quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Edital do ministério da Economia é acusado de ‘práticas imorais’

              ANDRÉ BARROCAL

Acusação está em pedido de impugnação. Federação de policiais acionou o Ministério Público Federal. BTG ganha?

O banqueiro André Esteves foi estagiário de Paulo Guedes no BTG, banco do qual o ministro da Economia foi um dos fundadores. Preso em 2015 acusado de obstruir a Justiça, André foi inocentado por falta de provas em 2018 e em dezembro voltou ao grupo controlador do BTG, do qual tivera de sair quando da prisão. Voltou a tempo de estar na ala vip na festa da posse de Guedes no governo.

Esteves, o 12o brasileiro mais rico, fortuna estimada em 3 bilhões de dólares pela Forbes, tem feito grandes negócios no atual governo. O BTG assessorou, por exemplo, a empresa suíça que venceu o leilão, em março, de transferência do aeroporto de Vitória à gestão privada. O lucro do banco no segundo trimestre foi 56% maior que o de 2018, 972 milhões de reais.

Em 31 de julho, o BTG concluiu o treinamento de sete startups, empresas jovens com potencial de lucro rápido, nas quais apostará em 2019. Deve ter exultado três semanas depois, quando a equipe de Paulo Guedes botou na praça um edital, que deve ter o resultado divulgado nesta quarta-feira 11, para escolher quem ofereça aos servidores públicos descontos em produtos e serviços, um negócio do tipo “clube de vantagens”.

Hoje há mais de uma centena de clubes no Brasil, em sua maioria pequenas empresas. Diante das regras do edital, estima-se no mercado que só umas cinco empresas têm condições de disputar o acesso a 1,2 milhão de servidores. Entre elas, uma das startups nas quais o BTG resolveu fazer fé, a Allya.

Quem também tem condições de disputar é uma empresa que, em maio, esteve na berlinda graças a gravações clandestinas a indicar que uma das pessoas por trás da firma era um ex-deputado mineiro que por dois meses foi assessor especial na Casa Civil do governo Jair Bolsonaro. A empresa é a Dois5F. O ex-deputado é o emedebista Leonardo Quintão.

Não surpreende o edital do Ministério da Economia, o chamamento público 03/2019, ter sido alvo de um pedido de impugnação em 3 de setembro. “Os termos expostos neste chamamento corroboram com práticas imorais de mercado e não protegem o servidor público”, diz o documento.

O pedido foi encaminhado ainda ao Ministério Público Federal (MPF), ao Tribunal de Contas da União (TCU) e à Controladoria Geral da União (CGU). Partiu de uma empresa do ramo do clube de vantagens, a Markt, que já trabalha para algumas categorias de servidores – o serviço que o Ministério da Economia quer oferecer ao funcionalismo já existe.

Um dos clientes da Markt é a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef). Esta também não gostou do edital. Em 6 de setembro, cobrou esclarecimentos do Ministério da Economia e pediu à Procuradoria Geral da República e ao MPF no Distrito Federal a suspensão do edital.

“Causa estranhamento a abertura de um processo de concorrência para prestação de um serviço que os servidores já possuem junto às suas entidades representativas, sem que nada a mais seja cobrado deles”, diz o documento da Fenapef. “Como entidade que representa o maior número de policiais federais no Brasil, pedimos que este processo seja devidamente esclarecido ou revisto, levando em conta que o formato adotado pode colocar em risco a segurança não apenas da nossa carreira, mas também as demais carreiras ligadas à segurança pública e fiscalização.”

Os clubes de descontos que já atendem hoje algumas carreiras públicas funciona assim: a entidade associativa da categoria paga uma mensalidade a um “clube”, este monta uma lista de fornecedores de bens e serviços com descontos e faz propaganda deles ao servidor, via site ou aplicativo. Para acessar o serviço no site ou no app o servidor precisa dar seus dados pessoais.

As duas associações dos funcionários da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a Asbin e a Aofi, têm contratos com clube de vantagens. São contratos com cláusulas de sigilo de dados, inclusive a previsão de destruição dos dados ao fim do contrato. Uma tentativa de preservar a identidade e a integridade de servidores de áreas delicadas.

O edital do Ministério da Economia prevê que o clube que vier a ser contratado não poderá cobrar mensalidade, apenas comissão pelo desconto proporcionado ao servidor. Também não prevê que o governo forneça os dados pessoais do servidor, este é que dará por conta própria ao clube.

A federação dos policiais preocupa-se com esse modelo. Diz que não há como um clube de compras ser operado sem os dados do servidor. Este precisará de fornecê-los para fazer login no site ou no app. Mas o edital diz que o governo não fornecerá no atacado. E não diz nada sobre sigilo que deveria ser garantido aos dados informados pelo servidor ou por quem vier a repassar os dados.

“Em suma”, diz a Fenapef, “o que se identifica neste caso é: ou o sistema será aberto à população em geral porque não terá login (o que não faria sentido executar uma licitação para isso) ou em algum momento este Ministério da Economia encaminhará os dados dos servidores públicos para a empresa ganhadora validar o login do sistema. Mesmo no caso do Ministério da Economia conhecer alguma forma nunca antes vista de executar este login de acesso sem repassar os dados para o ganhador da concorrência, ainda assim, não encontramos nada no edital quanto às regras para captação, armazenamento, sigilo e destruição do banco de dados no encerramento do contrato com o ganhador da concorrência”.

Há quem diga que o filé mignon do clube que o governo tenta viabilizar são os dados pessoais do funcionalismo. Há 1,2 milhão de servidores, incluindo aposentados. Um público de renda alta e acima da média brasileira. O leitor certamente já recebeu por sms, e-mail ou telefone mensagens com ofertas de produtos, serviços, etc.

Via assessoria de imprensa, o ministério da Economia diz que estudava o assunto desde o início do ano. Que o “objetivo é criar um instrumento exclusivo para proporcionar vantagens aos servidores, inspirando pessoas tenham potencial de transformar o país”. E que pretende que isso seja feito “sem gerar custos para a administração pública federal”.

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