Justiça. Mais que burra, uma unanimidade movida a tirania e ódio
por Armando Rodrigues Coelho Neto
O ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva é perseguido há quase 40 anos. O texto de Cynara Menezes (Socialista Morena) retrata bem isso. No dia 25 de fevereiro de 1981, Lula e mais 12 sindicalistas foram condenados à revelia, enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Nem ele nem os advogados compareceram à audiência, que tal qual nos dias atuais, era um jogo de cartas marcadas. Tão sereno quanto hoje, Lula teria dito: “Se com a minha prisão todos os problemas do povo brasileiro fossem resolvidos, iria preso satisfeito”. Naquela época, não havia tríplex, sítio, amante, agrados, nada de nada. Era o ódio pelo ódio, em sua mais pura essência, tão sem explicação quanto o racismo ou qualquer outro preconceito.
Do mesmo mal padecia e padece o Partido dos Trabalhadores, vítima do ódio cultuado e disseminado pelos porta-vozes dos inimigos do povo. O ódio cruzou os tempos e, nas primeiras eleições presidenciais pós-ditadura militar, o sequestro do empresário Abílio Diniz foi associado ao PT. De forma escancarada, a imprensa que apoiava Fernando Collor, passou a divulgar pretenso material de propaganda política do PT, supostamente encontrado com os sequestradores. Por meio de um jogo de palavras fortes e negativas, tais como sequestradores + guerrilheiros + PT, a mídia fez da candidatura de Lula um monstro. Para completar, numa manobra policialesca, os sequestradores foram exibidos à imprensa vestindo camisetas do PT. A perversa manobra, uma mais entre outras, teve efeito direto na derrota de Lula, dizem pesquisadores.
A verdade só veio a aparecer tardiamente, quando Collor, o candidato da TV Globo, foi consagrado vencedor. O jornal Folha de S. Paulo, com base em pesquisa do Datafolha, chegou a noticiar que o sequestro poderia ter prejudicado Lula, já que São Paulo, local do crime, foi o único estado onde Collor cresceu significativamente entre o sábado e o domingo que antecedeu as eleições. Obviamente, que só isso não esgota a onda de ódio a Lula/PT e que a ela pode ser somada a horda de capas da Veja contra Lula, que ultrapassa a casa de 60 edições. As próprias imagens das capas sugerindo monstros, rosto se diluindo, estátua corroída, imagens carcomidas etc., sugerem terem sido inspiradas no ódio. A mais emblemática tem como título “O desespero da jararaca”.
Esse sentimento raivoso sem explicação por quase quatro décadas é o que vige na classe média, sobretudo naquela parte que incorporou o pato da Fiesp e que foi homenageada pela Escola de Samba Paraíso do Tuiuti, como “manifantoches”. Trata-se de um ódio de contornos especiais entre os que têm uma fatia de “poder”, como delegados, procuradores, juízes. Desse modo, o judiciário está totalmente contaminado pelo inexplicável ódio a Lula, mas que encontrou como desculpa a corrupção (quem usa cuida). A ministra Eliana Calmon que o diga, que nunca conseguiu investigar a fundo o lado podre da magistratura, “por ser inconstitucional investigar juiz.”
O ódio vigente no Poder Judiciário tem descido a questões até elementares, como por exemplo, as formas de tratamento. Nesse campo, o mais comum é a pessoa ser tratada pelo último cargo ocupado. Mas, o juiz Sérgio Moro tratou Lula o tempo todo por um antipático “Senhor ex-presidente”. Alguns de seus despachos trazem essa marca, quando atribui a Lula “intimidação da Justiça, dos agentes da lei e até da imprensa”, por este ter dito que iria processar autoridades. Aliás, legítimo direito dele, sobretudo vítima de abuso, como sua condução coercitiva. Esse ódio classe média parece viger no judiciário e tem refletido não apenas na leitura de fatos, produção de provas e interpretações esdrúxulas da lei, mas também no corporativismo norteador das unanimidades.
Na matéria de Cynara Menezes, ela traça um paralelo entre as condenações passadas e às presentes. Desse modo, o sentimento dos próceres magistrados da ditadura se repete no presente, quando o corporativismo vem dando suporte às arbitrariedades. Frases como a da madre superiora tipo “Não passarão” ou “não vamos nos apequenar” trazem essa marca. Ministro do TRF4 dizer que a Farsa Jato “não precisa seguir regras gerais” é se antecipar raivosamente para dar suporte às ilegalidades da prosaica operação. Como base nesse ideário, por exemplo, contrariaram precedentes judiciais para não ver, por unanimidade, falta alguma por parte de Moro ao divulgar ilegalmente conversa da presidenta Dilma Rousseff, como se constata abaixo:
“E correto entender que o sigilo das comunicações telefônicas (Constituição, art. 5º, XII) pode, em casos excepcionais, ser suplantado pelo interesse geral na administração da justiça e na aplicação da lei penal.”
A manifestação acima é do desembargador Rômulo Pizzolatti e teve como mote o “interesse público”. Serviu para dizer que não havia nenhum vício na derrapada (crime, infração disciplinar) por parte de Moro contra Dilma. Entretanto, serviu para alimentar o ódio de patos e golpistas, que viram naquelas falas crimes hediondos, capazes de dar, como pano de fundo, mais suporte ao golpe iminente. Tudo contrariando entendimento unânime anterior do STF, firmado pelo ministro Teori Zavascki, que considerou ser “descabida a invocação do interesse público” para divulgar conversas de autoridades sem autorização judicial do foro competente.
Ou seja, além do ódio, uma onda de corporativismo pré-ajustado vem dando sentido a unanimidades nos recursos que dizem respeito a direitos e garantias individuais do ex-presidente Lula. Recursos indeferidos até com argumentos infantis, como bem destaca o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão.
Questões aparentemente óbvias têm gerado grandes polêmicas no STF, com votos dissidentes e muitas contradições. É, pois, improvável que sob a luz do direito não haja o menor lampejo de suporte na defesa factual e jurídica de Cristiano Zanin, ora acrescida de Sepúlveda Pertence. Sequer na leitura do Art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal de 1988, de meridiana clareza: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Fazer uma leitura contrária e unânime quanto a algo tão óbvio soa mais que uma unanimidade burra de que falava o escritor Nelson Rodrigues. Viciada pelo ódio, ela é tirana, golpista e raivosa.
Armando Rodrigues Coelho Neto - jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
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