A insistência nas políticas de ajuste fiscal e de progressivas ondas de reforma trabalhista e previdenciária não cumpriram as promessas de incrementar a economia e gerar empregos.
O desemprego é muito alto e tende a explodir se continuar a política atual[1]
do blog Trabalho e Reforma
Trabalhista
José Dari Krein[2] e
Pietro Borsari[3]
https://jornalggn.com.br/
A crise sanitária global da Covid-19 chega ao Brasil em contexto de baixo dinamismo econômico, que é refletida nos números do mercado trabalho do último trimestre de 2019: 16,2 milhões de desempregados (aberto e desalento) e 6,7 milhões de subocupados por insuficiência de horas, além da alta informalidade (40% dos ocupados), quadro relativamente estável desde 2016. Ao contrário da narrativa do governo, a economia não estava “decolando”[4] antes da pandemia. A construção civil, desacelerou no 3º tri de 2019 e apresentou queda de 2,5% no trimestre seguinte. Em fevereiro de 2020, o setor de serviço caiu 1% em relação ao mês anterior e a taxa acumulada de 12 meses do PIB estava em 0,7%. A produção industrial teve queda 1,1% em 2019 e, em março/2020 recuou fortemente (-9,1%)[5]
Os novos dados da PNADC (IBGE) – primeiro trimestre de 2020, portanto dizem respeito, fundamentalmente, ao cenário prévio à pandemia – reafirmam a continuidade na deterioração do mercado de trabalho:
i. Aumento de 1,3 p. p. na
taxa de desocupação (está em 12,2%) quando comparada com o último
trimestre (redução de 0,5 p. p. em relação ao 1º tri 2019);
ii. Frágil capacidade na
criação de novas vagas: foram reduzidas 2,3 milhões em relação ao
trimestre anterior, ou seja, a dinâmica de criação de empregos, que já era
fraca, piora no começo de 2020;
iii. Taxa de subutilização de
24,4%, que é maior em relação ao último trimestre (23%) e menor em relação ao
1º tri 2019 (25%), totalizando, 27,6 milhões de pessoas, sendo 12,9 mi
desocupadas, 6,5 mi subocupadas por insuficiência de horas e 8,3 mi na força de
trabalho potencial (desalentadas ou não), o que significa dizer que, em certo
sentido, faltou trabalho para 27,6 milhões de pessoas;
iv. A elevada taxa de informalidade,
traço marcante do mercado de trabalho brasileiro, continuou no elevado patamar dos
40% da população ocupada. Houve queda de 7% de empregados sem carteira assinada
no setor privado (832 mil pessoas) em relação ao trimestre anterior,
representando a primeira redução desde 2016 neste tipo de ocupação, que se
destacava, junto ao trabalho por conta própria, na tentativa de reativação
precária do emprego nos últimos 5 anos. Por não se tratar de um processo de
formalização do emprego, sinaliza apenas o agravamento do desemprego que se
anuncia para os próximos meses. A queda reflete como os informais estão em uma
condição vulnerável;
v. A população fora da força de trabalho bateu recorde ao atingir 67,3 milhões de pessoas, representando crescimento tanto em relação ao trimestre anterior (2,8%) quanto ao mesmo trimestre de 2019 (3,1%). Este contingente expressa a parcela da população que não está ocupada e tampouco procurando emprego, o que em tempos de crise configura uma perspectiva bastante ruim para as famílias brasileiras. A condição de estar fora da força de trabalho atinge mais acentuadamente as mulheres, que representam 64,7% do total, no final de 2019 (últimos dado disponível). Tão grave quanto é o cenário para as pessoas negras fora da força de trabalho, visto que 42,3% delas viviam, em 2019, com rendimento domiciliar per capita de até meio salário mínimo.
