
Não gosto muito de Direito Penal, mas fui obrigado a aprender alguns conceitos essenciais com um bom professor. Sempre que vejo algo estranho lembro das lições que recebi há três décadas e que teimo em não esquecer.
O art. 23, do Código Penal, prescreve algumas situações em que a conduta típica, ou seja, o crime, praticado pela pessoa não é considerada antijurídica.
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - em estado de necessidade; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - em legítima defesa; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Desde que um destes fatos seja provado, o autor do crime não pode ser considerado culpado pela Justiça. Existe outra situação jurídica em que a culpa pode ser moderada ou até mesmo excluída. Estou me referindo ao arrependimento eficaz prescrito no art. 15 do Código Penal.
Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
O arrependimento nestes casos somente produz efeitos jurídicos se o crime não tiver sido consumado e/ou se ele for impedido. Quando algum resultado já se produziu o arrependimento não é capaz de impedir a punição do criminoso pela sua conduta. Talvez seja mais fácil entender esse conceito através de um exemplo.
Suponhamos que uma pessoa arrombe uma casa para furtar objetos de valor. Se desistir de realizar o furto e for embora (art. 155, do Código Penal) o invasor não poderá responder por esse crime. Mas ele inevitavelmente responderá pelo crime de dano (art. 163, do Código Penal), pois o arrombamento já foi produzido e o arrependimento dele não será capaz de restituir a casa à situação anterior.
Nos crimes contra a honra, o perdão dado pela vítima e aceito pelo réu também produz o efeito jurídico de extinguir a punibilidade. O perdão judicial, nos casos previstos em lei, produz o mesmo efeito.
Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - pela morte do agente;
II - pela anistia, graça ou indulto;
III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;
IV - pela prescrição, decadência ou perempção;
V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;
VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;
VII - pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, definidos nos Capítulos I, II e III do Título VI da Parte Especial deste Código; (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
VIII - pelo casamento da vítima com terceiro, nos crimes referidos no inciso anterior, se cometidos sem violência real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da celebração; (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.
No caso do perdão judicial duas observações precisam ser feitas. A primeira é que ele somente pode ser dado “nos casos previstos em lei”. Se a lei não permitir o perdão, a legitimidade dele poderá ser contestada pelo Órgão de acusação. A segunda observação não é menos importante: o único juiz que pode outorgar o perdão judicial no caso concreto é aquele que está vinculado ao processo pelas regras de competência. O perdão judicial concedido por um juiz incompetente para apreciar o caso é nulo e não surtirá efeitos jurídicos.
Nenhum juiz pode perdoar os crimes que foram praticados por seus amigos e parentes. As regras processuais o impediriam de atuar num caso em que o interesse pessoal dele pudesse ser presumido. Um juiz também pode perdoar os crimes praticados pelos membros do governo do qual faz parte. Para atuar no Poder Executivo (como Ministro da Justiça, por exemplo) o juiz tem que pedir exoneração do Poder Judiciário. Após se desvincular do órgão ele não poderá mais julgar quem quer que seja.
Há alguns dias Sérgio Moro disse que um dos colegas dele no futuro governo já pediu perdão pelo crime de Caixa 2. O político da Lava Jato começa mal sua carreira no Poder Executivo. Afinal, ele agiu como se fosse uma espécie de juiz com poderes de despachar processos criminais no Ministério da Justiça. O ex-juiz da Lava Jato e futuro Ministro de Sieg Heil Führer Bolsonaro não tinha, não tem e nunca terá poder para atribuir perdão judicial ao seu colega que cometeu crime eleitoral.
Ao perdoar seu colega de governo, Sergio Moro agiu como se a conduta criminosa dele fosse apenas um pecado. Todavia, ele não tem autoridade eclesiástica para proferir um Ego absolvo te a peccatis tuis. Mesmo que ele tivesse poder espiritual, o perdão neste caso não poderia surtir qualquer efeito jurídico, pois num Estado laico como o Brasil quem julga os réus não são os padres e pastores e sim o Poder Judiciário. E a Lei aplicável nos processos criminais não é a Bíblia e sim o Código Penal.
Uma última observação. Não deixa de ser irônico ver um jurista que gosta de dizer que estudou em Harvard ignore um detalhe fundamental do Código Penal que ele mesmo era obrigado a aplicar quando atuava na 13ª Vara Federal de Curitiba. Sérgio Moro não aprendeu que é ineficaz o pedido de perdão feito muito tempo depois do crime de Caixa 2 ter se consumado?
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