Por Kiko Nogueira
O professor Cristophe Ventura, professor do Instituto Católico de Paris (Foto Willy Delvalle)
Uma democracia enfraquecida, alvo de uma direita fora da lei, disposta a tudo. Esse é o Brasil de hoje na visão de Christophe Ventura, francês, pesquisador do IRIS (Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas) e professor no Instituto Católico de Paris. Para ele, um dos maiores especialistas na França sobre América Latina, a intervenção militar no Rio só vem aprofundar esse quadro.
As consequências, aponta, são conhecidas: a militarização do combate às drogas só gerou mais violência em países como o México e a Colômbia, que, assim como o Brasil, terão eleições este ano. Christophe, que às vezes fala em “nós” ao se referir ao Brasil e à América Latina, afirma que há uma esperança.
Ele conta qual nesta entrevista para o Diário do Centro do Mundo, que acontece em sua sala, na sede do Mémoire de Luttes (http://www.medelu.org/), site para o qual escreve, especializado em artigos e notícias do continente latino-americano. Nas paredes, pôsteres e imagens da Revolução Cubana indicam uma inspiração.
O que acha da intervenção?
Essa decisão do presidente Temer, avalizada pelo Congresso Nacional, é preocupante. Ela conduz o Brasil a um imaginário traumático, à Ditadura Militar. Desde essa época, não víamos um militar ser investido de um poder tão importante. É um poder de polícia, mas é também um poder político. Ele tem amplas prerrogativas: avaliar a situação e decidir o que necessita de intervenção militar sem o controle político. Há uma autonomia do seu poder, que foge ao habitual, mesmo em democracias que não conheceram a ditadura. Então é compreensível o choque que isso pode produzir para a população.
O problema é que a militarização dos problemas de segurança pública, do narcotráfico, é sempre um fracasso. A resposta militar só aumenta o problema. Desse ponto de vista, a escolha feita por Michel Temer é bastante questionável. A conclusão da Human Rights Watch faz sentido: a polícia é uma atividade específica, o mesmo vale para a segurança pública, que não é a mesmo trabalho do exército. É uma regra fundamental. Desse ponto de vista, há uma mistura de pessoas que nos faz perguntar: qual é o objetivo de Michel Temer? É uma maneira de enviar uma mensagem à sociedade brasileira de um reforço da direita, da burguesia, com a confirmação de um poder que fará uma gestão cada vez mais autoritária da sociedade? É essa mensagem que ele quer passar, num momento em que a sociedade brasileira deverá atravessar muita turbulência política, em torno do que acontecerá com o caso Lula, da criminalização dos movimentos sociais, os movimentos de contestação popular.
Com o que está feito no Rio, podemos considerar que o dirigente militar terá a possibilidade de decidir se uma ação de contestação social é uma ação subversiva contra a ordem. E então ele poderá decidir se deverá ser reprimida ou não, o que é absolutamente inaceitável do ponto de vista democrático.
O presidente Michel Temer disse que o objetivo dessa intervenção é restabelecer a “ordem pública”. Segundo ele, os cidadãos vão sentir um sistema de segurança mais “robusto”. Por outro lado, não está clara a maneira como essa intervenção acontecerá, nem o que diz a Constituição e o risco de judicialização é alto. Qual a sua posição?
O problema geralmente é definir “ordem pública”. Ela pode se voltar contra ações civis, atos de contestação social, desobediência civil, o que pode se tornar condenável do ponto de vista militar. Isso é um problema. O trabalho dos militares não é esse. O trabalho dos militares é defender a soberania nacional, se ameaçada por conflitos externos ou internos, fazer a guerra. Colocar a segurança dos cidadãos nas mãos de quem tem como trabalho fazer a guerra faz com que nos questionemos sobre a pertinência dos argumentos de Michel Temer.
Sobre a judicialização, o risco é criminalizar os adversários políticos, pela via judicial e também de reprimir toda forma de contestação social e política. Isso confirma o governo não eleito de Michel Temer como um regime autoritário-capitalista, que impõe um ajuste econômico e social, em prol das exigências do mercado financeiro. Impopular e ilegítimo, passa o controle de uma cidade, de um território, a um militar, com um poder político acima das instituições políticas, acostumando a sociedade à ideia de que se pode geri-la de maneira autoritária e repressora. É um péssimo sinal.
