sábado, 3 de março de 2018

Como os Estados Unidos seduzem autoridades brasileiras para conseguir o que querem.

   Fernando Henrique, num de seus muitos encontros com Bill Clinton


Em 1920, o então presidente dos Estados Unidos, Warren G. Harding, disse: “Esta é uma nação essencialmente de negócios”. Seu sucessor, Calvin Coolidge, complementou: “O negócio da América são os negócios”.

Os Estados Unidos não têm amigos, têm interesses e, em nome deles, até mantêm uma política de amizades aparentes.

Digo isso a propósito da decisão do governo de Donald Trump de sobretaxar a importação de aço, que atinge em cheio as siderúrgicas brasileiras.

Ainda trabalhava na Globo quando ouvi de uma autoridade brasileira, quadro do governo de Fernando Henrique Cardoso, como se deu o relacionamento dele com o Departamento de Estado americano.

No início dos anos 2000, ele recebeu o telefonema da Embaixada dos Estados Unidos e foi convidado para participar de um programa mantido pelo Departamento de Estado.

Poderia conhecer qualquer lugar nos Estados Unidos, com todas as despesas pagas, inclusive de tradutor. A única exigência é que fizesse algumas visitas, uma delas ao Departamento de Estado.

Ele fala inglês, mas contratou o tradutor, que fez as vezes de motorista. Dinheiro não era problema.

Ele passou um mês nos Estados Unidos.

Quando retornou, passou a receber convites para eventos no Consulado dos EUA em São Paulo, cidade onde mora.

Ele e a mulher também fizeram amizade com um casal de funcionários do Consulado. Jantavam na casa um do outro. Iam a restaurantes, peças de teatro, espetáculos de balé.

Um dia, durante um jantar, já desconfiado, resolveu perguntar:

— Vocês são da CIA?

— Sim, somos — respondeu um deles.

A resposta o desconcertou, e ele perguntou se a natureza do trabalho na CIA não era o sigilo.

— Não somos espiões, somos analistas e fazemos parte de um programa para fazer amigos dos Estados Unidos em outros países.

A conversa prosseguiu e eles disseram que os Estados Unidos tinham sido surpreendidos por alguns eventos no mundo, como a revolução em Cuba, em que descobriu que não tinha fontes confiáveis fora de seu território.

Não sabia nada a respeito de Cuba.

Muito tempo depois, segundo eles, descobriu-se que, em vez de manter espiões em território estrangeiro, era mais fácil fazer amizades.

— Eu cheguei a dar informações para eles, nada que eles não viessem a saber depois, pela imprensa, mas há uma diferença entre tomar conhecimento pela imprensa e ouvir da boca da própria autoridade — diz ele, que, naturalmente, me contou a história com a condição de que não revelasse seu nome.

Assim são os Estados Unidos, na defesa do seu interesse.

Quem passa informação pode também fazer outros favores. Natural numa relação de amizade.

Em seu diário sobre a presidência, no volume I, Fernando Henrique Cardoso conta, cinco meses depois de assumir a presidência, em 1995, foi convidado para visitar os Estados Unidos.

Esteve com Bill Clinton e depois almoçou com o vice-presidente, Al Gore.

— Sentou-se à mesa um presidente ou dono, sei lá o quê, da Raytheon, que é a empresa do Sivam-Sipam. Eu não tinha nem sido avisado disso. A esposa dele estava ao meu lado, não tocou no assunto, no que foram gentis. Ao mesmo tempo, deram um sinal do interesse que têm por esse projeto — registrou o então presidente.

A Raytheon, como se sabe, viria a ser escolhida para tocar o projeto bilionário de monitoramento da Amazônia,

E o Brasil? Como defende seus interesses?

Desde que começou o movimento que resultaria no golpe, o Brasil cedeu bastante: mudou as regras de partilha dos poços do pré-sal, exatamente como José Serra disse à americana Chevron que faria, segundo telegrama que veio à tona pelo Wikileaks, abriu negociações para o aluguel da Base de Alcântara, fez treinamento militar conjunto com tropas americanas na Amazônia, negocia a venda do controle acionário da Embraer, mudou as regras para contratação de prestadores de serviço da Petrobras, acabando com a exigência do conteúdo nacional, além de iniciar a venda intensa de ativos públicos, como a Eletrobrás, e fazer um acordo para a Petrobras indenizar investidores americanos, entre outras medidas (a lista é grande).

— O Brasil está sendo vendido, pedaço por pedaço — alertou Dilma Rousseff, no Twitter, com a experiência de quem ficou mais de cinco anos no Planalto.

E, por essas entregas, o que o país recebeu em troca?

A sobretaxa do aço, um bem importante para a economia brasileira.

O Brasil está sob ataque e, hoje, não há uma instituição brasileira que defenda o país.
Joaquim de Carvalho
Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquimgilfilho@gmail.com

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