Getúlio Vargas, e mais tarde na ditadura militar iniciada em 1964.

A “Operação Bandeirantes” – OBAN, formada por militares e policiais, que perseguiu, prendeu, torturou e matou quem lutava pela democracia no Brasil, nos anos 1970, entre outras pessoas a Presidenta Dilma, recebeu esse nome em homenagem aos bandeirantes facínoras.

Governos conservadores paulistas espalharam nomes de bandeirantes por todo o Estado de São Paulo. Rodovias, viadutos, praças, ruas, edifícios, monumentos, receberam nomes de genocidas.

Porém, esse ódio de classe, latente, não é uma exclusividade das elites econômicas conservadoras paulista e mineira. Está na classe proprietária e rentista, em setores da classe média, nos conflitos políticos de dominação em todo Brasil.

Plantado em corações e mentes pela mídia hegemônica, e fustigado por ela, o ódio de classe explodiu nas ruas das cidades brasileiras, em 2016, nas manifestações a favor do golpe de Estado, sob proteção das forças policiais, que mantém a ordem dos de cima e espancam os de baixo com extrema violência, quando defendem a democracia e protestam contra a subtração de direitos.

Enquanto na Praça dos Três Poderes, em Brasília, dois malandros aventureiros, Michel Temer e Aécio Neves, numa conspiração típica da política “Café com Leite”, com a ajuda do malandro carioca, Eduardo Cunha, na presidência da Câmara, e a conivência do Judiciário, tramavam a deposição da presidenta Dilma, legitimamente eleita, para, no lugar do governo dela, lançarem uma pinguela para o passado, idealizada nos mesmos moldes coloniais escravistas.

A pinguela, consolidada no golpe e nas tais reformas de Temer e Aécio, vendidas à opinião pública como “modernidade”, marteladas dia e noite pela mídia hegemônica, não passa de uma tentativa de alcançar a República Velha e reconstruir as bases do poder oligárquico, deterioradas nas três últimas décadas de democratização política do país.

A tentativa de estabelecer no país um Estado policial, sem garantias legais, ampliou os conflitos no campo e em regiões urbanas, em muitos casos motivados por perdas de direitos decorrentes do golpe de Estado.

O golpe, sustentado por corruptos no Congresso Nacional, no Executivo, e setores do Judiciário, com apoio da mídia hegemônica, recrudesceu a violência contra os trabalhadores e as camadas mais pobres.

Recentemente policiais assassinaram nove trabalhadores rurais no Pará. Não satisfeitos, voltaram dias depois e mataram o líder da comunidade.

No Maranhão, fazendeiros bêbados, depois de um churrasco, entraram em suas camionetes, foram até a morada de uma família de indígenas da nação Gamela, e, com respaldo da polícia, os atacaram brutalmente à bala e com facões, ferindo gravemente cinco nativos, um deles teve as mãos decepadas e outros dois golpeados nas pernas. Esse caso teve repercussão internacional, tendo em vista a torpeza dos assassinos.

A CPI do Senado, que investigou a violência contra jovens, concluiu, em relatório, que são assassinados 23.100 jovens negros a cada ano, no Brasil. Uma média de 63 jovens por dia. Um a cada 23 minutos. A grande maioria, mortos por policiais.

O sentimento de desprezo da elite econômica pela classe trabalhadora é típico da cultura de negócios que impera no país desde tempos coloniais. Para ela, governar é cuidar dos negócios de proprietários e rentistas. O povo que se dane.

A elite econômica não tem projeto para o país e não gosta de quem tem.

É predadora, egoísta e violenta. Os filhos dela não vivem mais no Brasil, estudam nos Estados Unidos e na Europa. Voltam a negócios ou para interferir na vida política do país.

É inimiga mortal da Constituição de 1988. Se pudesse, “rasgá-la-ia”, como diria o impostor Michel Temer com suas mesóclises.