Segundo a Constituição, nenhuma mudança constitucional pode ser feita durante a intervenção. O presidente, no entanto, anunciou que pretende interrompê-la temporariamente para fazer com que a Reforma da Previdência seja aprovada. A esquerda o acusa de oportunismo, tendo em vista que haverá eleições este ano. O interesse dele é estritamente eleitoral ou há algo mais amplo?
Eu acredito que ele é mais amplo. E que o momento eleitoral é uma etapa do que está sendo colocado em prática no Brasil. Temer é o homem de um programa. É o homem escolhido para destruir todo o compromisso entre as classes populares, o mundo do trabalho, das finanças e da indústria brasileira, representado por Lula. Havia um pacto em que uma burguesia brasileira podia fazer muitos negócios mas deixava acontecer uma maior redistribuição social aos setores desfavorecidos da sociedade. Temer é o homem da Ponte para o Futuro, cuja missão é obrigar a sociedade brasileira a se ajustar às exigências do mercado financeiro e do livre-comércio.
Hoje, para implementar esse projeto, ele precisa construir um poder forte, autoritário. Precisa mostrar que ele coloca em prática essas exigências. A Reforma da Previdência faz parte disso. É uma prioridade, uma exigência do mercado financeiro, custe o que custar. A missão de Temer é preparar a fase seguinte para que um governo assuma o poder no piloto automático, faça a gestão do ajuste com as ferramentas que Temer implantou. Por isso ele tem pressa. O tempo está acabando. A situação é ruim. Ele sabe que sua impopularidade e ilegitimidade pesam sobre a credibilidade do país em relação aos investidores internacionais. Ele tem pressa para que essas medidas entrem em vigor até as eleições. Se elas acontecerem…
Você acredita que elas podem não acontecer?
Não acredito que hoje seja o cenário mais provável. Mas no Brasil de hoje, tudo pode acontecer. A situação é tão frágil, incerta, que tudo é possível. Não conheço suficientemente a Constituição brasileira, mas talvez haja a possibilidade de mudá-la de data. Qual será a situação do Brasil em dois meses? Eu não sei. O que acontecerá com Lula? Será preso? Não será preso? Não vai acontecer nada? Haverá forte reação de setores da sociedade? Dos sindicatos? De movimentos populares? Não se sabe. Se houver essas mobilizações, serão fortemente reprimidas? Essa repressão justificará ainda mais restrições à democracia brasileira? São questões em aberto.
Em geral, quando se entra em dinâmicas assim, nunca se sabe para onde se vai. Os agentes também não. Aqueles que acionam esse tipo de dinâmica não a controlam depois. Se o governo Temer tomar esse tipo de medida no mês que vem, de restrição à vida democrática, não sabemos o que pode acontecer depois. Nem ele sabe o que pode acontecer. Nós podemos imaginar um cenário em que o governo explique que não há condições para haver uma eleição, uma campanha eleitoral tranquila, porque há agitadores no país, porque há muita tensão. Tudo isso é possível.
Esse tipo de intervenção militar é previsto pela Constituição de 1988, mas nunca havia sido utilizado. Podemos confiar que abusos não serão cometidos?
Não. Não há nenhuma experiência histórica na qual a militarização da segurança pública impeça abusos. Sempre há abusos. A partir do momento em que são os militares quem dirigem, não há mais Direito, não há indivíduos, há uma outra lógica, os militares podem prender as pessoas. Há tortura. É sempre assim e não será diferente no Brasil. Analisando o caso da luta contra o narcotráfico, o fracasso é enorme. São 100 mil ou 150 mil mortos no México, que estão ligados à militarização da luta contra o narcotráfico.
Essa dinâmica cria uma escalada permanente de violência. As gangues, os traficantes, os cartéis, quando atingidos pela ação militar, eles se reorganizam e vão para cada vez mais longe. Isso só estendeu a fronteira do narcotráfico na América Latina. O território atingido pelo narcotráfico só aumentou. Com a militarização, não houve pacificação. Isso nunca existiu. Houve mutação e aumento da violência.
No Rio de Janeiro, onde as favelas são dominadas pelas facções criminosas, o futuro será o mesmo?
Sem dúvida alguma.
Há algum paralelo com o Estado de Urgência contra o terrorismo na França, o qual é condenado pela Anistia Internacional?
Possivelmente sim. Posso estar dizendo uma besteira, mas o militar tem o poder de decretar a urgência. Se o Exército considera que é necessário acionar o Estado de Urgência, ele tem os meios para isso. O dispositivo foi legitimado pelo Congresso. Agora, todo o poder na gestão da segurança é do exército. O que quer dizer Estado de Urgência? A suspensão dos direitos democráticos, via força militar ou de polícia. São situações muito preocupantes.
