sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Como os Estados Unidos estão atuando nas eleições da América do Sul?


 

Por Juan Manuel Karg

Primeiro foi Evo Morales: o presidente boliviano, em entrevista publicada neste final de julho, denunciou que os Estados Unidos enviaram agentes de inteligência ao país, com a missão de se reunirem com a oposição ao seu governo, visando as eleições que se realizarão no próximo mês outubro. “Quero que saibam que o Departamento de Estado dos Estados Unidos está enviando seus agentes de inteligência. Estamos informados que estão se reunindo com alguns comitês partidários. O que estão planejando? Que mentira estão inventando desta vez?”, questionou o Chefe de Estado, que costuma se enfrentar publicamente com o país norte-americano e sua agenda anti-imperialista, desde antes de chegar ao governo.

Depois foi a vez de Rodolfo Nin Novoa, chanceler do Uruguai: ele afirmou, dias atrás, que os Estados Unidos “estão se metendo na campanha eleitoral” uruguaia – visando as eleições, que também acontecem em outubro. O que provocou a declaração do ministro e membro da Frente Ampla? A decisão dos Estados Unidos de emitir um alerta aos turistas que visitam o Uruguai, com respeito à insegurança no país. “É claro que o tema da segurança faz parte da campanha eleitoral no Uruguai. Há um plebiscito instalado (sob a consigna `Viver sem medo´) para reformar a Constituição e endurecer as medidas para combater o delito, que é um dos eixos da campanha do Partido Nacional (de direita)”, recordou Nin Novoa, vinculando a campanha da direita com o anúncio de Washington.

É interessante outra frase de Novoa para mostrar porque acredita que os Estados Unidos tentam impor uma mudança de governo no Uruguai. “Não tenho nenhum outro dado (para comprovar o afã estadunidense de intervir) além da história dos Estados Unidos nos últimos 50 anos”, disse o chanceler, com grande poder de síntese.

Embora tenha razão em dizer que o histórico é muito grande, não era preciso ir tão longe: o ex-presidente brasileiro Lula da Silva, em suas recentes entrevistas na prisão de Curitiba, vem denunciando o envolvimento do Departamento de Justiça dos Estados Unidos com o ex-juiz Sérgio Moro, algo que pode ser visto com sutileza nos chats vazados pela série de reportagens do jornalista Glenn Greenwald. Moro, que condenou Lula à prisão em 2017, agora é ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro, o presidente que chegou ao Palácio do Planalto principalmente pelo fato de que seu principal adversário não pode participar, já que estava preso. Também vale recordar a sequência completa dos fatos, para perceber melhor o absurdo que foi aquela eleição no país mais importante do continente, que também foram em outubro, mas de 2018.

Na Argentina, a conivência do atual presidente do país com os Estados Unidos vem de longa data: o jornalista Santiago O´Donnell documentou como Macri, quando era prefeito de Buenos Aires, pedia à embaixada dos Estados Unidos que exercesse maior pressão sobre Néstor Kirchner, e reclamava que Washington era um ator “passivo e permissivo” com o ex-presidente, algo que está registrado nos cabos vazados pelo WikiLeaks. O histórico direto relacionado com esse cenário é o da histórica Cúpula das Américas de 2005, em Mar del Plata, que terminou com o fim do projeto da ALCA (Acordo de Livre Comércio das Américas). Na ocasião, Kirchner teve uma atuação destacada como anfitrião, junto com o brasileiro Lula da Silva e o venezuelano Hugo Chávez. Depois de mais de uma década de kirchnerismo, Macri chegou finalmente à Casa Rosada: se vinculou primeiro com Obama, depois apoiou Hillary Clinton e, após sua derrota, se abraçou rapidamente com ao trumpismo, de forma irreflexivo e incondicional, devido à necessidade de que este o apoie na missão de resgatar a economia do país da quebra, com a ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Tendo em vista esses exemplos, e refletindo sobre o que acontece na Bolívia e no Uruguai, e o que aconteceu no Brasil no ano passado, surge uma pregunta crucial: como os Estados Unidos estariam atuando na decisiva eleição da Argentina, cujo primeiro turno também se realizará em outubro, e que pode alterar a correlação de forças a nível regional? É tarefa do mundo acadêmico e jornalístico investigar rigorosamente, e responder essa pergunta sem vacilações. Uma resposta que será decisiva para o futuro de uma democracia que não está sendo tutelada no próprio país. Nestas eleições presidenciais, a Argentina não só definirá quem se sentará na cadeira mais importante, mas também se haverá, a partir dessa decisão, uma margem de autonomia para o país neste mundo que caminha para uma confrontação cada vez mais nítida entre os Estados Unidos e a China, como mostra a escalada da guerra comercial e uma possível guerra de moedas. Pelos exemplos que temos visto neste artigo, e como parte dessa mesma disputa com a China, os Estados Unidos parecem estar decididos a ter um papel cada vez mais ativo – e amplamente questionável – na nossa região. Os latino-americanos precisam estar cientes da missão de derrotar esse intervencionismo. Ou será que a Argentina poderá se tornar, novamente, a ponta-de-lança de uma grande mudança no cenário geopolítico regional, como foi naquela derrota de Bush e seu projeto em 2005, em Mar del Plata?

Juan Manuel Karg é acadêmico do Instituto de Investigações Gino Germani, da Universidade de Buenos Aires (UBA) – Faculdade de Ciências Sociais.

*Publicado originalmente no Página/12 | Tradução de Victor Farinelli


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