Um ano depois do acordo entre Petrobras e EUA, prevalece a nebulosidade em torno da cooperação da Lava Jato com os norte-americanos, que lesou a petroleira em 853 milhões de dólares
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Foto: Lula Marques
Jornal GGN – O Supremo Tribunal Federal encerrou, em setembro passado, o imbróglio da chamada “fundação Lava Jato” sem se debruçar sobre aspectos nebulosos do acordo firmado entre Petrobras e autoridades dos Estados Unidos em setembro de 2018.
Pela decisão assinada pelo ministro relator Alexandre de Moraes, o caso foi encerrado sem que os procuradores de Curitiba explicassem objetivamente sua participação nas negociações feitas entre a petroleira e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (em inglês, DOJ) e a Comissão de Valores Mobiliários (em inglês, SEC).
Ao contrário disso, a decisão registrou um conflito nas versões apresentadas pela turma de Curitiba e pela Procuradoria-Geral da República.
Curitiba vinha afirmando que “intermediou” o acordo da Petrobras nos EUA, e por isso 80% da multa imposta à empresa retornaria ao Brasil. Já a PGR argumentou perante o STF que a força-tarefa coordenada por Deltan Dallagnol não teve nada a ver com isso.
Os termos assinados pela Petrobras com DOJ/SEC completaram 1 ano no mês passado e, até hoje, a Lava Jato em Curitiba não esclareceu qual foi seu papel na ação que levou a maior empresa do governo brasileiro a desembolsar 853 milhões de dólares, sendo que o Tesouro dos EUA e a SEC ficaram, cada um, com 10% desse valor.
Na decisão, Moraes apenas anotou que foi de maneira “inexplicável” que, em janeiro de 2019, os procuradores de Curitiba sentaram-se à mesa sozinhos com a Petrobras e firmaram um segundo acordo dando destinação à multa em reais: 2,5 bilhões.
Metade disso, R$ 1,25 bilhão, ficaria num fundo patrimonial para financiar ações sociais e anticorrupção sob a influência dos próprios procuradores de Curitiba. E a outra parcela seria para indenizar acionistas que movem ações no Brasil – um objetivo proibido pelos EUA, que impediram no contrato que o dinheiro pudesse vir a ser utilizado para quitar qualquer passivo da Petrobras.
O REGISTRO DAS CONTRADIÇÕES
No STF, a PGR argumentou que a “Procuradoria da República do Paraná” não era “parte nem interessada” no processo que os EUA armaram contra a Petrobras.
Porém, a força-tarefa disse o contrário à juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal de Curitiba. Para convencer a magistrada a homologar o segundo acordo, entre Petrobras e Lava Jato, Dallagnol e equipe afirmaram que, não fosse pelo trabalho deles e da Petrobras junto às autoridades americanas, 80% da multa não teriam retornado ao Brasil.
Essa versão ficou registrada em pelo menos dois momentos da decisão favorável à criação da “fundação Lava Jato”.
Primeiro, quando Hardt escreveu: “Sem a intervenção do MPF [de Curitiba] e da Petrobras, muito provavelmente não seria possível a amortização de 80% da multa milionária pactuada no acordo com as autoridades daquele País, mediante pagamentos e investimentos de interesse coletivo no território nacional. Por esta circunstância concreta, é o MPF a entidade melhor posicionada para a celebração do presente acordo com a Petrobras.”
Segundo, quando os procuradores sustentaram: “Por iniciativa do Ministério Público Federal e da Petrobras, as autoridades norte-americana consentiram com que até 80% do valor previsto nos acordos com as autoridades dos Estados Unidos da América sejam satisfeitos com base no que for pago no Brasil pela Petrobras, conforme acordado com o Ministério Público Federal.”
ATUAÇÃO NEBULOSA
Não está escrito em nenhum documento oficial que o norte-americanos “acordaram” que o “MPF” decidiria como o dinheiro oriundo da multa aplicada à Petrobras seria gasto no Brasil.
A afirmação dos procuradores de Curitiba sobre a “intervenção” sugere que eles podem ter participado das negociações nos EUA, mas nos bastidores, porque o fato é que isso não foi expressamente registrado nos contratos com a SEC e o DOJ.
O conflito é gritante: de um lado, a PGR afirmando que Curitiba nada teve a ver com o acordo nos EUA. De outro, a equipe de Dallagnol se declarando merecedora de dar cabo de parte dos recursos.
É curioso que o STF não tenha se estendido sobre esses fatos, principalmente porque há dados oficiais do MPF sobre as viagens dos procuradores da Lava Jato aos EUA. Em pelo menos 2 delas, o encontro era com oficiais do DOJ/SEC:
Janot e Dallagnol viajaram entre 7 e 12 de fevereiro de 2015, para “participar de diligências referentes à Operação Lava Jato.”
Paulo Roberto Galvão viajou entre 5 e 9 de abril de 2016 para “reuniões com procuradores do Departamento de Justiça e com integrantes da Securities and Exchange Commission, sobre o caso Lava Jato.”
Carlos Fernando dos Santos Lima, Dallagnol e Orlando Martello viajaram para “reunião com USDOJ, em Washington, em 22/02/2017, às 8h e às 18h.”
Entre 17 e 21 julho de 2017, Janot participou de “reuniões e palestra sobre investigações anticorrupção no Brasil, em Washington DC”.
A dúvida sobre como se deu a cooperação entre Lava Jato e EUA no acordo que lesou a Petrobras em 853 milhões de dólares é ainda mais estridente se considerados os recentes vazamentos do dossiê Intercept, que comprovam que os procuradores tinham canal de diálogo direto com autoridades estrangeiras. A troca de informações e provas aconteceu muitas vezes à revelia da autoridade central – que deveria, por lei, intermediar essas comunicações.
Um ano depois do acordo da Petrobras nos EUA, não há clareza sobre a cooperação da Lava Jato com os norte-americanos. No processo que tramitou no STF tampouco há pistas sobre isso. A petroleira, inclusive, pediu que todos os esclarecimentos prestados por ela perante a Corte fossem mantidos em segredo. O STF se limitou a implodir a “fundação Lava Jato” e partilhar os recursos entre investimentos na educação e proteção da Amazônia.
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