Mesmo que tenham se tornado lei?
Claro. É ainda pior porque dá-se a aparência de legalidade. Fazem acreditar que há legitimidade. É aí que está o engano. Você pode tornar algo legal, mas esse algo é legítimo? Legalidade não é legitimidade. Ao tornar legal o Estado de Urgência, o poder excepcional concedido aos generais, querem passar uma ideia de legitimidade. Mas não é legítimo. É legítimo que os cariocas sejam hoje desprovidos de seus direitos democráticos por uma simples decisão militar? É legítimo? A questão está posta a todos os brasileiros hoje.
A intervenção militar faz parte de um projeto comum da direita?
(Suspiro) Sim. Hoje é muito claro que a direita no Brasil tem uma agenda. Essa agenda prevê a impossibilidade do retorno da esquerda ao poder. E a direita está disposta a usar todos os meios necessários, dentre eles os repressivos ou militares, para impor seu projeto à sociedade brasileira. Ela está claramente unida, a votação mostra isso. A expressão de um conflito de classe no Brasil entre a oligarquia e uma parte da população antecipa uma ideia de que será necessário gerir o país numa crise permanente. A direita está pronta para governar não para resolver a crise, mas para impor as razões da crise, para proteger a aparelhagem do Estado custe o custar.
Depois da nova convocação do Exército, Dilma Rousseff disse que estamos vivendo um aprofundamento do estado de exceção. Estamos?
Sim. Cada vez mais. O caso do Rio é uma nova materialização disso. É um passo a mais rumo a um Estado de Exceção permanente. É essa a sutileza dessa situação. Há exceções que são temporárias, que suspendem os direitos quotidianos, em situações excepcionais, que saem da Democracia. A exceção não é temporária. Ela é permanente, porque, em parte, como aconteceu na França, legalizou-se a ideia de que a suspensão da lei democrática é uma possibilidade adquirida. O Brasil vai entrar num Estado de Exceção permanente.
Ele vai entrar ou ele já está?
Ele está entrando. Aqui, as pessoas não conseguem entender o que está acontecendo no Brasil, lhes parece inconcebível. (No Brasil) há um governo que não foi eleito, cujo poder emana do Parlamento e não do sufrágio universal, um governo que mostra sinais de repressão por toda parte, que reabilita mais uma vez o poder militar na vida civil. Essa é a característica de governos autoritários.
Esse Estado de Exceção não começou com a deposição da presidente Dilma?
Sim, de certa maneira. Podemos datar aí o início desse processo. A novidade é em relação aos métodos utilizados nas ditaduras da América Latina nos anos 60. Agora, não é um golpe brutal e integral. Ele funciona em pequenas doses, agressões sobre aspectos. Enfraquecem a democracia através de um certo número de ofensivas; atacam alguns lugares e quando ganham, dão um passo maior. Por isso, não podemos dizer que o Brasil caiu de uma vez em outra coisa. É progressivo. E por etapas. Há o judiciário, a política, a democracia, a segurança, há uma espécie de rizoma, de uma rede, de diferentes setores que se comunicam e que constituem pouco a pouco a saída da democracia. Desse ponto de vista, o Brasil é um laboratório. É nele que essas experiências estão sendo feitas.
Talvez para serem aplicadas em outros países?
Claro. Penso que é a lógica. O que está na raiz de tudo isso? Uma crise estrutural, que não tem solução. Grosso modo, é a crise do sistema capitalista. Eu chamo de crise sistêmica, porque ela é econômica, social, democrática, geopolítica, ecológica. É tudo isso ao mesmo tempo. É inédita na nossa história. O sistema não tem solução, uma alternativa para superar essa crise. O que há é um liberalismo da seguranca. Ou seja, vamos continuar com o liberalismo, mas restringindo a democracia ao mercado. Essa é uma forte tendência, com exemplos por todo o mundo. É assim no Brasil. Há os “homens fortes”, com seu poder autoritário, como Viktor Orban na Hungria, Erdogan na Turquia, Putin na Rússia, que são outras formas desse autoritarismo capitalista.
A condenação do principal líder de esquerda, Lula, tem um significado especial nesse quadro?