Em outras palavras, pode-se
dizer que os dados expressam uma relativa permanência do quadro de um mercado
de trabalho desestruturado, que não se recuperou da crise de 2015/2016. As
orientações políticas encaminhadas pelos governos para enfrentar a crise do
emprego não trouxeram os resultados prometidos. A insistência nas políticas de
ajuste fiscal e de progressivas ondas de reforma trabalhista e previdenciária
não cumpriram as promessas de incrementar a economia e gerar empregos e o
desemprego só não foi maior no período pois uma parte importante dos atuais
ocupados tiveram que “se virar” no trabalho por conta própria e na
informalidade.
Não obstante, a tendência é
muito pior. Os efeitos econômicos da crise sanitária vão se expressar de forma
desastrosa nos números do mercado de trabalho nos próximos meses e a atuação
das autoridades públicas para preservar a renda tem se mostrado lenta e
insuficiente. O Auxílio Emergencial de R$ 600,00 por três meses destinados aos
desempregados, MEI e trabalhadores informais é um exemplo disso. Trata-se de
uma medida morosa e muitíssimo aquém do necessário (na duração e no montante)
para amparar a população mais vulnerável, inclusive quando comparada aos outros
países.
No setor formal, até 10 de
maio cerca de 6,6 milhões de vínculos de trabalho foram contemplados pelo
“Programa emergencial de manutenção do emprego e da renda”, do Ministério da
Economia (MP 936). Essa medida constrange, em um primeiro momento, a despedida
em massa desses trabalhadores, ao viabilizar a suspensão do contrato de
trabalho e a redução de jornada e salário, constituindo uma alternativa mais
barata para as empresas frente o pagamento das verbas rescisórias, caso
optassem por despedir. No entanto, ainda que essa e outras tímidas ações do
governo[6] tenham
por objetivo preservar os empregos formais, o cenário mais provável é que esteja
ocorrendo apenas um adiamento das despedidas, pois as medidas: têm curto prazo
de vigência, caso não sejam prorrogadas; impactam a demanda agregada no período
subsequente, dada a redução na massa salarial[7];
e não representam de fato a proibição das despedidas, visto que o
empregador não está desimpedido de quebrar o vínculo de trabalho, podendo
fazê-lo mediante pagamento de multa (caso tenha aderido ao programa), após o
período de carência ou, ainda, simplesmente por não participar do programa.
Assim, embora o número de
solicitações de seguro-desemprego tenha apresentado um incremento moderado de
22% em abril (comparado com mesmo período no ano anterior), esse número se
deve, em parte, às dificuldades na solicitação do benefício[8],
que antes era nos postos do SINE e agora é por internet. Problemas similares
nos aplicativos vêm ocorrendo desde 2019, como pode ser observado nas longas
filas dos que buscam acessar os benefícios sociais.
Escalada do desemprego
Há grande incerteza sobre o
tamanho do impacto negativo que a crise vai gerar sobre a economia e os
empregos no Brasil[9].
Consideramos que ainda é cedo para fazer alguma previsão muito precisa, porém os
cenários pessimistas das estimativas (taxa de desemprego mais próxima de 20% do
que 15%, ao final do ano) parecem fazer mais sentido diante da velocidade que o
processo de paralisação das atividades tem acontecido. Provavelmente será uma
crise prolongada e com recuperação lenta após pandemia, ao meio de
transformações tecnológicas e do modo de vida. E, principalmente, se
continuarem prevalecendo as atuais orientações de política econômica de
austeridade fiscal e da agenda de diminuição do sistema de proteção social e
dos direitos, a tendência é de desgaste ainda maior no tecido social.
A situação trágica que se
apresenta para a questão do emprego e da renda no país não significa que as
medidas de isolamento social devam ser flexibilizadas, pelo contrário,
coloca-se a necessidade da atuação do Estado de forma mais incisiva no combate
à epidemia de acordo com as melhores práticas sanitárias internacionais,
acompanhada necessariamente da garantia de renda e emprego para toda a
população.
