sábado, 7 de outubro de 2017

Quando o atalho é o pior caminho para se superar o golpe de 2016


Quando o atalho é o pior caminho

por Daniel Valença, especial para o Viomundo

Amplos setores progressistas se indignaram com a nota do PT que, apesar das críticas incisivas a Aécio, atacava a decisão do STF de afastá-lo de suas funções no Senado.

Em geral, três foram as linhas de raciocínio, dos que criticaram a posição da direção petista:
a) Aécio é líder da direita e “bandido”, então qualquer decisão é legítima;

b) A nota termina por dar munição à grande mídia e à ideia-força de que “são todos iguais”, então “queima” o partido perante a “opinião pública”;

c) O afastamento de Aécio ajudaria a alterar a correlação de forças no país.

Pelas três alternativas, portanto, é secundário se a decisão do STF é constitucional ou não, se está ou não em conformidade com o artigo 53 da Constituição de 1988.

Se não bastasse, tais pessoas, que antes não criticavam o republicanismo que contribuiu para o golpe de Estado de 2016, misturam alhos e bugalhos e crêem que foi, uma vez mais, “republicanismo em momento de quebra da ordem democrática, que exige pulso firme”.

Defender a legalidade, neste caso, não é “republicanismo”.

Republicanismo é permitir que PF e MPF ajam de maneira política e ilegal, devido ao “princípio da autonomia”, como se interesses de classe não representassem.

Republicanismo é crer que um golpe de Estado não ocorreria, tendo em vista a inexistência de crime de responsabilidade, e, a partir daí, tomar decisões aptas a perder a única força capaz de deter um golpe de Estado empresarial – a base social composta pela classe trabalhadora.

Mas, no momento em que setores do sistema de justiça se politizam e atuam abertamente fora da lei, no momento em que altos postos das forças armadas dizem que “ou se acaba com os corruptos ou interviremos para limpar o país”, apoiar o STF, que se omitiu e contribuiu para o golpe, em uma decisão flagrantemente inconstitucional, é fortalecer o “princípio” de que, frente à corrupção, todas as armas são válidas, inclusive a ilegalidade pela via institucional.

Começa-se pelo Aécio — “O primeiro a ser comido” –, mas o objetivo final é o Lula, são os sindicatos, são os movimentos sociais, são o PT e demais partidos de esquerda, é a esquerda, é o povo.

Desde que a esquerda existe, desde que marxistas, anarquistas, blanquistas, ousaram lutar contra a exploração, desde que, em 1848, pela primeira vez na história, a classe trabalhadora começou a edificar seu próprio projeto de sociabilidade, a perda da legalidade nunca foi boa notícia para quem vive do seu trabalho.

Não que ela por si resolva os problemas aos quais marxistas e demais correntes de esquerda se debruçam; mas, sem ela, os que lutam pela emancipação da humanidade sempre se encontraram em situação ainda mais árdua.

Não há caminho fácil para a resolução da crise de Estado brasileiro. Há um ano, houve quem acreditou que acordos conservadores para presidências da Câmara e do Senado fossem uma solução; de lá para cá, vimos todo tipo de aberração, capaz apenas de trazer mais ilusão, decepção e confusão à base social progressista.

Porém, uma vez mais, a única saída possível é organizar as classes trabalhadoras e criar um sentimento nacional-popular — nos dizeres de Gramsci — capaz de impor uma nova hegemonia e fazer refluir as burguesias que articularam o golpe de 2016 e seus “tentáculos” que o implementaram, inclusive os setores politizados do sistema de justiça.

O golpe de Estado de 2016 se trata da maior restauração conservadora desde 1964, e não serão atalhos os caminhos aptos a superá-lo.
Daniel Araujo Valença, professor de Direito da Ufersa e coordenador do Gedic – Grupo de Estudos em Direito Crítico, Marxismo e América Latina

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