Claro. Ela é muito questionável. Independentemente do que podemos pensar de Lula, do Partido dos Trabalhadores e do que eles são acusados, há um problema: uma justiça disfuncional. Os princípios que constituem a justiça são traídos no processo contra Lula. Em geral, em todo sistema judiciário, há o benefício da dúvida. Nesse caso, a dúvida posta pelo juiz vira a prova. É uma concepção de justiça muito problemática. Porque, desta vez, pode-se condenar sem provas, tendo a opinião do juiz como prova. É isso que nos mostra o caso de Lula, que a justiça brasileira funciona assim hoje. É uma justiça alterada, que não funciona. É muito grave, pois é uma justiça que pode decidir ser o Poder, ela pode desqualificar, perseguir, pode se enganar, pode condenar pessoas sem provas, como é o caso de Lula, pois não há provas do que lhe acusam. É um elemento fundamental da justiça, condenar se há provas de sua culpabilidade.
Nesse caso, condena-se alguém à prisão sem provas materiais, sem fatos estabelecidos e no qual a dúvida se torna a acusação. A Justiça brasileira está a serviço de um projeto, que funciona perfeitamente com dois pesos e duas medidas. Ela elimina Lula e tudo que ele representa, elimina todas as condições materiais de a centro-esquerda chegar ao poder. Além disso, querem eliminar toda as possibilidades que a esquerda se reconstrua no Brasil. Assim, essa justiça elimina a possibilidade de uma escolha plural nas eleições presidenciais. É outro ataque à democracia. Essa justiça faz parte da ascensão de um regime autoritário no Brasil. Não há nenhuma dúvida.
Na sua visão, qual é o papel dos militares na sociedade brasileira?
O papel dos militares na sociedade brasileira é serem dotados de um poder político que não deveriam ter. O papel do Exército é ser a coluna vertebral de segurança de um regime cada vez menos democrático.
Políticos como Marcelo Freixo denunciam a violência no Rio como resultado da políticas de austeridade do presidente Michel Temer. É essa origem de tamanha violência?
Não. O que as medidas de austeridade de Temer fazem é agravar os problemas sociais. O problema da violência e das drogas no Rio existiam antes de Temer. O problema é que quando são implementadas políticas públicas que destroem o acesso aos direitos fundamentais das pessoas, como o acesso à educação, a um melhor cotidiano, num sentido mais amplo, estimula-se a criminalidade, estimulam-se todas as formas de economia paralela, para sobreviver. É aí que está a responsabilidade do governo Temer. Não se soluciona o problema das drogas com os militares nas ruas. Isso não funciona e nunca funcionará.
O problema do tráfico deve ser combatido com políticas sociais estruturais, de longo prazo; com debates inteligentes e necessários sobre a descriminalização e legalização de determinadas drogas; impedindo a multiplicação do mercado negro, que é onde começa a criminalidade; reduzindo a demanda. Todo o problema existe porque há um mercado de consumo, em particular os Estados Unidos. Também se combate o problema com uma política de segurança pública na qual funcione uma articulação entre a polícia e a justiça. Não é destruindo direitos, pela via da austeridade, ou suspendendo direitos, via militarização, enviando pessoas para eliminar fisicamente criminosos. Pode-se até cortar cabeças de serpentes, mas outras serpentes nascerão em outros lugares. É um ciclo sem fim. Essa operação destrói a democracia e essa não se reconstrói.
O Brasil é uma democracia?
Sim, o Brasil ainda é uma democracia… Ele ainda está no campo democrático de maneira geral porque não há no Brasil uma proibição de oposição política. Não há um regime de partido único. Mas a democracia está alterada, enfraquecida, se reduz a cada dia. Até onde? Eis a questão. E em que momento essa redução nos faz mudar de natureza, de regime, é algo a ser avaliado. Está-se num país que desenvolve formas de autoritarismo. Mas não numa ditadura.
Outros países da América Latina continuam vivendo contextos também violentos como a Venezuela, a Colômbia e o México. Qual o futuro para esses países, visto que terão eleições presidenciais este ano?
A situação é complexa na América Latina. O quadro mais problemático é na Venezuela, um país que vive numa polarização, uma radicalização permanente, para a qual não vemos hoje uma solução. A relação entre governo e oposição é muito violenta. Não há mecanismo de regulação pacífica. Há uma eleição presidencial que está sendo preparada sem a oposição, que decidiu não participar, respondendo às exigências de Washington e do Grupo de Lima. Ele é composto por países que são contra Caracas, contra o governo de Maduro, como Argentina, Peru e México. O Brasil faz parte, mas Michel Temer não tem muito peso. O grande problema num futuro próximo para a América Latina é o da Venezuela, que pode atingir proporções dramáticas.
