SENTADO NUMA CARTEIRA escolar em Goiás, em dezembro de 2006, Paulinelly Carneiro recebeu um papel da fiscal da primeira etapa do exame da OAB. Era o gabarito da prova. Carneiro passou graças à cola, mas foi eliminado na segunda etapa, um teste discursivo feito em abril de 2007 – ele tirou zero. A tentativa mal-sucedida de virar advogado foi descoberta pela Polícia Federal e fez o candidato ser condenado em primeira instância a três anos de prisão pela compra das respostas. Onze anos depois, respondendo ao processo em liberdade, Carneiro tem uma carreira promissora. Não nos tribunais, mas na política. Está no segundo mandato de vereador, em Rialma (GO), e quer tentar um terceiro.
“Fui eleito no primeiro mandato e, mesmo com essa denúncia aí, estou no segundo”, afirmou ele. “Se for para entrar no terceiro mandato, bem. Se não for, não dependo de política para viver”, afirma o vereador, que diz ainda que irá tentar novamente este ano ser aprovado na OAB.
Carneiro conquistou as vagas na Câmara da cidade do interior goiano impulsionado por dois slogans emblemáticos – “Certeza de mudança” (2012) e “É possível mudar a história” (2016 ). Mas isso não apagou o passado, e agora ele precisa mais uma vez lembrar daquele papel, repassado como se fosse um bilhete: o Ministério Público está pedindo a confirmação da condenação dele e de outro réu em uma das 18 ações penais da Operação Passando a Limpo, deflagrada em 2007 pela Polícia Federal.
Até R$ 15 mil por gabarito
Além de grampos telefônicos, a PF apreendeu com os aliciadores – os vendedores dos gabaritos – listas com os nomes dos candidatos, as salas em que fariam as provas, alguns valores e as anotações “PG”, que o Ministério Público considerou abreviatura de “pago”. Segundo os investigadores, uma grande quadrilha fraudou o teste da OAB de 2006 cobrando até R$ 15 mil por cada gabarito.
Em uma das sentenças do caso, o juiz Eduardo Ribeiro destaca anotação da Procuradoria sobre o “despreparo técnico” de Carneiro e outros seis réus. “Mesmo participando das fraudes, com revelação antecipada das questões da prova prática, ou, ainda com a substituição da prova por outras contrafeitas pelos candidatos, não alcançaram a nota necessária para a aprovação”, descreveu o magistrado da 5a Vara Federal de Goiânia.
Carneiro foi condenado em primeira instância por corrupção ativa a três anos de prisão em 2016– ficou isento de pagar as custas do processo por conseguir o benefício da Justiça gratuita.
Trecho de documento do Ministério Público Federal mostra o nome de Paulinelly Carneiro em anotações de fraudadores. Reprodução
Alguns desses documentos mostram o nome de Carneiro. Em juízo, ele admitiu que uma pessoa lhe propôs a aprovação no exame da Ordem e, em seguida, telefonou para uma acusada de ser aliciadora. Isso chamou a atenção do Ministério Público, ao pedir a condenação dele e dos demais réus.
“Surpresa” com o gabarito
No pedido de condenação em segunda instância, o procurador regional da República Vladimir Aras destacou uma alegada “surpresa” do réu com o recebimento do gabarito.
“Carneiro admitiu que realmente recebeu proposta de aprovação pelo réu Marcelo, que lhe passou o telefone de Rosa (também ré). Além disso, confessou que recebeu um papel da fiscal de sala com o gabarito, mas que teria ficado ‘surpreso’ com isso”, argumentou o procurador no Tribunal Regional Federal.
Carneiro diz que confia na Justiça e que a situação vai se reverter: “Eu vou mostrar que houve erros no processo.”
“Aqui no interior a gente trabalha demais, eu faço política todo dia, é mais difícil você estudar.”
Ele não teme efeitos da Lei da Ficha Limpa, que proíbe políticos de se candidatarem quando condenados por crimes graves por mais de um juiz porque afirma que sua pena não o obriga a ficar em regime fechado de prisão. A Ficha Limpa, no entanto, pode barrar candidaturas mesmo que o condenado cumpra pena em regime aberto.
O vereador afirma que depois da Operação da PF, em 2007, tentou de novo ser aprovado no exame da OAB ao menos uma vez, mas não conseguiu. Passadas as eleições de 2018, ele afirma que vai fazer um novo teste no ano que vem.
“Aqui no interior a gente trabalha demais, eu faço política todo dia, é mais difícil você estudar. Depois que passar as eleições, vou fazer o exame da Ordem.”
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