Blog do Conde
O fanatismo intimida. Acaba por ser sedutor encarnar um idiota fanático, imune aos fatos e indiferente aos argumentos. Há um efeito de força nisso tudo - evidentemente fraudulento, mas ainda assim efeito.
O Bolsonarismo é isso. É um campo do discurso em que seus adeptos se fortalecem na proporção em que negam a realidade. Por isso a Terra plana, por isso o kit Gay, por isso a mamadeira erótica.
Todos esses elementos são cápsulas de anti-sentido que ‘protegem’ uma legião de pessoas intelectualmente desassistidas da obrigação de terem de se reciclar e de buscar algum tipo de sentido para as próprias vidas.
Dar sentido à vida dá muito trabalho.
Deve ser muito confortável ser um bolsonarista. A desobrigação de pensar tem seu charme, sua cota de glamour extemporâneo. É uma espécie de ‘nirvana’ brasileiro. Em vez de fazer um mantra frequencial para atingir o clímax mental, eles fazem um mantra discursivo - ‘Lula tá preso, babaca’ - para atingir o clímax boçal.
Clímax é clímax, convenhamos.
Inegável, no entanto, que este processo de negação deliberada da realidade seja uma estratégia defensiva para aplacar a severa incompletude subjetiva que habita seres tão autoimpiedosos (afinal, enquanto eles degustam a sensação de força provisória, eles se autoaniquilam enquanto seres portadores de desejo).
Que desejo portar-se-á diante do grotesco humano indefensável que emerge da flacidez moral de um Jair Bolsonaro? Desejo de matar? Desejo de se matar?
Os bolsonaristas serão fatalmente resgatados de volta à civilização tão logo seu ídolo de esterco se dissolva no imaginário digital que lhe resta.
A linguagem tem esse caráter democrático do perdão. Ela tolera até a aniquilação do sentido em alguns momentos. Mas, tais processos, a rigor, a tornam autoimune, devolvendo aos usuários desgarrados de seu sistema a humanidade perdida – que assume caráter pedagógico diante da implacabilidade da história e dela própria, a linguagem humana.
Nesse sentido, o bolsonarismo agoniza. Seu grand finale é o próprio soterramento inequívoco, cadenciado e autoconsentido. Sua apoteose é a amnésia coletiva pronta a ser gerada por tamanha vergonha: “eu nunca confiei em Bolsonaro” é o enunciado ainda cru sendo gestado no forno impiedoso da história social.
Tal como o nazismo e o fascismo, o bolsonarismo já nasceu apontando para seu day after, para o ciclo de “jamais deixaremos isso acontecer de novo”. Hoje, apenas não se envergonham aqueles que estalam de pânico ao roçar o sentido de socialismo.
Não gostar do socialismo é uma coisa. Ter pânico sexual de sua discursividade é outra.
De sorte que o escudo social da burrice consentida bolsonarista vai perdendo sua densidade diante da espada que deseja o sentido e que deseja o embate franco.
Nenhuma das plataformas digitais que subsidiaram a eclosão deste modo suicida de enunciar supera a maior plataforma de todas: a linguagem humana.
‘O retorno da linguagem’ - que se anuncia neste momento diante da superação do colapso de seus protocolos consagrados - pode ser a mais interessante experiência política depois da Segunda Guerra, permitindo-nos, talvez, uma nova tentativa de superação coletiva de traumas.
Desta vez, no entanto, mais que um retorno à civilização, poderemos ter um retorno das práticas linguísticas consagradas, do argumento, do convívio, da cultura, do arrojo, do mergulho semântico-político que nos diferencia das sociedades ‘animalizadas’ preconizadas pelo bolsonarismo.
O fanatismo intimida e mata. Mas a história e a linguagem ainda são mais fortes que seus sabotadores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12