quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Após falas de Bolsonaro, Cuba se retira do Mais Médicos e presidente reage com mais ataques

Os profissionais cubanos chegaram a representar 88% do corpo de médicos do programa, levando atendimento a 60 milhões de brasileiros. "Mais de 700 municípios tiveram um médico pela primeira vez na história", afirma o governo de Cuba

       Foto: Agência Brasil

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Jornal GGN - As declarações de Jair Bolsonaro sobre o Mais Médicos levaram Cuba a cancelar a parceria com o Brasil e, consequentemente, suspender a permanência de cerca de 11 mil profissionais cubanos que trabalham atualmente no programa. A decisão tomada pelo Ministério da Saúde Pública da República de Cuba foi comunicada oficialmente nesta quarta (14).

"As mudanças anunciadas [por Bolsonaro] impõem condições inaceitáveis que não cumprem com as garantias acordadas desde o início do Programa", diz o governo cubano.

Sem apresentar soluções para compensar a crise que será aberta no atendimento na saúde básica, Bolsonaro afirmou que o País vizinho foi "irresponsável" em sua decisão e seguiu atacando as diretrizes do programa. 

"Condicionamos à continuidade do programa Mais Médicos a aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou. Além de explorar seus cidadãos ao não pagar integralmente os salários dos profissionais, a ditadura cubana demonstra grande irresponsabilidade ao desconsiderar os impactos negativos na vida e na saúde dos brasileiros e na integridade dos cubanos", escreveu Bolsonaro nas redes sociais.

Em nota, o governo cubano afirmou que Bolsonaro fez "referências diretas, depreciativas e ameaçadoras à presença de nossos médicos [no brasil], declarou e reiterou que modificará termos e condições do Programa Mais Médicos, com desrespeito à Organização Pan-americana da Saúde e ao conveniado por ela com Cuba, ao pôr em dúvida a preparação de nossos médicos e condicionar sua permanência no programa a revalidação do título e como única via a contratação individual."

O deputado de extrema direita foi eleito presidente com o discurso de acabar com o "viés ideológico" nas parcerias e negociações econômicas do governo federal e, especificamente em relação aos Mais Médicos, afirmou que faria mudanças na base de gestão do programa, desconsiderando as diretrizes estabelecidas junto à Organização Pan-Americana da Saúde.

Uma das alterações pretendidas é a exigência de revalidação do diploma dos médicos cubanos por instituições brasileiras, colocando sob suspeição a formação dos profissionais estrangeiros.

Cuba considerou a declaração inaceitável porque a formação dos médicos cubanos é referencia em todo o mundo. A ilha diz, inclusive, que forma gratuitamente profissionais de outros países e seus cidadãos também são enviados para missões humanitárias.

"Não aceitamos que se ponham em dúvida a dignidade, o profissionalismo, e o altruísmo dos colaboradores cubanos que, com o apoio de seus familiares, prestam serviço atualmente em 67 países. Em 55 anos já foram cumpridas 600 mil missões internacionalistas em 164 nações, nas quais participaram mais de 400 mil trabalhadores da saúde", afirma a nota.

O Ministério da Saúde de Cuba ainda informou que durante os 5 anos de parceria com o Brasil, perto de 20 mil médicos cubanos ofereceram atenção médica a 113,3 milhões de pacientes, em mais de 3,6 mil municípios. Quando os profissionais cubanos representavam 88% do corpo de médicos que fazem parte do programa, o atendimento chegava a 60 milhões de brasileiros. "Mais de 700 municípios tiveram um médico pela primeira vez na história."

Nas redes sociais, o deputado federal Paulo Teixeira disse que a decisão de Cuba deve afetar ao menos 30 milhões de brasileiros.

A essência do programa criado em 2013, no governo Dilma Rousseff, era a de levar médicos a regiões onde os profissionais formados no Brasil não tinham interesse em trabalhar, dada principalmente a distância das grandes metrópoles. Quando assumiu o governo no lugar de Dilma, Michel Temer manteve o programa Mais Médicos.

Leia a nota completa abaixo:

DECLARAÇÃO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE PÚBLICA

O Ministério da Saúde Pública da República de Cuba, comprometido com os princípios solidários e humanistas que durante 55 anos têm guiado a cooperação médica cubana, participa desde seus começos, em agosto de 2013, no Programa Mais Médicos para o Brasil. A iniciativa de Dilma Rousseff, nessa altura presidenta da República Federativa do Brasil, tinha o nobre propósito de garantir a atenção médica à maior quantidade da população brasileira, em correspondência com o princípio de cobertura sanitária universal promovido pela Organização Mundial da Saúde.

Este programa previu a presença de médicos brasileiros e estrangeiros para trabalhar em zonas pobres e longínquas desse país.