Não admite sequer a cidadania do povo. Nunca aceitou o direito à educação pública, laica e gratuita em todos os níveis, à saúde pública, à previdência social, ao meio ambiente, do consumidor, ao trabalho, à habitação, ao acesso à justiça, à segurança pública cidadã, enfim, e muitos outros direitos individuais e coletivos inscritos na Constituição.

No período após a promulgação da Carta, em 1988, os dispositivos constitucionais regulamentados por leis complementares como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei Orgânica de Assistência à Saúde (LOAS), Lei de Defesa do Consumidor, e outras, organizaram o provimento das garantias e dos serviços pelo Estado.

Foram ampliados ministérios, criados novos órgãos, fundos de financiamento, realizados concursos públicos, para que esses direitos fossem efetivados e garantidos aos cidadãos e cidadãs brasileiros.

Mas com a eleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o governo tornou-se inimigo da Constituição e do Estado.

Declarou guerra ao que dizia serem “heranças da era Vargas”, ou seja, a infraestrutura estatal de desenvolvimento e o provimento de direitos sociais introduzidos na Constituição.

Tecnocratas que servem à elite empresarial e rentista passaram a atacar a Constituição e o Estado sem trégua, queriam o Estado mínimo e entregar a empresas privadas a prestação de serviços públicos para exploração econômica.

As velhas oligarquias foram alçadas ao cenário político, convertidas e reabilitadas para a anexação do Brasil ao projeto neoliberal, alinhavado no “Consenso de Washington” por agentes do sistema financeiro das nações centrais, comandados pelos Estados Unidos, país hegemônico na globalização neoliberal.

Porém, o manto de “modernidade” do governo Fernando Henrique durou pouco, se esfarrapou. O Brasil, que foi exposto a extrema vulnerabilidade econômica e financeira, por tecnocratas privatistas e inconsequentes, sofreu vários ataques especulativos da banca internacional causando prejuízos astronômicos para o país cujas consequências persistem até hoje.

O país quebrou três vezes: na crise do México, em 1994, na crise da Ásia, em 1997, na crise da Rússia, em 1998. E, em 2002, com a crise da Argentina, o Brasil viveu uma situação dramática, sacou os últimos recursos de um empréstimo, que teria direito, no Fundo Monetário Internacional, meses antes do ex-presidente Lula tomar posse.

Em 2002, o PIB cresceu apenas 2,7%, a inflação bateu em 12,6%, a taxa de juros em 26%, o desemprego, em 12,2%, as reservas cambiais, apenas U$ 37 bilhões, a Dívida Líquida do Setor Público subiu para 60% do PIB, e outros indicadores que demonstram uma tragédia nacional.

Todo o esforço feito por Fernando Henrique Cardoso para envolver-se num manto de “modernidade” não conseguiu encobrir as raízes da estrutura arcaica de poder político que o sustentava, muito menos o desastre provocado por tecnocratas aventureiros de mercado.

Com a eleição do ex-presidente Lula, o projeto de desenvolvimento sustentável com inclusão social, referendado nas urnas, foi estruturado e criadas as condições necessárias para efetivar, expandir o provimento de direitos garantidos na Constituição, o mercado de consumo interno com a disponibilidade de crédito, e fomentar a construção da infraestrutura a fim de alavancar o crescimento econômico, gerar empregos e renda.

Os pobres passaram a ser incorporados ao projeto de desenvolvimento econômico e social com direitos igualados aos dos demais cidadãos e cidadãs.

Ou seja, Lula e Dilma simplesmente fizeram valer o que está escrito na Constituição.

Mas isso foi o suficiente para que a elite econômica e financeira conservadora reagissem com estupidez e ódio de bandeirantes.

Na democracia os conservadores perdem sempre. Nos momentos históricos em que o Brasil adotou modelos de desenvolvimento e políticas de relações internacionais que levaram a autonomia, a mais independência, associados a políticas públicas com expansão de direitos e inclusão social, eles responderam com golpes de Estado.

