domingo, 4 de março de 2018

Perseguições da Lava Jato: mais um tiro n’água

Marcelo Auler (*)
Matéria originalmente publicada no Jornal do Brasil edição de 04/03/2018 (*)

Mais uma “armação” da Força Tarefa da Operação Lava Jato no Paraná para prejudicar aqueles que não compactuaram com os métodos adotados nas investigações deu errada. O novo tiro n’água foi a tentativa de condenar Mario Renato Castanheira Fanton, da delegacia federal de Bauru (SP), que por três meses atuou em Curitiba.

Após entregar, em Brasília, em maio de 2015, ao Departamento de Inteligência Policial (DIP), do Departamento de Polícia Federal. a confissão do agente Dalmey Fernando Werlang de que tinham sido usados grampos ilegais nas investigações da Lava Jato, além de levantar suspeitas de outras ilegalidades cometidas na Superintendência Regional do DPF no Paraná (SR/DPF/PR), Fanton viu-se envolvido em várias acusações.

Entre elas a de vazar informações da Operação Carne Fraca para o ex-deputado André Vargas. Também o acusam de “vazamento” por ter prestado depoimento secreto à Comissão Parlamentar de Inquérito da Petrobras, em 2015, atendendo uma convocação da mesma.

No caso da Operação Carne Fraca, foi indiciado em Inquérito Policial (IPL) e processado na 14ª Vara Federal de Curitiba. O juiz Marcos Josegrei da Silva, porém, o absolveu, para desagrado dos policiais da Superintendência do Departamento de Polícia Federal do Paraná (SR/DPF/PR) e dos membros do Ministério Público Federal (MPF). Já com relação ao “alegado” vazamento à CPI, existe um Inquérito Policial (IPL) em tramitação.

O desentendimento com a Força Tarefa, provocador da perseguição, foi resultado das ilegalidades que Fanton vinha descobrindo em torno do início das operações da Lava Jato. Culminou com o depoimento de Werlang sobre a instalação de dois grampos ilegais na Superintendência do DPF.

Ele foi oficializado em um hotel de Curitiba, no final de semana emendado com o feriado de 1º de maio, um dia antes de encerrar a missão do delegado de Bauru (SP). Um dos grampos foi no fumódromo, para bisbilhotar as críticas de agentes e delegados à Força Tarefa; outro na cela a ser ocupada pelos doleiros – entre eles, Alberto Youssef. Foi instalado no dia em que foram presos na 1ª fase da operação (17 de março de 2014). Esperavam obter informações – ainda que por meios ilegais – a partir da conversa dos detentos.

Dalmey (esq.) e Fanton passaram a ser personae non gratae junto à Força Tarefa da Lava Jato (Fotos: reproduções da internet)

Com a revelação pela imprensa, da descoberta pelos presos, no final de março de 2014, de um grampo na cela, o alerta acendeu na SR/DPF/PR. Ao vir a público, através do deputado Aluisio Mendes Guimarães (atualmente no Podemos-MA), membro da CPI da Petrobras, a informação de que de que a instalação foi feita pela própria Polícia Federal, a Força Tarefa temeu pelo questionamento da legalidade da Operação. Era o risco do chamado “fruto da árvore envenenada”. Por esta tese, uma ilegalidade no início de uma investigação invalida todo o resto do trabalho. Como ocorreu com a Operação Satiagraha. Jamais, porém, o grampo ilegal foi questionado em juízo.

Fanton e Dalmey passaram a ser personae non gratae. Em especial o delegado federal de Bauru. Ele fora chamado à Curitiba para reforçar as equipes em outras investigações, entre o final de fevereiro e o fatídico 4 de maio de 2015, dia de sua dispensa. Embora tenha sido uma passagem meteórica, ao perceberem que ele estava descobrindo ilegalidades na Lava Jato – que culminou com a confissão do grampo ilegal -, a chamada “República de Curitiba” passou a tentar atingi-lo de várias formas. Assim como a Dalmey.

Contra o delegado abriram três inquéritos criminais. Um tornou-se o processo no qual Josegrei o absolveu, os outros foram arquivados. Apresentaram uma denúncia por calúnia e falso testemunho, junto com Werlang, rejeitada pelo juízo de primeira instância em decisão confirmada no TRF-4; instauraram um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) – ainda em tramitação – e mais dois Expedientes de Natureza Disciplinar (END), arquivados por “falta de tipicidade administrativa ou criminal”. Atualmente, ainda o investigam sobre o “alegado” vazamento à CPI. Contra Dalmey, além da denúncia rejeitada, foram dois IPLs e quatro PADs.
Dissidentes & dossiê jamais confirmados

Eles não foram os únicos. A Força Tarefa investiu pesado contra aqueles que, por discordarem das ilegalidades cometidas, foram taxados como “dissidentes”: o delegado federal Paulo Renato Herrera, o ex-agente de polícia Rodrigo Gnazzo e os advogados Marden Maués e Augusto de Arruda Botelho.