Não podemos excluir uma deterioração, desestabilização política e militar. Chegamos a esse nível lá. O México é a grande questão. Não sabemos o que vai acontecer no México. Se López Obrador for eleito, se ele não for morto, nem sabotado, haverá algo sísmico. Será algo que terá uma repercussão em toda a região. Porque teríamos um governo de centro-esquerda, que, de algum modo, poderá relançar a esquerda na América Latina, que será, digamos, contra Washington no plano geopolítico. E que procurará se aliar aos progressistas latino-americanos. A grande eleição será a do México, nos próximos meses.
Esse país pode surpreender, se tornar um ator maior na geopolítica regional. E uma outra eleição que vai ser relevante é a da Colômbia, em maio. Em relação à questão venezuelana, se vencer um governo de extrema-direita, que vai rever o acordo de paz com as FARC, que vai ser cada vez mais hostil à Venezuela, o país pode entrar numa lógica mais violenta. O cenário na América Latina é muito instável, incerto, imprevisível.
As oposições à esquerda, aos governos nacionais-populares, ou pós-neoliberais, que se desenvolveram na América Latina nos anos 2000, sempre tiveram uma geometria variável em relação à democracia e às eleições. Eles reconhecem as eleições quando ganham. E quando a esquerda ganha, dizem que ela manipulou o sistema. Essa foi uma estratégia constante na região. E o PSDB usou a mesma estratégia com Dilma Rousseff. Fingir que as eleições de 2014 foram fraudadas é uma grande brincadeira. Mas a direita latino-americano utiliza essa estratégia para deslegitimar a esquerda latino-americana.
Eleições serão capazes de mudar alguma coisa em relação às vítimas de violência de cartéis, guerrilhas, da polícia e do exército?
As eleições que não terão o representante maior da esquerda, Lula, não. Porque essa eleição não resolverá nenhum problema no Brasil. A eleição ocorrerá, mas a crise brasileira vai continuar. Do meu ponto de vista, não. Se ela não permitir a presença de Lula, se ela não permitir uma verdadeira chance de alternância no Brasil, ela não mudará nada.
Eu falo do Brasil, mas falo também dos outros países da região que tem um contexto de violência parecido. Os cidadãos têm reais maneiras de denunciar os abusos da polícia, de cartéis, do exército, dos quais são vítimas?
Eu não sei responder. Em relação aos militares, em geral, não há nenhum meio de denunciar, de contestar seus abusos. É complicado porque os processos são tratadas não tribunais civis, mas por tribunais militares. E o que você espera quando os juízes são juízes e parte ao mesmo tempo? Os processos terminam no lixo.
Nem as redes sociais?
Sim. No momento, elas são o espaço no qual tudo isso pode circular. Mas o problema das redes sociais são as fake news. A instrumentalização de tudo, nunca podemos saber… Todo mundo usa (redes sociais) na Venezuela. São uma arma massiva, usada pela oposição e pelo governo. Viram-se imagens na primavera de 2017 imagens terríveis de violência, gente morta. Ora a oposição mostra a polícia que batia nos estudantes, ora o chavismo mostra os policiais queimados, negros queimados pelos opositores. É uma tempestade. É um furacão.
Onde está a esperança para o Brasil e a América Latina?
A esperança… Por um lado, a direita que ganhou na América Latina passou pelas urnas, o que não é o caso do Brasil. Para ganhar no Brasil, ela precisou se valer de meios alheios às eleições. Na Argentina, ela ganhou via eleições. A população pode estar cansada da esquerda, querer mudar, mas a direita não vem com uma posição verdadeiramente hegemônica. Ela é obrigada a considerar que as sociedades latino-americanas são muito mais educadas, conscientes, têm um grande desejo de justiça social, são ligadas a tudo que ganharam nos últimos anos, elas têm uma capacidade de resistência.
Vejamos na Argentina, onde há grandes manifestações contra o governo Macri. A esperança está aí. Mesmo se houver períodos sombrios e duros para os movimentos populares, a esperança é que as populações se reorganizem sempre para resistir à opressão. Isso acontece ainda na América Latina, uma região muito viva do ponto de vista de seus movimentos sociais, do poder de seus movimentos, que pode nos surpreender, sob a condição de que eles não sejam destruídos por regimes autoritários e do Exército.
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