terça-feira, 23 de abril de 2019

Lara Resende detona ultraneoliberalismo de Guedes, por Cesar Fonseca

Para economista, proposta ortodoxa de Guedes, de enxugar o Estado, não daria certo ao desenvolvimento de nenhum país. '[Ministro] acaba com o Estado, vulnerabilizando soberania nacional, ao focar no acessório e não no essencial'



Foto: Reprodução


Por Cesar Fonseca

Choque ideológico

A inexistência de restrição financeira do governo para gastar, ampliando déficit público, para retomar o desenvolvimento econômico sustentável, colocada por André Lara Resende, em artigo no Valor Econômico, “Razão e superstição”, está provocando grandes controvérsias, nos meios econômicos, políticos e sociais, e colocando em xeque a política ultraneoliberal de Paulo Guedes.

Sua proposição joga por terra o neoliberalismo paulguedeseano radical, que inviabiliza retomada econômica, colocando em risco – como já temem os militares – as forças armadas, como avalistas do governo Bolsonaro, sem perspectiva alguma para enfrentar o grande problema nacional: a escalada do desemprego, da violência social e instabilidade política, como consequência da paralisia econômica.


Conforme Lara Resende, não tem sustentabilidade a proposta ortodoxa de Guedes, centrada no argumento ultraneoliberal de que prioritário é cortar gastos públicos, enxugar o Estado, tornando-o esquelético, e vender, a torto e a direito, patrimônio estatal, para fazer superávit primário(receita menos despesas, excluindo juros), de modo a equilibrar dívida/PIB, como condição sine qua non para diminuir juros e retomar a economia; miragem neoliberal de austeridade fiscal que não dá certo em nenhum lugar do mundo.

Guedes acaba com o Estado nacional, vulnerabilizando soberania nacional, ao focar no acessório e não no essencial; o essencial, para Lara Resende, é reformular a política econômica e monetária, que coloca o governo submetido aos interesses do mercado financeiro, por meio de formas inadequadas de controle do déficit e de pagamento da dívida pública, capazes de dar margem às amplas especulações; o acessório são reformas, igualmente, necessárias, como as da Previdência, mas não como Guedes propõe, ou seja, desmonte do sistema de seguridade social, para colocar em seu lugar sistema de capitalização, cujas consequências serão maiores instabilidades social, econômica e política; afinal, não haverá, com proposição de Guedes, garantia de retomada do emprego, da renda, do consumo, da produção, da arrecadação e dos investimentos; pelo contrário, tudo pode ir pelos ares.

Visão alternativa

Já a proposta de Lara Resende significa outra visão de Estado nacional, na linha do que se discute no partido Democrata americano, com vistas à disputa eleitoral com Trump, na eleição presidencial do próximo ano, em debate com repercussões internacionais, que começam a chegar ao Brasil.

Deixou de ser útil, portanto, deixou de ser verdade, segundo a ideologia utilitarista capitalista, a teoria ortodoxa de que inflação decorre do excesso de oferta de dinheiro na circulação, que eleva consumo da população, razão pela qual o remédio, para evitar pressões inflacionárias, deve ser aumento da taxa de juros; a grande crise capitalista de 2008 mostrou ser equivocada essa tese; os governos, nos países cêntricos, atacaram a crise aumentando oferta de dinheiro em circulação; a inflação, que deveria subir, caiu e a taxa de juros foi ao chão; facilitou a vida dos endividados governo, empresas e famílias; mantiveram-se estáveis consumo, produção e arrecadação; já os governos que seguiram o modelo neoliberal, de austeridade fiscal a qualquer custo, encalacraram-se; é nesse caminho que segue o governo Bolsonaro, sob orientação de Guedes, levando a economia à paralisia, iniciada com o golpe neoliberal de 2016.

