(Foto: Reuters | PR)
Hildegard Angel
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O pivô da discórdia entre Mandetta e Bolsonaro não é o distanciamento social, é Donald Trump, o lobista mundial nº 1 da hidroxicloraquina antimalárica.
Pressuroso como sempre em copiar e reverenciar o presidente norte-americano, Bolsonaro resolveu imitá-lo também na apologia à cloraquina, cuja eficiência para tratar o COVID-19 é ainda desconhecida, o que tem valido críticas sem limites na mídia americana ao “Mr. America 1st” – desde o jornal The New York Times à revista de sofisticação Vanity Fair.
Com aquela sua facilidade para afirmar coisas de que não entende bem, e depois pular fora quando dá ruim, Trump soltou esse petardo durante um de seus últimos pronunciamentos sobre a pandemia, propalando os méritos da hidroxicloraquina, e aconselhando aos americanos que a tomassem porque “o que vocês têm a perder?”. Como temos vistos, pelos relatos recentes, temos a perder a audição, o bom funcionamento cardíaco, a sanidade mental e outros probleminhas, que podem até custar a vida ao paciente.
O exagero de Trump, botando pressão junto à opinião pública por um medicamento sem comprovação científica, fez com que surgissem especulações até sobre a possibilidade de ele vir a licenciar seu nome para a marca e de ter interesses diretos na Sanofi, a francesa fabricante do produto, e que é a maior participação no fundo mútuo Dodge & Cox, em que a família Trump tem investimentos (NYT).
Nos bastidores do governo, quem faz o papel de ardente defensor da cloraquina é Peter Navarro, um assessor econômico que o genro de Trump, Jared Kushner, descobriu na Amazon, e que aposta todo o baralho no medicamento, o qual, contudo, ainda não demonstrou funcionar contra o COVID-19 em qualquer ensaio clínico significativo, e não foi incluído nos relatórios anteriores da China e da França aos grupos de controle.
Navarro é tipo um Abraham Weintraub do Trump. Ele é aquele assessor aloprado da Presidência flagrado enviando e-mails com nome falso em apoio às políticas tarifárias do governo, e que, para desacreditar o NAFTA (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio), alegou que “um setor manufatureiro desprotegido leva ao aumento de abortos, abusos domésticos, divórcios e infertilidade”.
Segundo a Vanity Fair, no último domingo Navarro, cuja experiência em saúde pública é nenhuma, reuniu-se com os técnicos da área de saúde do governo, colocando diante deles um impressionante calhamaço de papéis, folhetos, prospectos e pastas, e passando a exaltar estudos que leu, enfatizando “a clara eficácia terapêutica” do remédio, o que, no mundo real, não existe.
Presente, o imunologista que conduz o combate ao COVID-19 nos EUA, dr. Anthony Fauci, com longo histórico médico como pesquisador e chefe do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, declarou não haver até agora qualquer evidência científica da eficiência do produto, apenas rumores e até piadas, e que são necessários muitos mais dados para sua aprovação. Sem argumentos nem credenciais para tal, Navarro teria ficado rubro de indignação, e reagido como se ouvisse uma ofensa pessoal.
Na falta de um Jared Kushner como genro, Bolsonaro tem os 01,02 e 03 para lhes assoprarem bobagens nas orelhas – que ainda escutam, sorte que ele não se medica com a hidroxicloraquina – e, na falta de um Peter Navarro, tem Osmar Terra.
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