Quando o vereador Carlos Bolsonaro disse, nas redes sociais, que é praticamente impossível realizar mudanças no Brasil dentro do regime democrático, provocando uma tímida reação em alguns setores de atividades, ele não estava emitindo uma opinião mas, aparentemente, transmitindo um aviso. Na boca de qualquer outro vereador a defesa da ditadura como solução para os problemas nacionais não teria a menor importância, mas feita por um dos filhos do Presidente da República, justo aquele que já derrubou dois ministros, fica evidente que o tema vem sendo discutido pelo clã Bolsonaro em encontros íntimos. Consciente de que sua popularidade vem despencando de maneira acelerada, inviabilizando seu projeto de reeleição, e preocupado com a gradativa ineficiência da sua indústria de fake news, que não produz mais o mesmo resultado observado na campanha eleitoral, Bolsonaro estaria aparelhando o seu governo para a implantação de uma ditadura mascarada, mantendo a aparência de democracia com o funcionamento das instituições. Isso explicaria a sua interferência pessoal no Ministério Público, no Coaf e na Policia Federal, que lhe proporcionaria o conhecimento privilegiado da vida de todo mundo, particularmente de ministros dos tribunais superiores e de deputados e senadores. Com acesso aos dados de cada um ele poderia controlar, com facilidade, os outros dois poderes, garantindo a homologação das suas medidas na órbita do Legislativo e do Judiciário.
Na verdade, já se verifica hoje o desenvolvimento de ações próprias dos regimes de exceção, como o monitoramento de atividades sindicais, por exemplo. Segundo recentes notícias divulgadas pela imprensa, o Gabinete de Segurança Interna da Presidência da República, sob o comando do general Heleno, estaria monitorando as reuniões dos sindicatos dos Correios e da Petrobrás, por meio de “arapongas”, para saber dos seus movimentos relacionados a greves. O mesmo deve acontecer com o sindicato dos caminhoneiros. Recentemente a policia invadiu uma reunião de mulheres em São Paulo. E tudo indica que já estaria em plena execução o método de espionagem, utilizado pela ditadura militar em todos os órgãos, através das assessorias de segurança interna. Não há dúvida de que tem alguém orientando o capitão-presidente a tomar determinadas medidas que possam exorcizar qualquer tentativa de apeá-lo do poder, pois há quem acredite que ele não conseguirá chegar ao final do seu mandato. Parece visível o clima de desconfiança dentro do próprio governo que, em apenas nove meses, já perdeu aliados de primeira hora, como Gustavo Bebianno, por exemplo. Para completar, o seu partido, o PSL, está se esfacelando, com brigas internas que tendem a deixá-lo bem menor do que o número observado no inicio do mandato. E isso certamente terá reflexos negativos nas votações do seu interesse no Congresso Nacional que, ao que tudo indica, deverá derrubar os seus vetos à lei contra o abuso de autoridade. Só lhe restaria, portanto, tentar implantar um regime de força em que não precise de ninguém para fazer valer a sua vontade.
Uma das peças-chave para o sucesso do plano dos Bolsonaro seria a manutenção da prisão de Lula que, segundo previsão de alguns observadores, pode conseguir a liberdade em outubro próximo. Para impedir a libertação do ex-presidente o capitão deverá aumentar a pressão sobre os ministros da Corte Suprema, cujo presidente Dias Tóffoli vem adiando seguidamente o julgamento do habeas corpus em favor de Lula e o pedido de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, cuja atuação criminosa na Lava-Jato foi desmascarada pelo site The Infercept. Acredita-se, no entanto, que graças à divulgação dos diálogos secretos dos integrantes da força-tarefa, que expôs a trama montada nos subterrâneos daquela operação para prender o líder petista e impedi-lo de concorrer às últimas eleições, o clima mudou no Supremo Tribunal Federal, onde já haveria uma predisposição para a aprovação da sua libertação. O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, o único que tem tido a coragem de criticar severamente a Lava-Jato, tem emitido sinais de que tanto a suspeição do hoje ministro da Justiça como a liberdade do ex-presidente desta vez serão aprovadas pela Suprema Corte que, até agora, tem fingido desconhecer as denúncias do The Intercept.
