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por Conceição Lemes
Belo Horizonte (MG), 20 de janeiro de 2014. Geraldo Elísio tomava o café da manhã com uma irmã, quando o interfone do apartamento tocou.
Sem se identificar, uma voz masculina, perguntou se era Elísio quem falava.
Confirmado, pediu que fosse até a portaria. Ele desceu como estava: de short, sem camisa, calçando sandália de borracha.
Estacionado, na frente do edifício, um carro do Depatri, órgão da Polícia Civil de Minas Gerais que cuida de crimes cibernéticos.
A postos, também para “visitá-lo”, três agentes e um delegado.
“O delegado — não me lembro do nome –disse que tinha ordem judicial para levar meu computador”, relembra Elísio.
“Reviraram todo o meu apartamento. Apreenderam notebook, pen-drives, originais de três livros prontos e alguns documentos”, prossegue.
“Até velhas cadernetas de telefone que eu guardava por valor sentimental, com os telefones do Thiago de Mello, Drumond de Andrade, artistas plásticos, políticos, eles levaram”, lamenta.
“ O Marco Aurélio foi preso no mesmo dia, só que mais cedo”, observaa.
O preso é o jornalista Marco Aurélio Carone, dono do site NovoJornal, único veículo em Minas que não se curvou à censura comandada pela então toda poderosa Andrea Neves durante os governos do irmão, Aécio Neves, e de Antônio Anastasia, ambos do PSDB.
Em 20 de janeiro de 2014, Carone foi preso por ação direta no judiciário e na polícia de Aécio, Andrea e Danilo de Castro, secretário do governo de Minas de 2003 a 2014.
O seu encarceramento – de 20 de janeiro a 4 de novembro de 2014 — teve a ver fundamentalmente com denúncias iria publicar no seu site, o NovoJornal, contra Aécio, então candidato à presidência da República.
Tanto que só foi solto após o 2º turno.
Geraldo Elísio, mais conhecido como Pica Pau, é jornalista e escritor.
Em 1977, ganhou o Prêmio Esso de Jornalista – categoria regional – por reportagens denunciando torturas praticadas contra o operário Jorge nas dependências da Polícia Militar mineira. Durante sete anos foi repórter e editorialista do NovoJornal.
Pois a prisão de Carone é o tema central do sétimo livro de Elísio, que acaba de ser lançado: Diálogo com Ratos – censura e perseguição no jornalismo digital, da editora Letramento.
Viomundo – O que o motivou a escrever este livro?
Geraldo Elísio — A injusta prisão do Marco Aurélio e a busca e apreensão absurdas no meu apartamento pela Polícia Civil de Minas. Foram os fatores decisivos.
Diálogo com Ratos é a história real do pesadelo que ele, sua família e eu vivemos graças às arbitrariedades do senador Aécio Neves, de Andrea Neves, sua irmã, e dos ex-governadores Antônio Anastasia, hoje senador, e Alberto Pinto Coelho.
Viomundo – Por que o título Diálogo com Ratos?
Geraldo Elísio – O Carone, como você bem sabe, ficou preso na Penitenciária Nelson Hungria [ em Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte] durante 9 meses e 15 dias. Desse período, três foram na solitária.
Para não enlouquecer, ele “conversava” com um rato que todas as noites ia “visitá-lo, em busca de pedaços de pão que Carone passou a lhe dar.
Certo dia, eu já estava escrevendo o livro, ao folhear um jornal, vi numa página uma referência a alguém chamado Danilo. Batizei o rato.
Viomundo – Aqui fora, que ratos você destacaria, aqui fora?
Geraldo Elísio — São muitos (risos). Lotariam um bom espaço da web. Mas nomes citados acima têm um perfil sugestivo. Lógico, como eu disse, faltando muitos para engrossar as fileiras.
Viomundo — Dos episódios relatados no livro, qual doeu mais para você abordar ?
Geraldo Elísio — O sofrimento da família do Marco Aurélio e a solidão de um homem privado da liberdade por ousar dizer a verdade sobre Aécio, Azeredo, Anastasia e outros tucanos mineiros.
Enquanto isso, a apreensão do helicóptero com 500 quilos de pasta base de cocaína não deu em nada até hoje e muitas perguntas continuam sem resposta.
De quem é a droga? Não existem culpados por este crime? O acobertamento é para proteger quem? Quem comanda a quadrilha de narcotraficantes?
Viomundo – No livro você cita overdoses do Aécio. Foi você quem fez a matéria?
Geraldo Elísio – A primeira foi feita pelo Carone, foi ele quem descobriu. Depois, eu fiz outras. O que eu sei é que ainda falta muito para aparecer.
Viomundo – No livro, você conta que Andrea Neves foi à redação do Novojornal em 17 de janeiro de 2014. Portanto, três dias antes de o Carone ser preso. Como foi receber na redação a então toda poderosa?
Geraldo Elísio –– Não tive o desprazer, pois sete meses antes havia me afastado do Novojornalpara escrever um livro.
Mas, Carone contou que ela ameaçou de mandar prendê-lo se não desistisse de matérias que estavam para sair e fechar o Novojornal.
E assim foi feito. Carone foi preso no dia 20 de janeiro e o Novojornal tirado do ar, situação que perdura.
Viomundo – A polícia civil fez busca e a apreensão no seu apartamento no mesmo dia em que Carone foi preso. Foi o “preço” por ser amigo ou trabalhar com o Carone?
Geraldo Elísio – Até hoje não sei exatamente o motivo, pois sequer fui indiciado. Só pode ter sido por trabalharmos juntos, sermos amigos e conhecermos as mesmas tramoias. Creio que tentaram me intimidar. Talvez pensassem que no meu notebook poderia algo contra eles.
Viomundo – E a polícia devolveu os teus equipamentos e documentos?
Geraldo Elísio – Nem os meus nem os da Carone. Continua tudo apreendido. No meu caso, já existe determinação judicial para a devolução do que levaram da minha casa. Mas quem disse que devolvem..
Viomundo – O que você fez depois que a polícia foi embora?
Geraldo Elísio – Movimentei-me rápido para assegurar que todo mundo soubesse o que havia acontecido e que o Carone estava em poder da Polícia Civil de Minas.
Foi vital para a nossa segurança a pronta e firme atuação dos deputados estaduais Rogério Corrêa, Durval Ângelo (ambos do PT) e Sávio de Souza Cruz (MDB). Na época, resultou, inclusive, em sessão da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Viomundo — No livro, você é narrador de toda a história. Mas também personagem, já que participou ativamente dela. Há quantos anos você e o Carone se conhecem?
Geraldo Elísio — Somos amigos há mais de 40 anos. Fui amigo do pai e da senhora mãe dele, dos irmãos e dou sequência a isto com ele e familiares ainda vivos.
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