O general Etchegoyen. Fotos Públicas
A INTELIGÊNCIA DA FORÇA-TAREFA QUE JÁ CONHECEMOS
por Rodrigo Lentz*, especial para o Viomundo
A decretação da Força-Tarefa de Inteligência “para o enfrentamento ao crime organizado no Brasil”, decreto n. 9.527, de 15 de outubro de 2018, está gerando apreensão, especialmente a sua associação às medidas de exceção da última ditadura: Ato Institucional 1,2, 3, 4 e 5, o mais violento.
Mirando para os termos instituídos, a preocupação poderia ser um exagero.
Pelo que está escrito no decreto o principal objetivo dessa força-tarefa é a integração dos setores de inteligência para exercer o papel de polícia do Estado contra o chamado “crime organizado”, reivindicada por especialistas em segurança pública.
No caso do crime organizado, atende à diretriz 6.9 da Política Nacional de Inteligência (Decreto n. 8.793, de junho de 2016).
Apesar de sequer citar o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e as polícias militares e civis dos estados, o decreto da força-tarefa prevê a articulação e o intercâmbio de informações de inteligência com o Conselho Nacional de Segurança Pública (§1º, do art. 3º), com seus termos ainda a serem definidos por uma Norma Geral de Ação.
Portanto, em situações normais de temperatura e pressão, o decreto estaria em sintonia com os debates nacionais acerca do tema.
Ocorre que vivemos um momento de graves cisões entre os civis e ascendência dos militares na política.
E o que decreto faz é aumentar, de forma significativa, o poder de polícia e, por consequência, o poder político do Gabinete de Segurança Institucional e de seu titular, Sérgio Etchegoyen. Não por acaso, um general do Exército.
Vale lembrar que, desde sua nomeação, já havia ganhado poder ímpar com a subordinação da ABIN aos seus comandos.
A coincidência do prazo de nomeação com o resultado das eleições pode ser apenas cósmica.
Porém, sabe-se que Etchegoyen mantém relações estreitas com a candidatura militar à Presidência e, num eventual governo Bolsonaro, deve permanecer nas suas funções.
Com exceção dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo, a grande novidade é normalizar a integração dos setores das Forças Armadas na defesa interna ou, no linguajar dos militares, na segurança interna.
Logo, a força-tarefa toma contornos, ainda que não declarados, de segurança nacional.
Caso Bolsonaro seja eleito, veremos os principais atos de reinvindicação política dos movimentos sociais do MST e do MTST (e de outros grupos urbanos) tipificados como atos de terrorismo.
Já existe legislação pronta aprovada em 2016, no governo Dilma, bastando apenas modificá-la por maioria simples no Congresso.
De outro lado, membros de diversos partidos políticos são qualificados como organizações criminosas no âmbito da corrupção.
Tanto os movimentos sociais quanto os partidos, por exemplo, podem ser facilmente enquadrados nas ameaças 6.10 (Corrupção) e 6.11 (Estado Democrático de Direito) à “integridade da sociedade e do Estado e a segurança nacional” dispostas na Política Nacional de Inteligência (aliás, conceito típico da ideologia nacional autoritária da instituição de Etchegoyen).
Uma disposição do decreto prevê que a força-tarefa poderá “convidar representantes de outros órgãos e entidades da administração pública federal cujas participações sejam consideradas indispensáveis” (§2º, art. 2).
Nada impede que cada órgão da administração federal, crie seu órgão de inteligência, visando atender ao convite para integrar a Força-Tarefa. Ou, como nos velhos tempos, tenha agentes disfarçados de servidores.
Por fim, ela não tem prazo de duração — pode ir até o final do governo atual presidente da República –, até quando atuará e que mecanismos de controle democrático terá.
Está com cor e cheiro de uma medida para o próximo governo.
Nesse sentido, acredito que, se podemos fazer (e devemos) alguma aproximação com nossa última ditadura, ela seria com a volta do Sistema Nacional de Informações, o SNI [1].
Tanto a força-tarefa como o SNI estão subordinados à Presidência, são destinados para assuntos atinentes à Segurança Nacional, dispostos a subsidiar o chefe do executivo, no limiar de governos com características de ruptura da ordem política estabelecida e no tubo da terceira onda anticomunista no Brasil [2].
Assim como a força-tarefa, o extinto SNI estava subordinado à Presidência, destinava-se a assuntos atinentes à Segurança Nacional, disposto a subsidiar o chefe do executivo.
No caso do SNI, seu chefe tinha que ser aprovado pelo Congresso. Agora, a nomeação do chefe da força-tarefa é exclusiva do Presidente, sem envolver o Congresso.
Pela conjuntura política que vivemos, o decreto assume uma normalidade institucional para um prenúncio de repressão política da forte oposição que anuncia, caso vença a chapa de Bolsonaro.
Ainda que tarde, é preciso reconhecer que nossas Forças Armadas e nosso sistema de Justiça se partidarizaram: militam abertamente por um partido e por uma candidatura.
Os militares, em especial, aceitaram a cooptação por um setor dos civis e, por interesses ainda desconhecidos, decidiram intervir como moderadores do sistema político.
Estamos sob uma tempestade em que as eleições, se vencidas pelo campo democrático, poderão servir de abrigo temporário.
Porque o inverno autoritário, ao que tudo indica, será de longas tormentas.
[1] Ver relatório do CPDOC/FGV: < http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/servico-nacional-de-informacao-sni>.
[2] Ver artigo sobre o antipetismo como subproduto do anticomunismo atualmente: < http://iespnaseleicoes.com.br/o-antipetismo-como-heranca-do-anticomunismo/>.
*Rodrigo Lentz, advogado, ex-coordenador da Comissão de Anistia e doutorando em Ciência Política da UnB.
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