Ainda existe, porém, quem acredite que se depender desse Supremo que está aí, com a maioria dos ministros nomeados pelos governos petistas, Lula vai apodrecer na prisão, como deseja o presidente Bolsonaro. E justificam seu ceticismo lembrando que ele não consegue uma decisão favorável a nenhuma das suas dezenas de ações, embora magistrados e juristas do mundo inteiro reconheçam que a sua condenação foi uma farsa, uma manobra política para impedi-lo de concorrer nas últimas eleições presidenciais, o que faz dele um preso político. Todo mundo, até bandidos, consegue a liberdade mediante habeas corpus, mas o ex-presidente não, parecendo haver uma determinação dentro do Judiciário, em todas as instâncias, para que ele jamais obtenha a liberdade. Por que? Já não conseguiram o que queriam, a derrubada do PT do poder e a eleição de Bolsonaro? O que ainda querem? Matá-lo? Que força oculta poderosa é essa que intimida a Suprema Corte, a ponto de leva-la à realização de escandalosas manobras, como adiamento ou inversão da pauta, para evitar qualquer possibilidade de beneficiá-lo? E quando, por um descuido, alguém abre uma brecha para permitir a sua liberdade, todos se mobilizam, de imediato, para fechá-la, como foi o caso do HC concedido pelo desembargador Favretto, no Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, e a liminar do ministro Marco Aurélio Mello mandando libertar todos os presos condenados em segunda instância. Tem-se a impressão de que a perspectiva de libertação de Lula deixa todos em pânico. Por que?
Aparentemente eles temem que o maior líder popular deste país possa mobilizar o povo e retornar ao poder, novamente retirando grande parte da população da linha de pobreza, reabrindo as oportunidades de estudo e emprego para os mais pobres, retomando o crescimento, restaurando a soberania do Brasil e recolocando-o entre os principais atores do cenário mundial. Se isso é muito bom para o nosso pais, quem poderia ser contra? A resposta é óbvia: os maus brasileiros, os bolsonaristas, os exploradores do povo e os Estados Unidos. Ninguém tem dúvidas de que o governo norte-americano esteve e está por trás de todos os acontecimentos que culminaram com a destituição da presidenta Dilma Roussef, a prisão de Lula e a eleição de Bolsonaro. Mas – perguntariam os tolos e vira-latas – por qual motivo? Porque os norte-americanos sempre desejaram apossar-se das riquezas naturais do Brasil, especialmente o petróleo, e Lula se tornou o principal obstáculo às suas pretensões. E mais: no governo do petista eles, os norte-americanos, ficaram muito preocupados com a aproximação do Brasil da Russia e da China, sobretudo depois da criação do BRICS, o que os levou a planejar a executar o golpe de 2016, com a valiosa colaboração da mídia e dos tucanos, depois do fracasso da tentativa de tomar o poder, pela via democrática, nas eleições de 2014. Eles temem que, com Lula voltando ao poder, possam deixar escapar o Brasil do seu domínio, hoje inteiramente submisso com Bolsonaro na Presidência.
O capitão-presidente, em apenas oito meses de governo, já causou mais prejuízos ao Brasil do que o seu antecessor, Michel Temer, em dois anos no Planalto, onde chegou após o golpe que destituiu a presidenta Dilma Rousseff. Os dois são submissos a Tio Sam (certamente por isso Temer continua em liberdade, apesar das graves acusações sobre sua atuação no porto de Santos), mas Bolsonaro o superou ao se tornar uma cópia piorada de Donald Trump, imitando-o até no comportamento agressivo, brigando com todo mundo dentro e fora do país. Só falta pintar o cabelo de amarelo e aumentar o topete. Após uma perlenga imbecil e desnecessária com o presidente francês Macron, a quem acusou de tentar interferir em nossa soberania – como se em algum momento tenha pelo menos se importado com ela – Bolsonaro agrediu gratuita e cruelmente a ex-presidenta chilena Michelle Bachelet, ao elogiar o assassinato do seu pai pela ditadura de Pinochet, o que provocou reações contundentes no Brasil, no Chile e em outros países. Bachelet ocupa, atualmente, o cargo de Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, o que deixa o capitão em situação bastante difícil para fazer o discurso de abertura da Assembléia Geral das Nações Unidas, um privilégio concedido ao Brasil que virou tradição naquele organismo. Como seria a sua recepção naquela assembleia, que reúne as nações do mundo do inteiro? As vaias não são improváveis.