A divulgação das postagens dos delegados no Facebook provocou as perseguições pela Lava Jato.

A perseguição a este grupo se iniciou com a publicação das páginas do Facebook dos delegados da Lava Jato, em novembro de 2014, na reportagem “Delegados da Lava Jato exaltam Aécio e atacam o PT na rede“, de Julia Duailibi, em O Estado de S. Paulo. Revelava o viés político dos policiais da Força Tarefa ao criticarem a candidata Dilma Rousseff e o presidente Lula e defenderem o voto no tucano.

Sem ter como criminalizar a divulgação de páginas do Facebook, motivo maior da irritação dos delegados, surgiu a versão da existência de um “dossiê” com informações sigilosas da Operação. Seria vendido pelos “dissidentes”, por milhões de dólares, a advogados dos presos da Lava Jato.

A versão foi construída com ajuda da doleira presa Nelma Kodama – que, em troca, deixou o presídio e voltou para a carceragem da Polícia Federal ao lado de uma companheira – e até mesmo de jornalistas. Surgiu através de “informes” assinados por Igor Romário de Paulo, Coordenador Regional da Delegacia de Combate ao Crime Organizado (DCOR). Neles, eram citadas “fontes humanas”. Por conta destes “informes”, instaurou-se o IPL 737 contra os “dissidentes”. O caso foi entregue a Fanton.

O dossiê, como era esperado, jamais apareceu. Após 34 meses de tramitação, em dezembro de 2017, o Ministério Público Federal jogou a toalha. Pediu o arquivamento do inquérito por não comprovar nenhum crime dos suspeitos, mesmo revirando suas vidas com quebras de sigilos bancários, fiscal e telefônico. Até um carro foi fotografado em um motel e relacionado com um dos investigados, embora sem qualquer relação. Mas o nome dos dissidentes, a esta altura, já estava queimado em diversas reportagens na imprensa.

Foi no IPL 737, porém, que Fanton apontou irregularidades da Lava Jato e acabou obtendo a confissão de Werlang. Entre outros registros estava o estranho comportamento de Igor Romário e sua esposa, a delegada Daniele Gossenheimer Rodrigues, coordenadora do Núcleo de Inteligência Policial (NIP). Ocorreu na investigação que apurava como celulares chegaram aos presos, inclusive e principalmente a Youssef.

Na SR/DPF/PR suspeitava-se do ingresso facilitado dos aparelhos na custódia para, através de grampos, captarem informações dos presos.
Meire Poza, de primeira colaboradora da Lava Jato, transformou-se em reveladora de irregularidades cometidas. (Reprodução da revista CartaCapital)

Suspeita corroborada por Meire Poza, ex-contadora do doleiro. Foi a primeira “colaboradora” do delegado Marcio Anselmo Adriano, coordenador da Lava Jato. Mas ambos se desentenderam. Foi quando passou a revelar bastidores do caso, como ter sido instruída a incentivar o doleiro a falar pelo celular. Depois, acabou denunciada também.

A investigação dos celulares nas celas foi feita no IPL 674/14. Peça deste inquérito vazou para a imprensa – algo comum quando interessava à Força Tarefa – e quase o anulou. Mas, ao final, a responsabilidade recaiu sobre um guarda municipal, emprestado à SR/DPF/PR para auxiliar na carceragem. As suspeitas de que a facilitação visava uma escuta ilegal não se confirmaram. Mas persistem para muitos.

A perplexidade de Fanton neste inquérito relacionava-se ao fato de o delegado Igor Romário ora aparecer como testemunha, ora presidir a investigação. Como tal, ainda determinava diligências à chefe do NIP, sua esposa. O despacho de Fanton registrando tal comportamento inusitado, porém, foi retirado dos autos.

Ao perceberem que Fanton revolvia irregularidades do início da Lava Jato, sem mostrar interesse em abafa-las, Igor Romário e o então superintendente, Rosalvo Ferreira Franco, o devolveram a Bauru. O que não conseguiram foi impedir que Fanton, após a suspensão da sua convocação, fosse diretamente à Brasília levar as informações levantadas nas suas investigações.

Foi a gota d’água para Dalmey, que auxiliava Fanton, revelar a história dos grampos ilegais. O da cela, segundo ele, colocado por ordem direta de Igor Romário, na presença de Rosalvo e de Marcio Anselmo. A este e à delegada Erika Mialik Marena, Dalmey disse que entregou os pen-drives com as gravações captadas. O do fumódromo, por ordem de Daniele, a mulher de Igor Romário. Por esta ordem, ela foi punida com suspensão temporária, sem, contudo, perder a função de confiança.
A denúncia vazia sobre vazamento

A divulgação à imprensa de que Fanton vazara informações sigilosas fez parte da perseguição ao delega

Um dos primeiros trabalhos do delegado Fanton em Curitiba não se relacionou à Lava Jato. Foi o IPL 136/2015 que gerou a “Operação Carne Fraca”. Investigava fiscais do Ministério de Agricultura suspeitos de serem corrompidos por frigoríficos e revendedores de carnes.

