domingo, 6 de maio de 2018

Alguém tem que dizer ao Ciro Gomes que a perseguição a Lula uniu a esquerda. Por Joaquim de Carvalho


Lula a Ciro Gomes, num diálogo hipotético (mas nem tanto): Ciro, meu filho, tem mais votos do povo na alça do meu caixão. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula/Fotos Públicas

Antes de ser preso, o PT conseguiu um feito inédito: num ato por Marielle, o deputado estadual Marcelo Freixo, o político mais votado do PSOL, subiu pela primeira vez num palanque onde estava Lula.

Politicamente, não é pouca coisa: mostra que o massacre da direita uniu setores da esquerda que eram considerados irreconciliáveis e isolou quem ainda queria distância do que poderia ser chamado de lulismo, como Luciano Genro.

Em passeatas em apoio a Lula, se veem militantes do PSOL em meio a militantes do PT. Uma delas, de Niterói, que encontrei em Porto Alegre, disse: me sinto um pinto (não pato) amarelo no meio de uma onda vermelha. E não estava incomodada.

Mas aí vem a pergunta: se existe esta unidade, por que o PT não quer conversar com Ciro Gomes?

É uma pergunta que nasce de um equívoco: o PT conversa com Ciro, e conversa muito. Fernando Haddad esteve com ele várias vezes. E nada disso foi escondido. Haddad tem a anuência de Lula para conversar com representantes de forças políticas, inclusive as adversárias.

De onde vem, então, a versão de que o PT está se isolando e fechando as portas para eventuais alianças?

Da velha imprensa.

Quase todos os dias, os antigos jornais publicam com destaque alguma notícia relacionada a Ciro Gomes, que os comentaristas e as comentarista da Globonews repercutem.

Tamanho interesse por quem ocupa o sexto lugar nas pesquisas de intenção de voto só se explica pela tentativa de fazer de Ciro o que foi feito de Marina Silva em eleições passadas: o protagonista da confusão.

Não é à toa que sempre perguntam se ele vai dar a vice para alguém do PT, e Ciro repete o discurso de quem está num velório.

“Não é simples, não é trivial o momento pelo qual o PT e sua principal liderança estão passando e, portanto, eu respeito o tempo e a forma do PT e vou tocando o meu bonde”, disse, numa das vezes.

Também não foi à toa que Lula mandou a resposta a quem especula sobre a morte de sua candidatura:

“Na alça do meu caixão, tem mais voto do povo do que qualquer um deles.”

Lula afasta os abutres, que estão sempre de olho em alguma carniça.

E faz isso por algumas razões que só a ambição desmedida impede de enxergar:

Lula é o nome da eleição, esteja na urna ou não.
A simpatia pelo PT só aumentou depois que ficou claro que Lula é vítima de perseguição.
Se Lula não estiver na urna, o candidato que ele indicar tem mais chance de ir para o segundo turno do que Bolsonaro.
Nesse cenário, qualquer candidatura de esquerda tem que se dar em torno de Lula.

Se Lula é o centro do debate — até para a direita, que procura (e ainda não encontrou, nem vai encontrar) um jeito de neutralizá-lo —, como pode a esquerda se isolar?

Impossível.

Ciro diz que vai tocando o bonde dele, e está certo do ponto de vista político de aproveitar o interesse oportunista da velha imprensa para avançar até a próxima estação.

Mas há um risco.

É Ciro quem pode se isolar, quando ele descobrir que a estrada pavimentada pela velha imprensa só leva a um destino: a direita.

É um risco, a menos que seja este o lugar para onde quer ir.

Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquimgilfilho@gmail.com

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