Como se comportará ante a enxurrada de problemas que aparecerão a todo momento, o diagnóstico sobre os problemas setoriais, o discernimento para definir as prioridades, o veto ao processo indecente de empresas se valerem de recursos públicos para recompra de suas ações, os problemas na balança comercial?
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O Brasil vive uma situação sui generis de desobediência civil. Define-se por tal a decisão de parte da população em protestar contra um governo opressor não seguindo suas ordens ou leis consideradas injustas.
A desobediência civil brasileira se apresenta no próprio centro do governo, com a intervenção branca sobre Jair Bolsonaro praticada pelo núcleo racional do governo. Bolsonaro não consegue demitir Ministros, não consegue assinar leis acabando com a quarentena e terá dificuldades cada vez maior em reproduzir suas loucuras pelas redes sociais – depois que mensagens suas foram vetadas pelo Twitter e Facebook.
No entanto, ao contrário do recomendado pelo Ministro Gilmar Mendes – que sugeriu a necessidade de um Estado Maior para enfrentar a crise -, o grupo palaciano se limitou a botar ordem na casa, mas sem abrir espaço para outros poderes.
Ontem, a voz oficial do governo foram entrevistas coletivas sem a presença do Presidente da República e com todos os Ministros fazendo eco às recomendações do Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Este já foi um político bolsonarista. Combateu o +Médicos, vestiu a camisa de Bolsonaro, fez campanha ao seu lado. O choque de realidade, no entanto, transformou-o em uma figura pública referencial. A maturidade e o realismo com que enfrentou perguntas sobre sua popularidade, o nível de informação sobre as mais diversas frentes de combate ao coronavirus, o relato de ações e reuniões concretas para superar a crise contrastaram vivamente com a incrível apatia e despreparo de dois Ministros em áreas críticas nesta guerra: o da Economia, Paulo Guedes, e o do Desenvolvimento Social, Onyx Lorenzoni.
Onyx Lorenzoni, teoricamente responsável por toda a logística de distribuição da renda mínima, passou sua fala explicando o aplicativo em desenvolvimento que resolverá todos os problemas. Não tem a menor noção sobre como chegar aos rincões não cobertos pelo Bolsa Família, como se articular com os secretários estaduais, como montar uma rede com secretários municipais para entender os problemas. É um medíocre emplumado, que sente orgasmos em ouvir a própria voz. Mais apagado que ele, apenas o Ministro da Justiça Sérgio Moro, que não tem sua voz radiofônica.
Na coletiva, Guedes tentou explicar a demora em meramente aprovar o repasse de 600 reais – que ele pretendia ser 200, e foi aumentado pelo Congresso. Foi por mero receio de afrontar a Regra de Ouro – que proíbe o uso de recursos provenientes da dívida pública para bancar despesas correntes -, mesmo depois do Supremo Tribunal Federal (STF) ter garantido a aplicação de medidas extraordinárias para enfrentar a crise.
(Em Nova York, o governador Andrew Cuomo requisitou UTIs e respiradores de hospitais particulares antes de qualquer procedimento legal. Sua explicação foi simples: estou salvando vidas).
Guedes se mostrou incapaz até de resolver problemas mínimos em tempo hábil, cuja solução estava em suas mãos. Como se comportará ante a enxurrada de problemas que aparecerão a todo momento, o diagnóstico sobre os problemas setoriais, o discernimento para definir as prioridades no amparo aos setores da economia, o veto ao processo indecente de empresas se valerem de recursos públicos para recompra de suas ações, os problemas na balança comercial? É incapaz sequer de um diagnóstico abrangente sobre a economia. Não tem o menor conhecimento sobre cooperativas de crédito, que poderiam ter papel relevante para colocar crédito na ponta, nem se inteirou dos problemas de comércio exterior, essenciais para as negociações comerciais para obter equipamentos.
Ele é o Ministro da Economia, controlando não apenas a antiga pasta da Fazenda, como a do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), do Planejamento. E não conseguiu tomar conta nem da tartaruga dos 600 reais.
Tudo isso serve de alerta para o segundo tempo. Mundo e Brasil caminham para uma depressão similar à de 1929.
Ontem, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, deixou de lado as ilusões de uma queda mínima do PIB e passou a aceitar a possibilidade de uma queda de até 5% – que se dará em cima de uma economia enfraquecida pela crise pós 2016.
Não é difícil montar um rascunho do mapa do inferno sobre as perspectivas do país, se não for entregue a mãos competentes:
* Desemprego explodindo.
* Risco de quebradeira generalizada das empresas, podendo destruir cadeias produtivas inteiras.
* Risco de explosão da dívida pública, sem que o governo recorra a emissão de moedas, pois submetido a fundamentalistas econômicos, podendo levar a uma corrida bancária.
* Insolvência externa.
E todas as consequências políticas daí resultantes.
No BC, Campos Neto deixou de lado o terraplanismo e se abrigou na excelência técnica da instituição. Guedes, ao contrário, se cerca de pessoas sem a mínima condição, como o inacreditável presidente do Banco do Brasil, Rubens Novaes, que sempre foi terceiro escalão no mercado financeiro e só se manifesta em apoio aos descalabros verbais de Bolsonaro.
Não basta interditar Bolsonaro. É necessário um rearranjo total no governo, desfazendo a loucura do superministério, que juntou várias pastas essenciais em uma só, tornando a gestão impossível até para um Ministro competente. E colocando pessoas competentes à frente de cada área.
A próxima semana será prenhe de iniciativas de Bolsonaro em recuperar o comando, valendo-se das redes sociais para mais loucuras, à medida em que sua popularidade definha, e ousando decisões ao largo do Alto Comando que se instalou no Palácio.
Enquanto um tigre sem dentes ocupa o tempo do Alto Comando, Ministros medíocres ajudam a desconstruir o futuro.
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