Após Fanton retornar a Bauru, o delegado Maurício Moscardi Grillo assumiu este caso. Foi quem, ao deflagrar a operação, em 17de março de 2017, gerou uma crise nas exportações brasileiras por levantar a suspeita de que frigoríficos comercializavam carne contaminada.

Moscardi também presidiu a primeira Sindicância – 04/14 – sobre o grampo na cela de Youssef. Nela, concluiu que o aparelho de escuta, além de antigo, estava desativado. A confissão de Werlang mostrou um trabalho, no mínimo, negligente. Para muitos, foi uma investigação dirigida para não comprometer a Lava Jato. Em consequência, começaram as “acusações” ao delegado de Bauru. Tudo repercutindo na imprensa, como forma de desacreditá-lo.

Fanton ainda presidia o caso da Carne Fraca ao ser requisitado pela Lava Jato, em 10 de abril de 2015. Comandou a prisão do ex-deputado federal André Vargas, em Londrina (PR).

No trajeto rodoviário entre Londrina e Curitiba, sondou o ex-deputado sobre seu relacionamento com fiscais do Ministério da Agricultura, investigados no inquérito que presidia. A partir desta conversa, presenciada pelo agente federal Wiligton Gabriel Pereira, que dirigia o carro, surgiu a tentativa de incriminar o delegado de Bauru. O agente assinou “notícia-crime” acusando-o de vazar informações sigilosas.

A acusação só apareceu em 18 de maio. Um mês depois da prisão e exatamente duas semanas após Fanton levar à Diretoria de inteligência Policial (DIP) do DPF, em Brasília, a confissão de Werlang sobre os grampos ilegais instaurados pela Força Tarefa da Lava Jato. Uma nítida retaliação.

Na denúncia apresentada ao juiz Josegrei, o procurador da República Alexandre Melz Nardes deixou claro que, apesar do alegado vazamento de informação sigilosa, não ocorreu qualquer prejuízo à investigação do caso da Carne Fraca.

Ao absolver o acusado, Josegrei, da 14ª Vara Federal, destacou que o agente Wiligton, autor da acusação, admitia não ter certeza do conteúdo da conversa entre Fanton e Vargas.

“Todas as suas afirmações são acompanhadas da ressalva ‘salvo melhor juízo’, além de salientar que estava dirigindo a viatura e, por isso, não acompanhou a conversa em detalhes”, ressaltou Josegrei. O juiz ainda indicou a falta de nexo entre o que o agente denunciou e a realidade dos fatos.


Wiligton acusou Fanton de revelar um grampo telefônico da Operação da Carne Fraca. Teria sido premonição. Os grampos na investigação começaram em janeiro de 2016. Oito meses após a conversa presenciada por Wiligton.

Ao testemunhar sobre o caso, Vargas admitiu o questionamento sobre dois fiscais do Ministério da Agricultura, Mas sem qualquer especificação que o levasse a desconfiar “de que se tratava de uma investigação envolvendo essas pessoas“, registra a sentença.

Tais fatos levaram Josegrei concluir que “a prova produzida nos autos é, portanto, insuficiente para demonstrar que houve revelação a terceiro de fatos sigilosos sob investigação por parte de Mario Renato Castanheira Fanton”.

Ao absolver o delegado, o juiz derrubou mais uma perseguição da Força Tarefa da Lava contra aqueles que denunciaram suas ilegalidades. Ilegalidades que não mereceram investigações detalhadas. Foram, na verdade, jogadas para debaixo do tapete. Afinal, na República de Curitiba, os fins – o combate à corrupção -, passaram a justificar todos os meios. Ainda que ilegais.

(*) Esclarecimentos do Blog – Esta reportagem saiu publicada na edição deste domingo (04/02) do Jornal do Brasil impresso. Dentro do acordo firmado entre o editor do Blog e o JB, as matérias produzidas para o jornal estarão liberadas para o Blog, após a circulação do impresso.

Como previsível, o espaço físico do jornal impresso limita o tamanho dos textos. A versão do Blog, portanto, contém informações que não couberam no impresso.

Na reportagem do Jornal do Brasil, por uma falha do autor na sua elaboração, o texto pode ter passado a impressão de que o delegado Mario Renato Fanton teria revelado publicamente a existência de grampos ilegais nas investigações da Lava Jato. Isso, na realidade, não ocorreu. Fanton encaminhou suas informações – como dito na matéria do jornal e reproduzida aqui – à Diretoria de Inteligência Policial (DIP) do DPF, no dia seguinte a ter ouvido o depoimento de Dalmey Werlang. As informações de que o grampo encontrado na cela era ilegal e tinha sido instalado por Werlang surgiu na CPI da Petrobras, muito antes de Fanton ali comparecer, convocado, para prestar depoimento em uma sessão secreta. O autor da reportagem, diante da possibilidade de ter gerado mal entendidos, se desculpa com os leitores e, principalmente, com o delegado Mario Renato Fanton.

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