sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

'Novo governo é o triunfo da ignorância e da estupidez', diz Leonardo Boff

"Como pôde acontecer tudo isso e tanta insensatez em nosso país? Onde nós erramos? Como não conseguimos prever esse salto rumo à Idade Média?", questiona o teólogo

por Eduardo Maretti, da RBA

Leonardo Boff
Leonardo Boff diz preocupar-se com a eventualidade de um golpe militar

Tenho esperança de que o Brasil seja muito maior do que as pequenas cabeças dos que agora vão governar com um projeto que sempre favoreceu o mercado e os poderosos à custa da marginalização da maioria"

São Paulo – Para o teólogo Leonardo Boff, o início do governo de Jair Bolsonaro mostra "todo o despreparo" do presidente eleito. "É contraditório, não sabe bem o que quer, nem sequer conhece as reais necessidades do país." Mais do que isso, ele acredita que o novo presidente, que tomou posse no dia 1° de janeiro, "é a maior desgraça que ocorreu em nossa história". Para Boff, a chegada dos atuais comandantes do país "é o triunfo da ignorância e da estupidez".

Depois de o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) divulgar, no dia 8, memorandos nos quais determinou a paralisação da reforma agrária, o presidente do órgão, Francisco Nascimento, revogou os documentos no dia seguinte, em mais um dos muitos recuos do governo em menos de 10 dias.

Uma eventual confirmação da suspensão da reforma agrária, que, de qualquer maneira, seria coerente com o ideário de Bolsonaro e seus apoiadores, principalmente o agronegócio, é anticonstitucional, diz Boff. "A Constituição de 1988 prevê a reforma agrária. Bolsonaro não possui autonomia pessoal. Obedece ao agronegócio, à velha oligarquia que vive de privilégios. São, na verdade, os descendentes da casa-grande."

Apesar de tudo, o teólogo ainda acredita no país. "Tenho esperança de que o Brasil seja muito maior do que as pequenas cabeças dos que agora vão governar dentro de um rígido fundamentalismo de corte religioso com um projeto econômico-político ultraliberal", afirma, em entrevista respondida por e-mail à RBA.

Como o senhor avalia esse início de governo Bolsonaro?

Esse início de governo mostra todo o despreparo do presidente eleito. É contraditório, não sabe bem o que quer, nem sequer conhece as reais necessidades do país. É a maior desgraça que ocorreu em nossa história. É o triunfo da ignorância e da estupidez. Ele não está à altura da grandeza e da complexidade do Brasil.

Acredita que o governo ameaça a democracia?

Ele nunca falou em defender a democracia. Suas falas na campanha se orientaram por tudo aquilo que destrói uma democracia, mesmo a nossa, que é de baixa intensidade: desrespeito a minorias políticas que são maiorias numéricas, como os negros e negras, desprezo pelos indígenas e quilombolas, ameaça aos LGBT. Não possui o sentido da igualdade de todos em dignidade e direitos. É preconceituoso e pensa que os problemas se resolvem com a pancada. Isso é contra qualquer sentido democrático.

O que acha de uma eventual suspensão da reforma agrária, conforme ordenada pelo governo na terça-feira (8), apesar do recuou posterior?

É um ato anticonstitucional. A Constituição de 1988 prevê a reforma agrária. Ele não possui autonomia pessoal. Obedece ao agronegócio, à velha oligarquia que vive de privilégios e são, na verdade, os descendentes da Casa Grande. Temo apenas que essa exclusão da reforma agrária produza muita violência no campo e os sem-terra sejam criminalizados como terroristas.

E o papel desempenhado pelos movimentos sociais e pela esquerda brasileira diante do novo governo?

Acho que todos ficaram aturdidos se perguntando: como pode acontecer tudo isso e tanta insensatez em nosso país? Onde nós erramos? Como não conseguimos prever esse salto rumo à Idade Média? Creio que as esquerdas e os que compõem o campo progressista não encontraram ainda uma estratégia concreta para enfrentar tanto caos que já está se criando e que possivelmente aumentará.

Acredita na "união da esquerda", na luta pela manutenção de direitos?

Na minha opinião, é preciso criar uma frente ampla democrática, de partidos progressistas e de forças sociais para defender a democracia, os direitos fundamentais dos cidadãos e os bens públicos, que são a base de nossa soberania e da construção de uma nação com menos desigualdades sociais e, por fim, para impedir que se acrescente mais sofrimento aos que sempre sofreram em nossa história.

Mas tenho esperança de que o Brasil seja muito maior do que as pequenas cabeças dos que agora vão governar dentro de um rígido fundamentalismo de corte religioso com um projeto econômico-político ultraliberal que sempre favoreceu o mercado e os poderosos à custa da marginalização das grandes maiorias de nosso povo.

Qual sua maior preocupação na atual conjuntura?

Preocupo-me com a eventualidade de um golpe militar brando que afaste o atual presidente por vê-lo como um estorvo às políticas minimamente sensatas e nacionalistas. Já sabemos como funciona a cabeça do militar acostumado a identificar o inimigo e dar-lhe combate constante, especialmente contra os que se opõem a um tal governo. 

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