28.03.2017
Líbia: a seis anos da destruição de um Estado
Foi a 19 de Março de 2011 que forças militares francesas, britânicas e norte-americanas, à frente de uma ampla coligação internacional, iniciaram uma intervenção militar na Líbia. Poucos dias depois, a NATO passou a assumir o comando das operações, que se prolongaram até 31 de Outubro desse ano, consumado que estava o assassinato do chefe de Estado, Muammar Khadafi.
Aspecto da destruição em Bengazi, LíbiaCréditos/ Sputniknews
A intervenção, para a qual foram invocados motivos de ordem humanitária - a defesa dos civis cujos protestos pacíficos estavam alegadamente a ser reprimidos na cidade de Benghazi pelo regime de Khadafi -, provocou a morte a dezenas de milhares de civis e mergulhou o país numa situação de caos, violência e guerra, que se arrasta até hoje.
A destruição do Estado
Como sublinha Carlos Lopes Pereira num artigo publicado no final de Setembro do ano passado, «a destruição da Líbia em 2011, pelos EUA, Grã-Bretanha, França e outros aliados, não foi apenas militar, ela atingiu fortemente a economia, a organização social e o próprio Estado», «construído por Khadafi, desde que chegou ao poder, em 1969, quando derrubou a reaccionária monarquia pró-ocidental do rei Idris e fundou a República».
Lopes Pereira cita Achille Lollo, jornalista italiano radicado no Brasil e correspondente do Correio da Cidadania, para aprofundar a questão da destruição do Estado: «A destruição da Jamahiriya (palavra que pode ser traduzida como Estado Popular) líbia provocou o fim dos entendimentos e das relações que durante anos haviam permitido o funcionamento centralizado de um Estado, com quase 35 tribos, étnica e culturalmente diferentes, e quase um milhar de clãs familiares.»
Com a queda do regime, deixou de existir unidade nacional, agravando-se divisões étnicas «muitas vezes fomentadas e instigadas», e surgiram centenas de milícias armadas. Para Lollo, a agressão e as ingerências estrangeiras que se lhe seguiram potenciaram estas divisões, que se transformaram, «rapidamente, numa guerra civil em função da necessidade de controlar as refinarias de petróleo, os terminais marítimos de carga, os oleodutos, os gasodutos ou os campos de extracção e depois negociar com as multinacionais».
As milícias multiplicaram-se em função dos ditames das multinacionais europeias e norte-americanas, que, afirma o jornalista ítalo-brasileiro, «começaram a prometer a compra de hidrocarbonetos somente a quem conseguia garantir o recomeço da produção e, portanto, das exportações». A guerra civil agudizou-se, transformando a Líbia num «não-Estado».
Os motivos eram outros
Jorge Cadima, num artigo publicado no Verão de 2011, e o Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC), em comunicados que assinalamo primeiro e o terceiro anos da ofensiva ao país norte-africano, denunciam o papel que a comunicação social dominante teve na guerra de agressão à Líbia: «uma enorme campanha mediática de mentiras preparou a guerra», lembra Cadima; «guerra (...) [foi] preparada e acompanhada de uma intensa e violenta operação de manipulação mediática sem paralelo», destaca o CPPC.
Essa manipulação, levada a cabo por meios de comunicação social sob controlo do «partido da guerra» e do imperialismo, teve um papel crucial na criação de uma «barragem de mentiras», martelando a versão oficial das potências agressoras de que «um levantamento popular pacífico» fora bombardeado pelas forças do Estado líbio.
Evitando essa «barragem», ambos os textos, tal como o de Carlos Lopes Pereira, acima referido, deixam claro que se tratou de uma guerra de agressão, cujos objectivos passaram pelo derrube do regime de Khadafi, a destruição do Estado líbio e o saque às imensas riquezas e recursos do país: as dezenas de milhares de milhões de dólares do seu fundo soberano, as enormes reservas de petróleo, de gás e recursos aquíferos, entre outras.
