sábado, 26 de maio de 2018

A lição da crise da paralisação dos caminhoneiros


Omar dos Santos*

A crise de abastecimento de combustível que estamos vivenciando, crise causada pela reação dos caminhoneiros à verdadeira rapinagem a que os brasileiros, todos nós, estamos sendo submetidos pelo governo golpista, ilegítimo e desacreditado que invadiu o Planalto, está mostrando, de forma clara e oportuna, o caráter usurpador que marca a elite empresarial brasileira. 

Existe um ditado popular muito conhecido entre nós brasileiros que diz: “A oportunidade é que faz o ladrão”. Mas para a grande maioria dos empresários brasileiros, este ditado pode muito bem ser ligeiramente alterado: “Não é a oportunidade que faz o ladrão, mas ela revela o larápio que está dissimulado na maioria dos empresários”. 

Dirão alguns que estou exagerando. Que “os pobres empresários do Brasil” vivem sufocados por um Estado pesado e perdulário. Que são eles quem proveem o país de empregos, víveres, remédios, bens de consumo etc. Será? Só para instigar o debate vamos relembrar algumas informações a cerca do tema. 

O mercado de trabalho brasileiro, com raríssimas exceções em sua história, sempre foi extremamente restrito ao trabalhador. Nossos jovens sempre tiveram enormes dificuldades para conseguir o primeiro emprego e os adultos desempregados, e não são poucos, levam em média dois anos para se recolocarem nesse mercado. Isto para não falar dos profissionais mais velhos, esses, uma vez desempregados, serão desempregados para sempre. Esta é a regra geral. 

No Brasil, 75% do que comemos vem da agricultura familiar e pequenos produtores individuais, pois a “fantástica” agricultura brasileira de alta produção e precisão, extremamente mecanizada só produz commodities, que como sabemos, é a forma mais eficiente e eficaz de exportar empregos, destruir o meio ambiente e provocar o atraso tecnológico e a dependência estrangeira de nosso país. 

No início deste século, nosso país passou a experimentar um processo de desnacionalização dos comércios interno e externo e da indústria de bens e serviços absolutamente inaceitável e insuportável para uma nação que pretende ser tecnologicamente desenvolvida e independente. Para exemplificar o que falamos citamos o seguinte fenômeno: Ao final do Século XX, nossas indústrias automotiva, elétrica/eletrônica, siderúrgica, entre outras, chegaram a atingir 60% de nacionalização (índice de componentes fabricados no país) de seus produtos. Hoje, os poucos estudos existentes sobre o problema apontam que este índice mal chega a 22%. 

Um dado muito importante nesta situação é a transferência das grandes empresas de origem brasileira para o domínio de empresas estrangeiras. Marcas famosas e respeitadas nacional e internacionalmente, construídas com a criatividade e o esforço do povo brasileiro, estão sendo vendidas sabe se lá como e por quanto. Só para ilustrar citamos algumas delas: Brastemp, Schincariol, Garoto, TAM, Gol, CSN. Sem falar das negociações em curso para a venda da Embraer para a Boeing. Até parece que o Brasil é uma incubadora de empresas para o mercado internacional. 

Não precisa ser economista ou administrador para entender que o resultado disto é a exportação de empregos, a redução da arrecadação e, sobretudo, a exportação de riquezas brasileiras para os países centrais e opressores. 

O leitor atento pode perguntar, e isto com certa razão, o que este cenário tem a ver com a qualidade do empresariado do Brasil. Afirmo que tal situação está intimamente interligada com ela. Se não vejamos. 

A prática da espoliação econômica por parte de quase todos os empresários brasileiros é histórica e, o que é mais grave, admitida pelos governantes do país, conduzida pela burocracia administrativa e legitimada pela inércia de nosso povo, que não faz nada para transformar a situação. 

Lembremo-nos da cartelização dos combustíveis e dos serviços bancários; dos monopólios dos transportes aéreo, terrestre e ferroviário e dos serviços de telefonia; da centralização da produção e distribuição de alimentos, de energia elétrica e de água etc. 

Ainda bem que “esses heróis”, nossos empresários, que muitas vezes veem de público informar ao povo que estão trabalhando em regime de prejuízos, têm merecido a proteção de nossas autoridades. 

Para exemplificar essa postura citamos as prerrogativas das companhias distribuidoras de energia elétrica, água e telefonia, que para não “fechar as portas”, têm o direito consignado pela lei de ratear os prejuízos causados pelos roubos dos serviços prestados, feitos pelos famosos “gatos”, entre os consumidores que pagam suas contas honestamente. Assim, essas empresas não têm nenhum interesse de desenvolver esforços para acabar com o furto de seus produtos. 

Ao lado destas constatações citadas até aqui, vamos olhar para a atual crise dos combustíveis e compreender como ela expõe a natureza desonesta e oportunista da enorme maioria de nossos empresários. 

A situação que assistimos aqui em Brasília e em todo o Brasil ultrapassa qualquer limite de mau-caratismo e comprova a falta de “vergonha” e “decência” dos empresários. Aproveitando a tal “oportunidade”, eles adotaram uma atitude que revela, com toda a clareza, a inexistência de limites na busca do lucro sórdido advindo da exploração desonesta. 

A sociedade têm flagrado inúmeros postos de combustíveis vendendo gasolina a R$ 7,999, R$ 8,999 e até R$ 9,999, quando a média no início da semana era de R$ 4,399. Observe que não existem três dígitos de centavos em nosso sistema monetário. Tais “furtos” estão sendo denunciados por testemunhas e documentados por filmagem. Vários desses postos se recusam a fornecer a nota fiscal da compra quando solicitada pelos clientes. Nesta esteira de crime se detecta outro grave crime. A lei proíbe a compra, o transporte e o armazenamento de gasolina e álcool pelo cidadão, mas a televisão tem mostrado postos enchendo vasilhames de plástico sem a menor condição de segurança, sem nenhum disfarce. 

É ou não a prova cabal de que a quase totalidade de nossos empresários é completamente destituída de qualquer moral e decência e orientam suas atividades pela busca do lucro fácil obtido pela fraude e a extorsão. 

Para finalizar, digo que acho tudo isso normal, muito normal. Num país em que o normal é o empresário ter as dívidas contraídas por empréstimos com os bancos oficiais, vencidas por 05, 10, 15 anos perdoadas ou, no máximo, renegociadas uma, duas, três, ou em quantas vezes quiser. Numa terra em que as multas por sonegação de impostos, desrespeito às regras de comércio e aos direitos do consumidor nunca são pagas e nem executadas judicialmente. Num país em que os 500 maiores devedores da previdência pública, a qual o próprio governo diz falimentar, são suas maiores empresas. Numa república, cujos governantes admitem, de público, que não têm meios para recuperar recursos apropriados indevidamente por empresários, recursos esses destinados à saúde, à educação e à previdência públicas, advindos do recolhimento das contribuições pagas pelos trabalhadores, tudo isso é normal. É como diz o grande Dias Gomes: É justo, é muito justo, é justíssimo.

Omar dos Santos* é professor aposentado em Brasília

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