Em meio à tentativa do ministro da Educação do governo golpista de Michel Temer de censurar a disciplina optativa “O Golpe de 2016 e o futuro da Democracia no Brasil”, idealizada pelo professor Luis Felipe Miguel da Universidade de Brasília (UnB), não pode passar desapercebido artigo do senador Cristovam Buarque (PPS-DF), no Correio Braziliense do último dia 13, sobre o tema. Intitulado “Liberdade acadêmica plena”, o texto do ex-reitor da UnB é um retrato da permanente contradição que se tornou o senador.
Ao que parece, apesar de ter apoiado o golpe de 2016, Cristovam tenta, ainda, manter um verniz democrata. Em seu artigo, ao atacar a tentativa de censura do governo golpista à disciplina, o senador sinaliza para parte do seu eleitorado. Com trajetória política dentro das universidades, sendo inclusive professor emérito da Unb, Cristovam se posiciona pela defesa da liberdade acadêmica e de cátedra, um direito secular das nossas universidades.
Entretanto, refém do golpe que apoiou, Cristovam coloca em xeque a credibilidade do docente e da própria instituição, ao afirmar que “a disciplina será um bom teste para ver se o professor zela também pela liberdade acadêmica plena, aceitando a opinião de seus alunos”. Em quais indícios ou fatos o senador se baseou para levantar suspeita sobre a disposição do professor e da universidade em aceitar a pluralidade de pensamentos e o contraditório durante o curso?
Tal questionamento ocorre sem qualquer propósito e inverte a lógica da situação, uma vez que foi o professor Luis Felipe Miguel e a UnB que sofreram uma tentativa de censura por parte do Ministério da Educação e não o contrário. Ademais, para tentar justificar seu posicionamento político de apoio ao golpe de 2016, o senador comete uma série de distorções a respeito do processo histórico do que, de fato, foi o afastamento da presidenta Dilma.
Cristovam chega ao absurdo de afirmar que o uso do termo golpe seria mais plausível no impeachment de Collor do que no caso da presidenta Dilma. Tal estelionato intelectual não se sustenta frente ao fato de que a presidenta Dilma foi afastada sem ter cometido qualquer crime de responsabilidade.
Dilma foi golpeada a partir da criminalização de uma política fiscal, que já tinha sido adota por outros presidentes e, também, por quase todos os governadores, que permanecem nos cargos até hoje. Ou seja, o argumento jurídico utilizado como pretexto para afastar a presidenta só foi válido para condená-la, sendo, inclusive, uma prática recorrente em governos estaduais e no atual governo golpista.
Para reestabelecer a verdade, é preciso recordar o senador de que o golpe contra presidenta Dilmacomeçou a ser articulado no dia seguinte à vitória dela nas eleições de 2014. A oposição, derrotada quatro vezes seguidas nas urnas, rompeu pacto democrático de 1988, segundo o qual quem ganhas as eleições governa e quem perde as eleições aceita o resultado.
Além da devassa nas contas da campanha da presidenta e do questionamento da confiabilidade das urnas eletrônicas, a pauta legislativa foi completamente paralisada pela articulação golpista, que passou a apostar na política do “quanto pior melhor”, em um cenário de dificuldade fiscal, com a imposição das chamadas “pautas-bombas”. O golpe veio para “estancar a sangria” da Lava Jato e contou com amplo apoio da mídia e da elite conservadora nacional, como registrou de forma brilhante o desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti.
Ao evocar a observância do rito jurídico para justificar a legitimidade do golpe, é como se o senador assinasse um atestado de culpa. É evidente que o ponto nevrálgico do afastamento da presidenta Dilma não tem relação com o rito jurídico do golpe, mas sim, com o mérito e com a violação dos mais de 54 milhões de vota que a presidenta recebeu.
Cristovam tenta consolar a própria consciência ao evocar o questionamento de que se devem ser chamados de golpistas “os senadores que votaram para manter os direitos políticos integrais da presidente deposta”, caso no qual ele próprio se enquadra. A manutenção dos direitos políticos de Dilma nada mais foi do que uma confissão envergonha de culpa do Senado Federal no golpe.
Por mais que o senador tente negar, o golpe de 2016 segue a pleno vapor, truculento, intolerante e ilegítimo, como é característico de todos os estados de exceção. O golpe retira direito dos trabalhadores e das trabalhadoras. Desmontou a CLT, aprovou a terceirização irrestrita e enfraqueceu as organizações sindicas, com apoio e voto do senador, que chegou a ser candidato à presidência pelo PDT, partido de Brizola e um dos herdeiros legítimo de conquistas históricas dos trabalhadores.
No campo da educação, uma das principais bandeiras do senador, o golpe aprovou, também com o voto favorável de Cristovam, a Emenda Constitucional 95, que estabelece um teto dos gastos públicos, inclusive na educação. Uma ortodoxia fiscal que não existe em nenhum outro país do mundo. Um ajuste neoliberal que compromete o piso constitucional de 18% para a educação e que ameaça o orçamento das universidades, o Pronatec, o ProUni, o Fies, o Ciência Sem Fronteiras, a alfabetização na idade certa e tantas outras políticas essenciais para a educação do país.
Nas eleições deste ano, queira ou não, o senador Cristovam Buarque terá que prestar contas aos seus eleitores sobre o fato de ter votado a favor do golpe de 2016, da Emenda Constitucional 95 e da reforma trabalhista, que retirou direito dos trabalhadores e das trabalhadoras. Diante da luz da democracia e do voto popular, o senador terá que justificar sua adesão a este condomínio golpista, que instituiu, em nosso país, um estado de exceção seletivo e uma política neoliberal de desmonte do Estado de Bem-Estar social.
É com a tristeza de quem militou e que pediu votos para o senador, mesmo que de forma anônima, nas campanhas de 2002 e de 2010, que escrevo este artigo. O senador Cristovam Buarque é, hoje, uma pálida sombra do homem público que lutou pela nossa democracia e por uma educação pública, universal e de qualidade e como a história não tem volta: adeus senador Cristovam.
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