quarta-feira, 11 de setembro de 2019

“Dia do Fogo”: chamas acendem suspeitas no município amazônico Novo Progresso

Reportagem da Reuters aponta insatisfação histórica dos agricultores pela falta de certidão de terras e ainda a perseguição sofrida pelo jornalista que alertou sobre o "Dia do Fogo"


Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Jornal GGN – Adecio Piran, o jornalista que denunciou o “Dia do Fogo”, evento que ocorreu no dia 10 de agosto em Nova Progresso, município do Pará, localizado na região amazônica, se escondeu temporariamente depois de receber ameaças de morte e hoje evita sair à noite. A informação é da Reuters que enviou uma equipe de reportagem ao local que se tornou o epicentro das queimadas que chamaram a atenção do mundo inteiro para o Brasil.

A polícia local pediu que promotores estaduais inscrevam Adecio Piran em um programa de proteção a testemunhas. Além das ameaças contra sua vida, circulam pelo município panfletos denunciando-o como um mentiroso responsável, ele mesmo, pelo fogo que incendiou vários pontos de Novo Progresso a partir do fatídico sábado do “Dia do Fogo”.

A matéria de Adecio Piran foi publicada no dia 5 de agosto, no site da Folha do Progresso, baseada em mensagens trocadas via WhatsApp de produtos e fazendeiros que planejavam realizar uma série coordenada de incêndios. Uma das inspirações para o ato criminoso era o próprio presidente Jair Bolsonaro que, em diversas ocasiões havia manifestado o propósito de abrir a maior floresta tropical do mundo para o desenvolvimento.

Graças à matéria de Piran, o Ministério Público alertou, três dias antes, o governo sobre o que estava sendo planejado – e colocado em prática – por agricultores e grileiros às margens da BR-163. O órgão enviou um ofício ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), ligado ao Ministério do Meio Ambiente, com informações sobre a iminência dos incêndios.

Dois dias depois do “Dia do Fogo”, em 12 de agosto, o Ibama respondeu que havia comunicado a Coordenação de Operações de Fiscalização e o Núcleo de Inteligência da Superintendência do Pará ressaltando que “devido aos diversos ataques sofridos e à ausência de apoio da Polícia Militar do Pará” as ações de fiscalização não aconteceram por “envolverem riscos relacionados à segurança das equipes em campo”.

O Ibama disse ainda que foram “expedidos ofícios de solicitando o apoio da Força Nacional de Segurança”, mas que não obteve retorno sobre esse pedido.

Imagens obtidas via satélites do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram que do dia 9 a 10 de agosto, os pontos de incêndio no município saltaram de 31 para 124. O fogo é usado anualmente por moradores e agricultores (de forma ilegal) para limpar as pastagens ou áreas desmatadas.

A reportagem da Reuters ressalta que muitos moradores de Novo Progresso estão insatisfeitos com toda a atenção repentina que a cidade, de apenas 30 mil habitantes, ganhou.

“A maioria dos agricultores abordados pela Reuters se recusou a ser entrevistada. Muitos descartaram a história da Folha do Progresso como lixo, chamando de invenção e fabulista. ‘Para vocês de fora, somos todos criminosos aqui’, disse um fazendeiro, recusando-se a dar seu nome”, escreve Stephen Eisenhammer que assina a matéria.

O repórter chegou em Nova Progresso vinte dias depois do “Dia do Fogo, em 30 de agosto, mas disse que ainda era possível ver e sentir uma fumaça que “pairava” em algumas partes do município. “Troncos de árvores carbonizados e cinzas cobriam o chão onde a selva estava recentemente”, descreveu.
Ele observou ainda que moradores da cidade ficaram ressentidos com a chegada da polícia federal e dos militares. “Os comerciantes de gado reclamam que isso é ruim para os negócios”.

O jornalista enviou pedidos de entrevista ao Ministério do Meio Ambiente e ao Ibama, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria. Por outro lado, conseguiu falar com a ex-prefeita de Novo Progresso, Madalena Hoffmann.

Ela disse que não sabe se os incêndios do dia 10 de agosto foram intencionalmente coordenados ou não. Mas culpa o governo por impor regras ambientalistas tão complicadas e rigorosas que os agricultores se sentem impelidos a infringir a lei para exercer seu comércio. “Fundamentalmente, é culpa do governo”, pontuou.

A reportagem da ressalta que Novo Progresso foi fundada nos anos 80, por incentivo da ditadura militar, com a promessa de terra e oportunidades às famílias que foram atraídas para a região.

“As forças armadas, onde o ex-capitão do Exército Bolsonaro começou, viam a Amazônia praticamente desabitada como um vasto recurso rico em recursos, vulnerável à invasão ou exploração por estrangeiros. Os militares construíram estradas e incentivaram o assentamento”, escreve Eisenhammer.

Mas, com o fim da ditadura, em 1985, o projeto para a Amazônia, nos governos que assumiram dali em diante, não era mais a exploração predatória, mas a conservação.

O fazendeiro Moisés Berta, de 59 anos, disse que se mudou para Novo Progresso em 1981, com a esperança de iniciar uma fazenda de sucesso. Mas hoje acusa o governo de tê-lo deixado à sorte e, até hoje, não conseguiu registrar o título de suas terras, mesmo após 38 anos de exploração.

“Ele pode não ter os direitos à sua terra, mas, segurando o telefone, Berta mostrou um documento referente a quatro casos abertos contra ele do Ibama, o órgão ambiental. Perguntado sobre as leis que ele supostamente violou, ele sorriu. ‘Eu não tenho idéia’, disse ele”, observa o repórter da Reuters.

Segundo informações do sindicato de agricultores do município, 90% dos agricultores e pecuaristas não têm suas terras reconhecidas formalmente. A reportagem destaca ainda que os agricultores ficaram ainda mais irritados quando, em 2006, o governo estabeleceu uma vasta reserva a oeste do Novo Progresso, chamada Floresta Nacional Jamanxim, que eles dizem ter estrangulado sua capacidade de expansão.

Cerca de 500 agricultores já estavam explorando a reserva quando o governo a criou com o objetivo de retardar o desmatamento na região vizinha ao estado do Mato Grosso.

“Muitos dos incêndios de 10 de agosto ocorreram dentro da Floresta Nacional Jamanxim, a reserva mais desmatada do Brasil este ano, mostram dados do governo. Mais de 100 quilômetros quadrados de floresta tropical foram limpos desde janeiro, uma área quase o dobro do tamanho de Manhattan”, pontua o jornalista Stephen Eisenhammer.

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