Nonato Menezes
O consultório era muito simples. Na recepção,
apenas um banco forrado e algumas cadeiras de madeira. Nada de revistas ou
jornais para serem folheados durante a espera para a consulta. Moldura com
diploma na parede, também não tinha. Era no tempo que Conselho não fazia falta,
nem atrapalhava.
Esta é parte do roteiro de uma história que meu pai
contava sobre um médico respeitadíssimo e muito procurado no povoado onde
morou. Era uma espécie de clínico, na denominação de hoje. Quem quer que o
procurasse com algum sintoma, fosse criança, mulher ou idoso, se submetia ao
mesmo procedimento, seguido do receituário para cura, quase sempre preciso.
Sua técnica de consulta era muito simples, para os
padrões de hoje, pois consistia apenas em dedilhar os pulsos do paciente por
alguns minutos – naquela época não era cliente, era paciente mesmo -, para,
dependendo da pulsação, identificar a enfermidade. Esta é a técnica médica
milenar chinesa, conhecida como Pulsologia.
Acontece que o médico tinha uma jornada de trabalho
pesada. Não batia cartão, também não era rigoroso no horário de atendimento. Em
situação de emergência até o dia de descanso era comprometido.
Por seguir um ritmo de trabalho muito intenso e
cansativo, talvez para superar o desgaste, costumava tomar umas doses de
cachaça para relaxar. Às vezes até exagerava, ficando visivelmente embriagado.
Foi numa dessas vezes que trocou o pulso de um
doente pelo seu. De tão embriagado, mas com a precisão de sempre, sugeriu ao
paciente que fosse para casa, tomasse bastante água e procurasse descansar o
máximo possível, pois nada de mais sério ele tinha, senão estar acometido de
forte estado de embriaguez. E que, se
precisasse, deveria voltar no dia seguinte, pois ele mesmo estava, naquele
momento, precisando de descanso.
A segunda história.
Aconteceu comigo no ano de 2002. Assustado com um
leve incômodo na respiração, recorri a uma clínica particular para uma consulta
que havia marcado no dia anterior.
Fui pontual na chegada e vinte minutos depois fui
chamado para o atendimento. O médico deveria ter entre trinta e quarenta anos.
Conversador, foi logo perguntando em que eu trabalhava. Respondi que era
professor de ensino médio na Rede Pública e que naquele momento trabalhava
quarenta horas por semana, tinha quinze turmas, com total de seiscentos e vinte
oito alunos.
Com ares de assustado, me deu pêsames e rindo
perguntou o que eu estava sentindo.
Relatei sobre o incômodo na respiração. Ele sugeriu
que eu deitasse numa maca e com o estetoscópio no meu peito, pediu que
inspirasse e respirasse fundo. Em menos de um minuto pediu que levantasse e
voltasse a sentar-me na cadeira.
Enquanto ele preenchia o pedido de exames, foi
dizendo que os batimentos cardíacos estavam normais, e que, aparentemente, não
havia nenhum problema pulmonar, e, se necessário, após os exames me
encaminharia para outros procedimentos.
Como ele brincou com os seus “pêsames”, aproveitei
e perguntei o que leva os médicos atuais a não tocarem mais nos
“pacientes”.
Ele foi direto.
– Professor, hoje nós saímos da Universidade
peritos em operar máquinas. Aqui, nós aviamos receitas.
Fiquei calado e lembrei-me da história do meu pai.
Foi aí que atentei para algo de bom nesse processo
de mudança: as máquinas não bebem.
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