Desta vez não foi diferente. O poder oligárquico se associou às grandes corporações das nações centrais para retomada e radicalização do projeto neoliberal de Fernando Henrique, ou seja, do projeto do Consenso de Washington, interrompido com a eleição do ex-presidente Lula.

Porém, o golpe de Estado está fazendo água e soa como estertor da elite econômica que não consegue se sustentar na democracia.

Ao experimentar os direitos sociais e as garantias constitucionais por quase três décadas, e efetivados nos governos Lula e Dilma, foi criada, de fato, consciência dos direitos. Apesar de negligenciadas na trama do golpe de Estado, 86% da população querem a realização de eleições diretas e não aceitam as reformas de Temer.

A auto-sustentação do governo Temer ou Maia baseada apenas na corrupção de parlamentares, parece não funcionar mais nos novos tempos e a elite econômica não tem mais o controle absoluto das eleições.

O Brasil pode ter o maior índice de abstenção nas eleições de 2018 tendo em vista o desalento que se abateu sobre o eleitorado que votou no candidato Aécio Neves, em 2014, apoiou o afastamento da presidenta Dilma e sofreu as consequências do golpe com a perda de direitos.

Ao mesmo tempo, o peso da responsabilidade de se colocar um voto na urna pode favorecer os candidatos que se posicionaram contra o golpe e a perda de direitos decorrentes das reformas de Temer.

O golpe de Estado e as reformas, que penalizam, particularmente os trabalhadores, além de desconstruir o projeto de desenvolvimento sustentável com inclusão social, solaparam a soberania do país, e estão enfrentando imensa rejeição da população.

Os sindicatos e os movimentos sociais estão promovendo forte denúncia dos retrocessos.

Temer e as forças políticas que o apoiam estão numa enrascada. Os altos índices de rejeição a ele devem ser transferidos para Maia, não só pelo desastre que foi o golpe, mas por causa da crise econômica que atingiu níveis insuportáveis , com desemprego estrutural, agravamento das condições de vida, principalmente da população mais pobre, fatores que poderão levar a elite econômica à derrota nas próximas eleições.

E mais, os parlamentares que votaram nas reformas trabalhista e da previdência, na lei da terceirização e no congelamento dos investimentos públicos por 20 anos, entre outras medidas absurdas de Temer, e contra a abertura de processo contra ele, poderão não se reeleger em 2018, tamanho o índice de rejeição ao governo.

Os grupos tentam trocar Temer por Maia, de forma cirúrgica, em pleno voo político cego, apostando tudo no vácuo político e no tempo exíguo que dispõem para fabricação de um candidato que possa competir nas eleições de 2018. Mas enfrentam muita dificuldade.

Não conseguem reverter o quadro de deterioração moral e política provocada pelo golpe de Estado.

A condenação do ex-Presidente Lula, sem provas, pelo juiz Sérgio Moro, é uma das últimas pinceladas da obra de tecnocratas do judiciário e do Ministério Público, no quadro da Lava-Jato, dadas com o mesmo ranço de ódio de classe, tal qual dos bandeirantes, fertilizado na República Velha, como parte do golpe de Estado tramado pelas velhas oligarquias em parceria com corporações multinacionais.

O enredo é os personagens são os mesmos.

Mas, apesar da perseguição cruel, dos ataques, sem tréguas, da tentativa sinistra de impedir Lula de disputar as eleições, em 2018, ele se mantém no topo dos índices das pesquisas de opinião e o Partido dos Trabalhadores bate recordes de filiações partidárias.

O ex-presidente Lula retoma posição política com muita força em jornadas de mobilização popular arrastando multidões pelas ruas das principais cidades, numa demonstração de que o Brasil que experimentou a democracia e os direitos de fato quer voltar e não admite mais o atraso, retrocessos, golpes de Estado impostos pela elite econômica atrasada, associadas a corporações transnacionais.

A história da República parece um disco de vinil furado.

Laurez Cerqueira

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