Certamente com receio que isso possa acontecer, Bolsonaro, talvez aconselhado pelos que pensam por ele, programou sua cirurgia para o período que antecede a reunião, de modo a ter uma justificativa para não comparecer ao evento. Com sua ausência ele se subtrairá ao constrangimento e evitará uma nova vergonha para o Brasil. Será melhor para ele e para o país que permaneça em “convalescença”. E aproveite esses dias para pensar – se é que tem cérebro para isso – meditando sobre o seu comportamento grosseiro e impróprio para um chefe de Estado que, ao invés de se preocupar em encontrar soluções para os problemas nacionais, prefere agredir e ofender mulheres, como Michelle Macron e Michelle Bachellet, grosseria imitada de maneira subserviente pelos seus auxiliares, entre eles o ministro da Economia Paulo Guedes, o que evidencía o nível desse governo. Bolsonaro, na verdade, conseguiu enquadrar todos os seus auxiliares e apoiadores, incluindo os seus filhos, silenciando-os de repente. Hoje, quando não falam para bajulá-lo, repetindo suas grosserias, ficam calados, como os generais de pijama e o seu guru, o astrólogo Olavo de Carvalho. Até o vice-presidente Hamilton Mourão, antes tão falante, o que lhe garantiu maior espaço na mídia, hoje se mantém mais discreto, evitando pronunciamentos. Percebe-se, porém, sem muita dificuldade, que de tantos fakes espalhados pelo país o capitão-presidente e os integrantes do seu governo acabaram se convencendo das próprias mentiras: Bolsonaro diz que está “reconstruindo” o país e Guedes garante que são grandes os “avanços”. Como teria dito Confúcio: “Uma mentira dita mil vezes vira verdade”.
Companheiras e companheiros de todo o Brasil,
Sempre acreditei que o povo brasileiro é capaz de construir uma grande Nação, à altura dos nossos sonhos, das nossas imensas riquezas naturais e humanas, nesse lugar privilegiado em que vivemos. Já provamos, ao longo da história, que é possível enfrentar o atraso, a pobreza e a desigualdade, com soberania e no rumo da justiça social.
Mas hoje o país está sendo destroçado por um governo de traidores. Estão entregando criminosamente as empresas, os bancos públicos, o petróleo, os minerais e o patrimônio que não lhes pertence, mas ao povo brasileiro. Até Amazônia está ameaçada por um governo que não sabe e não quer defendê-la; que incentiva o desmatamento, não protege a biodiversidade nem a população que depende da floresta viva.
Nenhum país nasce grande, mas nenhum país realizará seu destino se não construir o próprio futuro. O Brasil vai completar 200 anos de independência política, mas nossa libertação social e econômica sempre enfrentou obstáculos dentro e fora do país: a escravidão, o descaso com a saúde, a educação e a cultura, a concentração indecente da terra e da renda, a subserviência dos governantes a outros países e a seus interesses econômicos, militares e políticos.
Apesar de tudo, ao longo da história criamos a Petrobrás, a Eletrobrás, o BNDES e as grandes siderúrgicas hidrelétricas; os bancos públicos que financiam a agricultura, a habitação e o ensino; a rede federal e estadual de universidades, a Embrapa, o Inpe, o Inpa, centros de pesquisa e conhecimento, todo um patrimônio a serviço do país.
O que foi construído com esforço de gerações está ameaçado de desaparecer ou ser privatizado em prejuízo do país, como fizeram com a Telebrás, a Vale, a CSN, a Usiminas, a Rede Ferroviária, a Embraer. E sempre a pretexto de reduzir a presença estado, como se o estado fosse um problema quando, na realidade, ele é imprescindível para o país e o povo.
O mercado não vai proteger um dos maiores territórios do mundo, o subsolo e a plataforma continental; a Amazônia, o Cerrado, o Pantanal. Não vai oferecer acesso universal à educação, saúde, seguridade social, segurança pública, cultura. O mercado não vai construir um país para todos.
