sexta-feira, 10 de maio de 2019

Lagosta à Supremo, por André Motta Araújo

Quanto mais rico e civilizado o país, mais frugal e modesta será a mesa, quanto mais pobre e atrasado, mais requintado é o almoço. É o jeca querendo impressionar o "sinhô".



Lagosta à Supremo

por André Motta Araújo

Na última terça-feira, na Jovem Pan, o experiente jornalista J. R. Guzzo disse não ver nenhum problema no fato do STF abrir licitação para comprar lagostas, uísque de 18 anos e vinhos com no mínimo quatro premiações internacionais, entre outras iguarias, no valor de R$ 1,1 milhão. Disse que o Supremo recebe convidados internacionais e tem que recepcioná-los à altura. O jornalista erra em tudo, na forma e no conteúdo, no conceito e na finalidade.

Há uma regra tradicional em recepções oficiais de países para autoridades estrangeiras que os visitam. QUANTO MAIS RICO E CIVILIZADO O PAÍS, MAIS FRUGAL E MODESTA SERÁ A MESA, QUANTO MAIS POBRE E ATRASADO, MAIS REQUINTADO É O ALMOÇO. É o jeca querendo impressionar o “sinhô”.

Nas décadas do regime militar participei de muitas missões oficiais ao exterior, os Ministros da área econômica lideravam viagens de empresários para vender manufaturados brasileiros. A indústria brasileira ente 1960 e 1980 era grande exportadora de máquinas de tecnologia média, mais adequadas à África e Oriente Médio do que sofisticadas e muito mais caras que máquinas europeias. Injetoras de plástico e alumínio, máquinas de beneficiar arroz, cereais, café, câmaras frigoríficas, tornos, fresas, teares, o rol de manufaturas era imenso. O Brasil era fornecedor muito bem visto, esforço perdido na política do Plano Real. O Brasil de exportador de injetoras virou importador de injetoras chinesas e de tudo o mais. Perdemos mercados duramente trabalhados.

Esses mercados foram conquistados com uma POLÍTICA DE GOVERNO, concebida pelo Ministro Delfim Neto, onde o Banco do Brasil era o apodo ao exportador brasileiro, um esforço somado de governo+fabricante, como fazem todos os países do mundo, onde os consulados são parte do esforço de vendas, os britânicos são peritos nesse mecanismo de apoio, nós tínhamos um sistema implantado que foi desmontado pela política neoliberal.

Os governos desses países brindavam as missões lideradas por Ministros, presidente do Banco do Brasil, diretor da CACEX, com almoços ou jantares.

NUNCA vi exageros de comidas ou bebidas no Canada, México, Algéria, Tunísia, Nigéria, Iraque, Arábia Saudita, Kuwait, Bahrein. Eram recepções corretas, nada de exageros. No Canada, numa missão onde eu estava com o então Governador Paulo Maluf em 1981, a comida foi tão limitada que saímos do almoço e fomos ao McDonald. No Iraque, no jantar para comemorar a fundação do Banco Brasileiro Iraqueano S.A., missão liderada pelo Ministro Ernane Galveas, Saddam Hussein ofereceu um jantar típico com carneiros inteiros trinchados, os comensais pegavam pedaços com as mãos, o vinho grego era intomável, me salvei com a abundância de pistache à mesa, tudo lindo mas sem desperdício de comida e só produtos locais.

EM TODAS AS RECEPÇÕES OFICIAIS EM PAÍSES QUE PRODUZEM VINHO SÓ TEM VINHO DO PAÍS, é uma regra mundial. Só o Brasil oficial vira lata sai dessa regra e oferece vinho francês para visitantes estrangeiros, quando temos ótimos vinhos nacionais, mas os caipiras acham que chique é o francês. É uma atitude que os estrangeiros estranham, porque é desprezível. Os Países querem mostrar seus produtos, é a regra, mesmo se os vinhos não fossem tão bons ainda assim seriam nacionais, mas são ótimos. Na inauguração de uma fábrica na Carolina do Sul o governador ofereceu um almoço aos empresários brasileiros, só vinho da Califórnia, impensável vinho estrangeiro e os anfitriões faziam propaganda do vinho do País, com orgulho.

O fino, o sofisticado em recepções oficiais é ser frugal, é ter comida suficiente, mas não em excesso. Em uma recepção do Governo do Estado de São Paulo (1981) para canadenses havia cascatas de camarão em meio a bacias de ostras. Vi convidados torcendo o nariz “como um país pobre esbanja comida desse jeito?”, comentou uma autoridade canadense. Em vez de fazer bonito o Brasil faz feio e passa por ser brega e grosseiro.

A LICITAÇÃO DO SUPREMO

Depois de suspensa por uma juíza de 1ª instancia a licitação foi liberada por um desembargador. É um escárnio para o País, injustificável, mas não é coisa rara. Há uma inconsciência completa sobre esses sinais MUITO SIMBÓLICOS de respeito ao povo pobre, no Brasil essa percepção do SÍMBOLO não chegou.

Na Segunda Guerra Mundial o Rei Jorge VI fazia questão de entrar na fila do racionamento para pegar um ovo por semana para cada pessoa da família, a dele eram 4, esse racionamento durou até 1949, o rei compartilhava o racionamento com a população, ganhou o respeito eterno do povo britânico.

Autoridades se banquetearem com dinheiro público em um País onde há bolsões de miséria evidentes é um dos sinais mais grosseiros de uma nação incivilizada, grotesca. Como um tribunal mantido com dinheiro do contribuinte tem coragem de colocar na rua uma licitação escandalosa dessas?

Uísque de 18 anos, supercaro, querem mostrar o quê? E vinhos com 4 premiações para recepcionar sabe-se lá quem? Nem nos banquetes do Castelo de Windsor existe isso, a regra é a simplicidade na medida certa, não falta e não sobra, mas nunca se esbanja dinheiro do contribuinte com essa desfaçatez, especialmente em um tribunal cujo norte deve ser a justiça, a justeza, o equilíbrio, o bom senso. O País parece que aceita e isso diz muita coisa.

AMA

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