A ideia de que a economia
seria reativada com a liberação das atividades é uma ilusão. Neste momento, o
cenário de incerteza aberto pela crise instituiu uma insegurança generalizada
nos agentes econômicos. As empresas não vão investir ou contratar, as famílias
vão se resguardar e conter os gastos, os desempregados e vulneráveis vão fazer
o possível para sobreviver. Em outros termos, o consumo, o investimento e a
exportação estão seriamente deprimidos, e “liberar atividades” só agravará a
disseminação da Covid-19 e o colapso do sistema de saúde. Cabe ao Estado
sustentar minimamente a capacidade de consumo das famílias e de solvência das
empresas, como forma de contar a depressão econômica e permitir que o
isolamento social (e a vida) seja efetivamente um direito para todos.
[1] Versão
ampliado do artigo cf. http://www.cesit.net.br/pandemia-e-desemprego-analise-e-perspectivas/
[2] Pesquisador
do CESIT, Professor do Instituto de Economia/UNICAMP, da REMIR – Rede de
Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista e do GT Mundos
do Trabalho: Reformas.
[3] Doutorando
do CESIT (Instituto de Economia/UNICAMP), pesquisador da REMIR – Rede de
Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista e do GT
Mundos do Trabalho: Reformas
[4] Ver
artigo do economista Pedro Paulo Z. Bastos: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/economia-brasileira-nao-estava-decolando-antes-do-coronavirus/
[5] https://www.iedi.org.br/artigos/top/analise/analise_iedi_20200505_industria.html
[6] Para
ver as diversas medidas do Governo em relação ao trabalho, ver: http://www.cesit.net.br/medidas-para-o-trabalho-no-contexto-de-pandemia-um-atentado-contra-a-razao-humana/
[7] Dois
estudos projetam um cenário de que a queda da massa salarial pode variar entre
9% a 27%. Caso se viabilizem as projeções do governo, a queda mensal será em
torno de 8,9 bilhões, o que puxará para baixo a demanda no curto prazo, como já
indica a pesquisa do IBGE no primeiro trimestre de 2020, com a queda de 2,9
bilhões de reais na massa de rendimentos. Ver (1) http://www.cesit.net.br/proposta-do-governo-de-reducao-de-jornada-e-de-salarios-vai-empurrar-o-pais-para-a-depressao-economica/;
e (2) https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/nota-do-cecon-MP936-F2.pdf
[8] Ver:
(1) https://tribunadepetropolis.com.br/trabalhadores-enfrentam-dificuldade-em-solicitar-seguro-desemprego;
(2) https://agora.folha.uol.com.br/grana/2020/04/seguro-desemprego-tem-falhas-no-aplicativo-e-trabalhadores-ficam-sem-receber.shtml;
e (3) https://brasil.elpais.com/economia/2020-04-30/ha-mais-de-um-mes-tento-pedir-o-seguro-desemprego-na-internet-a-fila-dos-sem-qualquer-beneficio-na-pandemia.html
[9]O
FMI estima que o PIB irá contrair 5,3% e o desemprego chegará até 14,7% em
2020: https://oglobo.globo.com/economia/fmi-pib-do-brasil-encolhera-53-desemprego-chegara-147-neste-ano-1-24370004;
O Instituto Brasileiro de Economia da FGV, assinalada previsão de queda menor
para o PIB, 3,4%, porém com taxa de desemprego mais elevada, 17,8%: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/04/24/taxa-de-desemprego-media-deve-subir-para-178percent-neste-ano-projeta-fgv.ghtml;
As previsões do Grupo de Indústria e Competitividade da UFRJ consideram que o
PIB deve variar entre -3,1% e -11,0% e o desemprego pode atingir de 16,7% a
26,3%, para o cenário mais otimista e o mais pessimista, respectivamente. A
estimativa do desemprego total foi baseada na queda do total de ocupações
projetada pelo documento “Impactos macroeconômicos e setoriais da Covid-19 no
Brasil”, IGC/ IE – UFRJ, que pode ser acessado em: https://www.ie.ufrj.br/images/IE/home/noticias/GIC_IE%20Avaliacao%20Impactos%20C19%20v04-05-2020%20final.pdf
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