A participação cubana nele é levada a cabo por intermédio da Organização Pan-americana da Saúde e se tem caracterizado por ocupar vagas não cobertas por médicos brasileiros nem de outras nacionalidades.

Nestes cinco anos de trabalho, perto de 20 mil colaboradores cubanos ofereceram atenção médica a 113 milhões 359 mil pacientes, em mais de 3 mil 600 municípios, conseguindo atender eles um universo de até 60 milhões de brasileiros na altura em que constituíam 88 % de todos os médicos participantes no programa. Mais de 700 municípios tiveram um médico pela primeira vez na história.

O trabalho dos médicos cubanos em lugares de pobreza extrema, em favelas do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador de Baía, nos 34 Distritos Especiais Indígenas, sobretudo na Amazônia, foi amplamente reconhecida pelos governos federal, estaduais e municipais desse país e por sua população, que lhe outorgou 95% de aceitação, segundo o estudo encarregado pelo Ministério da Saúde do Brasil à Universidade Federal de Minas Gerais.

Em 27 de setembro de 2016 o Ministério da Saúde Pública, em declaração oficial, informou próximo da data de vencimento do convênio e em meio dos acontecimentos relacionados com o golpe de estado legislativo-judicial contra a Presidenta Dilma Rousseff que Cuba “continuará participando no acordo com a Organização Pan-americana da Saúde para a implementação do Programa Mais Médicos, enquanto sejam mantidas as garantias oferecidas pelas autoridades locais”, o que até o momento foi respeitado.

O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, fazendo referências diretas, depreciativas e ameaçadoras à presença de nossos médicos, declarou e reiterou que modificará termos e condições do Programa Mais Médicos, com desrespeito à Organização Pan-americana da Saúde e ao conveniado por ela com Cuba, ao pôr em dúvida a preparação de nossos médicos e condicionar sua permanência no programa a revalidação do título e como única via a contratação individual.

As mudanças anunciadas impõem condições inaceitáveis que não cumprem com as garantias acordadas desde o início do Programa, as quais foram ratificadas no ano 2016 com a renegociação do Termo de Cooperação entre a Organização Pan-americana da Saúde e o Ministério da Saúde da República de Cuba. Estas condições inadmissíveis fazem com que seja impossível manter a presença de profissionais cubanos no Programa. Por conseguinte, perante esta lamentável realidade, o Ministério da Saúde Pública de Cuba decidiu interromper sua participação no Programa Mais Médicos e foi assim que informou a Diretora da Organização Pan-americana da Saúde e os líderes políticos brasileiros que fundaram e defenderam esta iniciativa.

Não aceitamos que se ponham em dúvida a dignidade, o profissionalismo, e o altruísmo dos colaboradores cubanos que, com o apoio de seus familiares, prestam serviço atualmente em 67 países. Em 55 anos já foram cumpridas 600 mil missões internacionalistas em 164 nações, nas quais participaram mais de 400 mil trabalhadores da saúde, que em não poucos casos cumpriram esta honrosa missão mais de uma vez. Destacam as façanhas de luta contra o ébola na África, a cegueira na América Latina e o Caribe, a cólera no Haiti e a participação de 26 brigadas do Contingente Internacional de Médicos Especializados em Desastres e Grandes Epidemias “Henry Reeve” no Paquistão, Indonésia, México, Equador, Peru, Chile e Venezuela, entre outros países.

Na grande maioria das missões cumpridas, as despesas foram assumidas pelo governo cubano. Igualmente, em Cuba formaram-se de maneira gratuita 35 mil 613 profissionais da saúde de 138 países, como expressão de nossa vocação solidária e internacionalista.


Em todo momento aos colaborados foi-lhes conservado seu postos de trabalho e o 100 por cento de seu ordenado em Cuba, com todas as garantias de trabalho e sociais, mesmo como os restantes trabalhadores do Sistema Nacional da Saúde.

A experiência do Programa Mais Médicos para o Brasil e a participação cubana no mesmo, demonstra que sim pode ser estruturado um programa de cooperação Sul-Sul sob o auspício da Organização Pan-americana da Saúde, para impulsionar suas metas em nossa região. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Organização Mundial da Saúde qualificam-no como o principal exemplo de boas práticas em cooperação triangular e a implementação da Agenda 2030 com seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.


Os povos da Nossa América e os restantes do mundo bem sabem que sempre poderão contar com a vocação humanista e solidária de nossos profissionais.

O povo brasileiro, que fez com que o Programa Mais Médicos fosse uma conquista social, que desde o primeiro momento confiou nos médicos cubanos, aprecia suas virtudes e agradece o respeito, a sensibilidade e o profissionalismo com que foram atendidos, poderá compreender sobre quem cai a responsabilidade de que nossos médicos não possam continuar oferecendo sua ajuda solidária nesse país.

Havana, 14 de novembro de 2018.

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