Lara Resende joga na lata de lixo as teorias econômicas e monetárias ortodoxas; prega a heterodoxia econômica e monetária de Keynes e Abba Lerner, que sustenta expansão do déficit público, com entendimento de que o governo não tem restrições para elevar seus gastos, mediante mudança na política monetária, que altera, substancialmente, a relação Banco Central-mercado e Banco Central-tesouro; coloca em evidência nova lógica de pagamento oficial aos agentes financeiros, na tarefa de financiar a dívida pública, foco central do déficit fiscal governamental.

Novo sistema de pagamento

É preciso, segundo Lara Resende, reformular sistema de pagamento do governo da sua dívida; a forma como ele se financia deve ser mudada; hoje o tesouro se financia jogando seus títulos no mercado; de posse desses títulos, os bancos negociam com o Banco Central, que intermedeia a negociação tesouro-mercado, fornecendo e tomando dinheiro; mais conveniente, racional e correto, para Lara Resende, seria o Banco Central financiar o tesouro, do mesmo modo em que financia o mercado, ou seja, tomando e fornecendo moeda em troca dos títulos públicos; a relação entre tesouro-mercado deixaria de existir; essa relação passaria ocorrer, apenas, entre mercado e Banco Central, que se relacionaria diretamente com o tesouro, financiando-o.

Acabaria necessidade de se trabalhar com taxas de juros de curto e longo prazo, denominadas taxas intertemporais, sujeitas às especulações/agiotagens variadas; vigoraria, apenas, a taxa básica(Selic) diária, de curto prazo, o chamado overnight; o financiamento do tesouro diretamente pelo Banco Central e não mais pelo mercado, na troca de papel por dinheiro, eliminaria duas coisas: 1 – a restrição do governo para gastar e 2 – especulações com risco do governo, que eleva custo da dívida.

A discussão sobre a necessidade ou não de Banco Central independente do governo, para dar maior segurança ao mercado, preocupado com o que considera descontroles de gastos públicos, encerra-se, definitivamente, porque acaba, ao mesmo tempo, a relação tesouro-mercado; o mercado passa comprar títulos do tesouro diretamente do Banco Central, que os adquire junto ao tesouro, numa relação direta; reduz-se, dessa forma, custo de financiamento da dívida, pressionado pela especulação dos bancos relativamente à instabilidade – ficticiamente arranjada – das finanças públicas; desaparece a percepção especulativa de risco alimentada pelo mercado ao receber títulos do governo, na tarefa de financia-lo; essa função passa a ser executada pelo BC que financia o mercado como financia o governo.

Pleno emprego, medida de todas as coisas

O BC, segundo Lara Resende, passa a ser o único agente condutor das finanças no ambiente da moeda fiduciária; contém-se, dessa forma, a especulação financeira sobre a dívida pública, sujeita às oscilações das taxas de juros de curto e longo prazo; como o mercado cobra o risco de longo prazo em forma de juros altos trazidos a valor presente, a taxa de juros de curto prazo, fixada pelo BC, torna-se, igualmente, fonte de especulação, porque futuro vira presente, nessa incestuosa relação financeira, completamente, abstrata.

Alterada a forma de pagamento do governo, assim proposta por Lara Resende, o governo deixa de ter restrição para gastar; o limite de seus gastos passa a ser dado pela taxa de juro, fixada, a partir de então, abaixo da taxa de crescimento da economia, para favorecer pleno emprego; pleno emprego e moeda fiduciária tornam-se medidas de todas as coisas, controlados pela taxa de juros pro-crescimento e não pro-especulação; predomina, assim, o conceito de finanças funcionais, na linha do pensamento do economista Abba Lerner, base da tese do economista Gustavo Galvão, “Releitura das Finanças Funcionais”, da UFRJ, 2005.

O governo, segundo essa proposição, gasta o quanto for necessário para manter o pleno emprego sem receio de que a expansão monetária produza inflação, pois a taxa de juros, fixada abaixo do crescimento do PIB, controla o déficit fiscal, tornando-o, efetivamente, instrumento do desenvolvimento econômico sustentável.

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