sábado, 3 de março de 2018

PT lidera sem rival a preferência dos eleitores


Marcus Ianoni
http://brasildebate.com.br/

Nem com toda a campanha de criminalização levada a cabo pelo aparato repressivo-jurídico-policial e pela mídia golpista o PT desaparece da consciência popular. Tem a ver com o fato de o partido encarnar o ímpeto da vontade de superação da desigualdade

Na medida em que muita água tem passado debaixo da ponte programática governamental e que o país não ruma para futuro promissor nenhum, pelo contrário, a trajetória social, econômica, política, cultural e moral é regressiva, o PT, que desde 1999 nunca deixou de liderar a preferência partidária dos eleitores, voltou a exercê-la, ao longo de 2017, com grande folga em relação aos demais partidos políticos brasileiros. Se levarmos em conta os dois problemas centrais enfrentados pelo partido no biênio 2015-2016, como a onipresente exposição midiática de suas principais lideranças nas investigações da Lava Jato e a deposição da presidenta Dilma Rousseff, como é possível ele ter voltado a ser o partido preferido dos brasileiros?

O Datafolha começou a fazer pesquisa de preferência partidária em 1989 (um ano antes, o Ibope havia dado o pontapé inicial nessa sondagem). Em agosto do derradeiro ano da década perdida, quando em 15 de novembro as eleições presidenciais seriam retomadas – a última havia ocorrido em 1960 –, o PMDB era o primeiro colocado, com 12%, enquanto apenas 6% preferiam o PT. Mas note-se uma inversão de performance: o candidato peemedebista ao Palácio do Planalto, Ulysses Guimarães, recebeu apenas 4,73% dos votos no primeiro turno, ao passo que o petista Lula foi sufragado por 17,18% dos eleitores, tendo ido, como sabemos, à disputa final com Fernando Collor.

Esses dados já sugerem a necessidade de cautela em relação aos indicadores de identificação partidária no Brasil, entre outros motivos, porque o atual sistema de partidos remonta à redemocratização, tendo poucos lastros de continuidade com o sistema partidário do período 1946-1964.

Após empatar com o PMDB em 1996 e 1998, ambos com 11% das preferências partidárias, o PT passou a liderar esse indicador em fevereiro de 1999, quando alcançou 15%, ficando o PMDB em segundo, com 12%. No final do ano 2000, superou os 20% e, em maio de 2002, ano em que Lula será eleito, o partido possuía 23% da preferência partidária em nível nacional. No Brasil, mais da metade dos eleitores não tem preferência nenhuma em relação a esse quesito importante, embora a desconfiança em relação ao sistema representativo seja um fenômeno generalizado nas democracias nas décadas mais recentes. Note-se, novamente, que no primeiro turno daquela eleição presidencial, Lula obteve 46,44% dos votos, ou seja, o dobro das preferências conferidas ao PT.

No biênio 2005-2006, no contexto da Ação Penal 470, o PT caiu, indo de 24% (dez. 2004) para 16% (fev. 2006), mas Lula se reelegeu e o partido foi se recuperando, alcançando 25% em agosto de 2010, ano em que Dilma venceu pela primeira vez. A preferência petista caiu entre 2013 (“manifestações de junho”) e 2016 (deposição de Dilma). Mas a oscilação negativa ocorreu, sobretudo, em 2015 e 2016, afinal, Dilma conseguiu se reeleger em 2014. Em março de 2013, o PT era o preferido de 29%; 17% o preferiam em outubro do ano seguinte. Em junho de 2015, essa preferência caiu para 11%, indicando um PT moribundo, enquanto os tucanos, em seu auge, eram preferidos por 9%. Em dezembro de 2016, ainda definhando, o PT continuava como o mais preferido, embora regredindo a um dígito, 9%.

Mas, em 2017, a recuperação foi contínua, chegando a 21% em dezembro. Nessa sondagem, 57% disseram não ter nenhum partido preferido, 5% mencionaram o PMDB (hoje novamente MDB) e 5%, o PSDB. Num país imerso em trajetória de decadência, onde a crise de representação corrói a legitimidade do sistema político e a identificação partidária é baixa não é pouca coisa o PT absorver entre 20% e 25% das escolhas, sem esquecer que seu teto já chegou a um terço.

Não há relação direta entre preferência partidária e voto, além do que a análise precisaria ser desmembrada entre o que ocorre nas eleições majoritárias (cargos para o executivo e para o senado) e o que acontece nas eleições proporcionais (deputados e vereadores). A oferta de candidaturas nas eleições proporcionais é duplamente inflacionada, seja devido ao multipartidarismo excessivamente fragmentado, seja pelo personalismo que tece as relações entre políticos e eleitores, mediadas pela combinação entre lista aberta e desigualdade social, que prejudicam a ênfase na reputação partidária e estimulam a reputação individual.

No entanto, de um modo geral, o desempenho do PT nas eleições proporcionais tem garantido a ele uma maior simetria entre preferência partidária e reputação partidária. Considerando, para o caso do desempenho do PT nas quatro últimas eleições gerais (2002, 2006, 2010 e 2014), as relações entre sua preferência partidária e os votos dos eleitores, esse partido tende a crescer bastante nas eleições presidenciais e a manter-se próximo de seu indicador de preferência nas eleições para deputados federais, ao passo que o contrário se passa com as demais agremiações, que, nas eleições proporcionais, têm um desempenho bem acima da média de suas preferências partidárias. Provavelmente, isso tem relação com o maior investimento de dinheiro e maior posse de outros recursos de poder por parte dos candidatos a deputados do MDB, PSDB, DEM, PP e assim por diante, em comparação com os possuídos pelos candidatos petistas. Ademais, o eleitor tem mais facilidade de entender e acompanhar as eleições presidenciais que as proporcionais.

