Membros da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba extrapolaram competências constitucionais quando estudaram formas para afastar ministro do Supremo
Por Jornal GGN
Procuradores da Lava Jato. Imagem: reprodução
Jornal GGN – Mensagens trocadas entre os procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, mostram o quanto ficaram animados logo após o resultado do primeiro turno da eleição de 2018. Naquele momento ficou definida a nova composição do Congresso.
No Senado, onde pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) são julgados, a renovação foi expressiva. Das 32 cadeiras de senadores que tentaram a reeleição, 24 acabaram sendo ocupadas por parlamentares novatos.
Reportagem do UOL, divulgada nesta quinta-feira (08), em parceria com o site The Intercept Brasil, mostra que, logo após o fim da apuração no primeiro turno, em um chat no aplicativo Telegram, os procuradores da Lava Jato fizeram cálculos de quantos senadores teriam ao seu lado para votar a abertura de um processo de impeachment contra Gilmar Mendes.
7 de outubro de 2018 – chat “Filhos do Januário 3”
Diogo Castor – 20:45:52 – Lava jato saiu vitoriosa desta eleição
Deltan Dallagnol – 20:47:55 – Gente vamos receber vários casos legais
Diogo Castor – 20:48:33 – Da pra sonhar com impeachment de gm*?
Laura Tessler – 20:50:35 – Sonhar sempre pode, Diogo. Mas não tem chance de se concretizar
*gm é Gilmar Mendes
A grafia das mensagens foi preservada tal como constam no kit de mensagens entregues por uma fonte anônima ao Intercept.
A reportagem conta que os procuradores voltaram ao tema na madrugada do dia 8 de outubro, quando o membro da força-tarefa Paulo Roberto Galvão disse que “pela primeira vez” era “possível sim de se pensar em costurar um impeachment de Gilmar”.
8 de outubro de 2018 – chat “Filhos do Januário 3”
Deltan Dallagnol – 00:38:19 – “No Senado, dos 32 que tentaram renovar seus mandatos, 8 conseguiram. Recado explícito de insatisfação”.
Paulo Roberto Galvão – 01:07:32 – Olha aí. Agora sim, pela primeira vez é possível sim de se pensar em costurar um impeachment de Gilmar. Mas algo pensado e conversado e não na louca sem saber onde vai dar
Diogo Castor – 01:26:41 – Precisamos de 54 senadores
Diogo Castor – 01:27:03 – Se tem onze comprometidos com as medidas contra corrupção
Diogo Castor – 01:27:13 – Faltam 43 de 70
Algumas horas depois, o procurador Orlando Martello Júnior ponderou que o impeachment seria impossível, mas sugeriu uma forma de constranger o ministro do Supremo publicamente.
Orlando Martello Junior – 08:00:44 – Impeachment, diria, é impossível. Talvez costurar um pedido de convocação, em q ele fique exposto, com cobranças, puxão de orelha e coisa tal, é mais factível. Os novos senadores, q não tem o rabo preso, podem ver isso como uma alavancagem.
Orlando Martello Junior – 08:03:08 – Sem falar q o quórum para aprovação deve ser bem menor ou mesmo pode ser feito no âmbito de uma das comissões, talvez a de justiça (não vi o regimento!)
Por que afastar Gilmar Mendes?
As mensagens obtidas pelo Intercept mostram que os procuradores da Lava Jato manifestavam repúdio ao ministro Gilmar Mendes há algum tempo. O magistrado é um dos poucos no Supremo a criticar abertamente os excessos cometidos na Lava Jato, especialmente o uso das prisões preventivas.
Em 10 de junho de 2018, em uma conversa no chat “Filhos do Januário 3”, Gilmar voltou a ser assunto dos procuradores por conta de uma entrevista que deu ao jornal “O Estado de S.Paulo”. Na ocasião, o ministro do Supremo criticou o projeto das “10 medidas contra a corrupção”, apadrinhado por Dallagnol, dizendo que as iniciativas do pacote eram “completamente nazifasitas” e “coisa de tarado institucional”.
“Vou responder dizendo que Gilmar é um brocha institucional”, rebateu Deltan entre os colegas.
Indícios da influência da Lava Jato no Senado
Um dia antes desta reportagem, o UOL divulgou outra matéria mostrando que, em outubro de 2018, o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, articulou com o partido Rede Sustentabilidade, no Senado, uma ação contra Gilmar Mendes no STF, novamente extrapolando as competências como procurador da República.
Na ação, assinada por dois assessores do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o partido pedia que as decisões de Gilmar que resultaram na soltura de Beto Richa e outros 13 detidos, fossem cassadas, uma vez que o ministro não atuava como juiz natural, mesmo argumento utilizado pelos procuradores da Lava Jato em trocas de mensagens, dias antes de o partido protocolar a ação contra Gilmar no Supremo.
Em novembro, a ministra relatora do caso na Corte, Cármen Lúcia, negou seguimento à ação da Rede.
Na reportagem mais recente, o UOL ressalta que a nova legislatura do Senado tem sido marcada por tentativas de desgastes de ministros do Supremo, por serem considerados opositores da Lava Jato. Além de Gilmar, foram atingidos Ricardo Lewandowski e o presidente da Corte, Dias Toffoli.
Em fevereiro, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) protocolou um pedido para instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que ficou conhecida como “CPI da Lava Toga”. O objetivo seria investigar supostos abusos cometidos por membros do STF. A proposta contou com o apoio de outros 26 senadores, incluindo Randolfe Rodrigues.
O líder da Rede no Senado também tentou dar prosseguimento a um pedido de impeachment contra Gilmar, protocolado em março pelo jurista Modesto Carvalhosa, mas não saiu vitorioso.
UOL confirma veracidade de mensagens entregues ao Intercept
A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba se manifestou sobre a reportagem do UOL voltando a afirmar que o material exposto é fruto “de crime cibernético e tem sido usado, editado ou fora de contexto, para embasar acusações e distorções que não correspondem à realidade”.
O UOL, por sua vez, afirma que, ao analisar as conversas, “não viu indícios de que as mensagens tenham sido adulteradas”.
Quanto a informação de que tentaram articular a abertura de um processo de impeachment contra Gilmar Mendes, a força-tarefa da Lava Jato disse na nota:
“Dentre as medidas que podem ser analisadas e estudadas pelo Ministério Público em face de decisões que cogite inadequadas de um julgador, nesse contexto, está a análise de jurisprudência para apresentar recursos, a representação à respectiva corregedoria ou ao CNJ, ou ainda a representação pela suspeição ou pela apuração de infração político-administrativa (seguindo o rito de impeachment). Contudo, como é público, os procuradores jamais realizaram representação pelo impeachment do Ministro Gilmar Mendes. Os procuradores reafirmam que pautam sua conduta pela lei e pela ética e renovam sua confiança e respeito ao Supremo Tribunal Federal.”
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