A Petrobrás está sendo vendida aos pedaços a suas concorrentes estrangeiras. Já entregaram dois gasodutos estratégicos, a distribuidora e agora querem as refinarias, para reduzi-la a mera produtora de petróleo bruto e depois vender o que restou. Reduzem a produção de combustíveis aqui para importar em dólar dos Estados Unidos. E por isso disparam os preços dos combustíveis e do gás para o povo.
Se a Petrobrás fosse um problema para o Brasil, como a Rede Globo diz todo dia, por que tanta cobiça pela nossa maior empresa e pelo pré-sal, que os traidores também estão entregando? Agora mesmo querem passar a eles os poços da chamada Cessão Onerosa, onde encontramos jazidas muitas vezes mais valiosas que as ofertas previstas no leilão.
Problema é voltar a comprar lá fora os navios e plataformas que sabemos fazer aqui. É a destruição da cadeia produtiva de óleo e gás, pela ação do governo e pelas consequências do que fez um juiz em Curitiba. Enquanto fechava acordos com corruptos, vendendo a falsa ideia de que combatia a corrupção, 2 milhões de trabalhadores foram condenados ao desemprego, sem apelação.
Os trabalhadores e os mais pobres são os que mais sofrem com essa traição. Cada pedaço do país e das empresas públicas que vendem, a qualquer preço, são milhões de empregos e oportunidades roubadas dos brasileiros.
É uma traição inominável matar o BNDES, vender o Banco do Brasil e enfraquecer a Caixa Econômica, indispensáveis ao desenvolvimento sustentável, à agricultura e à habitação. O ataque às universidades públicas também é contra a soberania nacional, pois um país que não garante educação pública de qualidade, não se conhece nem produz conhecimento, será sempre submisso e dependente das inovações criadas por outros.
Bolsonaro entregou nossa política externa aos Estados Unidos. Deu a eles, a troco de nada, a Base de Alcântara, uma posição privilegiada em que poderíamos desenvolver um projeto aeroespacial brasileiro. Rebaixou a diplomacia a um assunto de família e de conselheiros que dizem que a terra é plana. Trocou nossas conquistas na OMC pela ilusão da OCDE, o clube dos ricos que o desprezam. Anunciou um acordo com a União Europeia, sem pesar vantagens e prejuízos, e agora brinca de guerra com os europeus para fazer o jogo de Trump.
Quem vai ocupar o espaço da indústria naval brasileira, da indústria de máquinas e equipamentos, da engenharia e da construção, deliberadamente destroçadas? Quem vai ocupar o espaço dos bancos públicos, da Previdência; quem vai fornecer a Ciência e a Tecnologia que o Brasil pode criar? Serão empresas de outros países, que já estão tomando nosso mercado, escancarado por um governo servil, e levando os lucros e os empregos para fora.
Fiquem alertas os que estão se aproveitando dessa farra de entreguismo e privatização predatória, porque não vai durar para sempre. O povo brasileiro há de encontrar os meios de recuperar aquilo que lhe pertence. E saberá cobrar os crimes dos que estão traindo, entregando e destruindo o país.
É urgente enfrentá-los, porque seu projeto é destruir nossa infraestrutura, o mercado interno e a capacidade de investimento público – para inviabilizar de vez qualquer novo projeto de desenvolvimento nacional com inclusão social. O povo brasileiro terá mais uma vez que tomar seu próprio caminho. Antes que seja tarde demais para salvar o futuro.
Por isso é tão importante reunir amplas forças sociais e políticas, como neste seminário que se realiza hoje em Brasília, junto ao lançamento da Frente Parlamentar Mista da Soberania Nacional. Saúdo a todos pela relevante inciativa que é o recomeço de uma grande luta pelo Brasil e pelo povo.
Daqui onde me encontro, renovo a fé num Brasil que será novamente de todos, na construção da prosperidade, da igualdade e da justiça, vivendo na democracia e exercendo sua inegociável soberania.
Viva o Brasil livre e soberano!
Viva o povo brasileiro!
Luiz Inácio Lula da Silva
Curitiba, 4 de setembro de 2019
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