As pesquisas e o debate acadêmico sobre identidade partidária e sua relação com o voto dos eleitores apresentam resultados e interpretações distintos. Mas vários autores observam que, desde 1994, duas grandes referências partidárias foram se consolidando nas eleições presidenciais: de um lado, PSDB e seus aliados, de outro, PT e seus aliados. Grosso modo, essas duas legendas foram estruturando os campos da esquerda, centro e direita. A coalizão PSDB-PFL-PTB, apresentada às eleições de 1994, depois engordada com a participação do PMDB na sustentação do governo Fernando Henrique Cardoso, foi qualificada como de centro-direita, ao passo que a coalizão do PT com o PMDB, costurada desde o segundo mandato de Lula, constituiu a centro-esquerda.

Essas duas grandes estruturas de referência partidária, a despeito de algumas mudanças, ainda sobrevivem, especialmente para o PT enquanto agremiação de esquerda moderada, uma vez que o deslocamento do MDB para a direita neoliberal, que se viu forçada, após quatro vitórias consecutivas de presidentes petistas, a revisar suas relações com o Estado Democrático de Direito, torna o centro um tanto quanto desencorpado. Talvez o centro hoje seja a liderança pedetista de Ciro Gomes, bem menor em tamanho e representação política que o “centrão” ou “direitão” multipartidário liderado pelo ex-deputado Eduardo Cunha, encarnação legislativa do conservadorismo emerso na crise, que reavivou ainda mais o fisiologismo estrutural e estruturante das relações políticas.

Se for correta a hipótese de que o PT constitui uma das âncoras de referência do mecanismo de identificação partidária em curso nas eleições presidenciais desde a estabilização monetária orientada para o mercado, em 1994, então ela nos ajuda a compreender a resiliência dessa agremiação no imaginário popular. Apesar dos pesares, inclusive da rejeição aos partidos e da crise de legitimidade do sistema político, os governos petistas implementaram mudanças que propiciaram, mesmo que com limitações, mobilidade social ascendente. É aí que mora o antineoliberalismo real, por mais que tenha havido conciliação de classes e programática nos governos petistas, que não chegaram a romper com várias amarras na economia e na política.

Ademais, em 2017, Lula fez as caravanas no Nordeste e Sudeste, o golpe foi mostrando a que veio, transformou ascensão social em retrocesso, o Congresso salvou Temer duas vezes, um escândalo (inter)nacional, os eleitores rejeitaram e ainda rejeitam as reformas ultraliberais contra as quais o PT lutou e vem lutando, inclusive tendo organizado a greve geral de 28 de abril. Por outro lado, o caráter seletivo do combate à corrupção pelas instituições jurídicas foi se explicitando, assim como a perseguição a Lula. O PT tem hoje dois grandes trunfos: um candidato competitivo, imbatível, em um país no qual o voto para presidente é estratégico e transcende, em certa medida, o sistema partidário formal; e o PT é também o partido preferido dos eleitores, líder isolado nesse quesito.

Para o PT cair, a não ser que fosse pela força bruta, seria necessário o partido perder substantiva organicidade no movimento sindical (um racha antipetista na CUT, por exemplo, para a esquerda ou para a direita) e no MST, na CONTAG, na UNE, nos movimentos por igualdade racial e de gênero, nas pastorais católicas progressistas, nos movimentos populares por saúde, educação, moradia, contenção de barragens, juventude, livre orientação sexual etc. E, perdendo essas e outras estruturas, principalmente as constituídas hoje nos governos municipais e estaduais, assim como nos parlamentos das três unidades federativas, estaria, provavelmente e simultaneamente, caindo na preferência partidária e na contagem dos votos depositados nas urnas pelos eleitores.

Mas não é isso o que ocorre. Segundo Marcos Coimbra, do Vox Populi, Lula vence as eleições até se estiver preso. O PT está vivo! A memória das realizações positivas de seus governos persiste e sustenta esperanças. Esse partido cometeu erros importantes e tem pagado o preço por isso. Ele precisa repensar profundamente a sua atuação, suas bandeiras, suas alianças, renovar as suas lideranças, pois Lula não é imortal, e assim por diante, mas não será com a cruzada por sua criminalização que ele deixará de representar o que representa.

Apesar de toda essa cruzada, levada a cabo pelo aparato repressivo-jurídico-policial, pela grande mídia, pelos seus opositores nos partidos conservadores e pela direita em geral, o PT não desaparece da consciência popular, pelo contrário, nela se abriga. Isso tem a ver com o fato dessa agremiação encarnar, como nenhuma outra no passado e no presente do país – seja na ação de seus militantes, na imaginação dos que o consideram como seu partido preferido ou na esperança dos eleitores que pretendem votar em Lula em 2018, enfim –, o ímpeto da vontade de superação da desigualdade pela nação secularmente oprimida. Quem é maltratado pelo mercado depende mais da política como fator de correção das injustiças. Ou seja, a relação com a política não é exatamente a mesma para todos os grupos sociais, embora essa dinâmica possa variar conjunturalmente.

Crédito da foto da página inicial: Ricardo Stuckert

É cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), realizou estágio de pós-doutorado na Universidade de Oxford e estuda as relações entre Política e Economia

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