De acordo com os dados divulgados pelas Nações Unidas em 2010, a Líbia era o país com maior Índice de Desenvolvimento Humano no continente africano e, pese embora as contemporizações de Khadafi face às potências imperialistas, afirmava-se como um Estado soberano, laico e independente, desenvolvendo uma política pan-africana e relações externas que eram diversas dos interesses do imperialismo, como salienta Lopes Pereira.
Situação caótica: Obama critica fiéis aliados
Numa entrevista à revista The Atlantic (edição de Abril de 2016), o presidente norte-americano assumia que a situação na Líbia é «caótica», uma «confusão», «a shit show». E acusou os líderes da França e do Reino Unido, seus fiéis aliados, de serem responsáveis por este desenlace.
A acusação do chefe de Estado da maior potência imperialista não tem a ver com arrependimento, mas sim com a falta de empenho do então presidente da França, Nicolas Sarkozy, e do ex-primeiro-ministro britânico, David Cameron, na sequência do derrube de Muammar Khadafi.
«Quando me questiono sobre o que correu mal, há espaço para a crítica, porque acreditava que os europeus, dada a sua proximidade da Líbia, se empenhassem mais no que viria a seguir», disse Obama à The Atlantic, antes de acusar Cameron de andar «distraído com outras coisas» e Sarkozy de querer «exibir os seus êxitos na campanha aérea». Na perspectiva das potências imperialistas, o pós-intervenção militar resultou num tremendo fracasso porque não foi acautelado, e a situação é assumida como caótica.
Relatório britânico sobre intervenção na Líbia
A Comissão dos Negócios Estrangeiros do Parlamento britânico divulgou, no dia 14 de Setembro, um relatório sobre a intervenção na Líbia levada a cabo pela NATO em 2011, no qual o primeiro-ministro britânico da altura, David Cameron, é acusado de ter cometido graves erros, que «levaram a que o país se tornasse um Estado falhado e à beira da guerra civil disseminada».
Mais de cinco anos volvidos sobre a guerra de agressão à Líbia, uma comissão parlamentar britânica admitiu que «a intervenção foi mal concebida» e que se baseou em «premissas erradas». O resultado da intervenção francesa, norte-americana e britânica foi «o colapso político e económico, a guerra entre milícias e entre tribos, crises humanitárias e de migrantes, violações generalizadas dos direitos humanos, a disseminação do armamento do regime de Khadafi pela região e o crescimento do Estado Islâmico no Norte de África», lê-se no documento.
O relatório não coloca em causa o direito de ingerência e agressão - prerrogativa frequentemente usada pela NATO e as potências ocidentais -, mas assume que, na agressão à Líbia, foram cometidos «erros» e que David Cameron é responsável por eles. De acordo com o jornal The Guardian, o ex-primeiro-ministro britânico «culpou o povo líbio por não ter aproveitado a sua oportunidade de democracia».
O mesmo periódico cita as palavras do presidente da comissão, Crispin Blunt, que se refere ao debate existente em torno da necessidade da intervenção militar e dos postulados em que foi executada. Se a ideia era proteger os civis em Benghazi - tendo por base a mentira propalada -, esse objectivo foi atingido em 24 horas. «Depois o assunto deslizou para a mudança de regime e nós não aferimos devidamente aquilo que se iria passar no caso de ocorrer uma mudança de regime, não conhecíamos devidamente a Líbia e não tínhamos um plano devido para as consequências», disse Blunt.
No relatório, lê-se ainda que o governo de Cameron «não foi capaz de avaliar a ameaça real que o regime de Khadafi representava para os civis; tomou à letra, de forma selectiva, alguns elementos da retórica» do chefe de Estado líbio; e «falhou a identificação das facções islamitas radicais na rebelião. A estratégia britânica baseou-se em pressupostos erróneos».
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