terça-feira, 16 de junho de 2020

Einstein não é o pai da Relatividade e nem acreditava em buracos negros

Quem afirma que Einstein previu os buracos negros está tão equivocado quanto Olavo de Carvalho ao afirmar que "refutou" a teoria da relatividade.

Einstein and black hole

por Ayni R. Capiberibe
https://avoyager.net/

“Eu consigo conviver com a dúvida, com a incerteza, com o não saber. É muito mais interessante viver com incertezas do que ter respostas que podem estar erradas.” (Richard Feyman)[1]

Em 2012, o astrólogo Olavo de Carvalho publicou um vídeo em que apresenta a Teoria da Relatividade como uma desculpa inventada por Albert Einstein para validar o heliocentrismo, o qual, segundo Olavo, carece de provas. Acredito que o astrólogo agiu de forma bastante maldosa ao escolher a figura histórica, já que Einstein é um dos atores mais controvertidos da história da ciência e, a Relatividade, uma das teorias menos compreendidas pelos leigos.

Ao mesmo tempo, pessoas que riem da petulância de Olavo acabam reforçando mitos sobre Einstein, como afirmarem que ele previu a existência dos buracos negros, ou que a imagem do buraco negro supermassivo do centro da galáxia M-87, revelada ao público no dia 10 de abril, confirma a relatividade de Einstein. Para essas pessoas, a observação do buraco negro super massivo mostra que Einstein “estava certo mais uma vez.”.

De nada adianta caçoar de Olavo por ele “refutar” Einstein, ao negar a Teoria da Relatividade; ao mesmo tempo que se reforça o senso comum de que o pai da Teoria da Relatividade é Einstein. Ambas as partes estão igualmente desinformando.

O fato, porém, é que os estudos da História da Física indicam que toda teoria possui diversos contribuidores, ou seja, é um erro atribuir apenas a Einstein a Teoria da Relatividade. Insistir nesse erro apenas fortalece um mito que pode ser explorado por pessoas que militam pelo anti-intelectualismo, caso do próprio Olavo de Carvalho. Tudo o que essas pessoas querem é encontrar verdades ocultadas ou ignoradas para criar revisionismos que agravam ainda mais o problema.

Nesse artigo vamos tentar entender melhor porque essas afirmações, ainda que bem-intencionadas, são incorretas. Nosso objetivo não é criticar o pesquisador Albert Einstein, mas mostrar como a ciência é construída e qual foi seu papel nessa importante descoberta. Ao vermos o Einstein como um humano e não como um Mito, não estamos minimizando a sua importância, mas tornando possível entender que qualquer pessoa normal que se interesse por ciência pode se tornar um pesquisador da mesma qualidade de Einstein.

Einstein não é o pai da Teoria da Relatividade


Você provavelmente vai se sentir desconfortável com essa afirmação: afinal de contas é senso comum que Einstein criou a relatividade. O que aprendemos com a ascensão da direita e a “intelectualização” de Olavo de Carvalho e Leandro Narloch é que o senso comum pode ser um prato cheio de revisionismos históricos. Os historiadores sempre tendem a adotar uma visão crítica e compreendem que muitas vezes as versões simplificadas podem ser revisionistas e falsas. A mesma coisa acontece na História da Ciência.

É um senso comum, aceito por quase todas as pessoas e até cientistas, que Einstein é o pai da relatividade. Mas ele de fato seria o “pai”? (E, nesse caso quem seria a Mãe?). Quais critérios definem que uma pessoa é pai de uma teoria? Será que ninguém havia pensado na relatividade antes dele? Essas são algumas perguntas que o historiador da ciência faz e busca responder pela investigação histórica. Fazer essas perguntas não tem como o objetivo desmerecer Einstein ou outro cientista, mas de compreender como uma teoria é construída, qual foi a contribuição exata de cada autor e fazer justiça histórica a todos os atores envolvidos.

E como é feita essa investigação? Com a formalização do ofício do historiador, e consequentemente, do historiador da ciência, como os historiadores francês Marc Léopold Benjamim Bloch e o inglês Edward Palmer Thompson, a visão positivista, elitista, linear e anacrônica da história (denominada pelo historiador da ciência, o inglês Herbert Butterfield, de história whig ou whiggista) foi sendo desencorajada e uma história fundamentada no sincronismo e no diacronismo tomou forma.

Foi nesse período que o
historiador e matemático inglês Edmund Taylor Whittaker tomou conhecimento das contribuições do físico holandês Hendrik Lorentz e do matemático francês Jules Henri Poincaré, chegando à conclusão que a Relatividade era uma criação destes dois pesquisadores e que Einstein apenas sintetizou as ideias deles. Já outros historiadores, como os estadunidenses Gerald James Holton, Arthur Miller e Stanley Goldberg acreditam que Einstein teve um papel muito mais ativo e estruturou a relatividade como teoria física.

Einstein teve um papel central na relatividade geral [2a][3a], mas a prioridade da teoria da relatividade especial (ou restrita) é ainda assunto controverso, mas uma linha de pesquisa chamada de Estudos Sociais da Ciência tem apresentado uma solução para essa questão: uma teoria não possui um criador ou pai, mas é uma construção coletiva, influenciada por diversos fatores, inclusive sociais.[4a]

Hoje a nossa tendência enquanto historiadores, filósofos ou sociólogos da ciência é afirmar que: teorias não tem pais e nem mães, teorias são produtos inacabados, pois é sempre possível dar alguma contribuição à teoria ou modificar seus elementos, em um processo que muitas pessoas participam, uns mais outros menos, e por isso o mérito não pode ser concentrado em uma única pessoa. Essa tendência é chamada de Historiografia construtivista ou progressista.

A historiografia que defende que teorias tem pais é a historiografia positivista. Por isso quando dizemos que Einstein não é o pai ou não criou a teoria da relatividade, não estamos negando o valor de Einstein, mas dizendo que ele foi um cientista importante na construção da teoria junto de muitos outros. Na Teoria da Relatividade Especial, seu papel foi um pouco menor se comparado a Poincaré, Langevin e Lorentz[4b]. Mas na relatividade geral, seu papel foi um dos maiores [2b][3b].

Sociologia da Física

O tempo na física é uma questão que não pode ser compreendido apenas pela própria razão da ciência. Ele tem natureza histórica, como mostra o historiador da ciência inglês Gerald James Whitrow ao longo de todo o livro O Tempo na História. Outro historiador inglês Edward Palmer Thompson também mostrou em Costumes em Comum que as noções de tempo foram modificadas durante a Revolução Industrial.

Henri Poincaré, tendo que realizar medidas geofísicas de longitudes usando ondas eletromagnéticas, chegou à conclusão de que as noções de sincronia e a concepção absoluta de um tempo eram impossíveis e documentou suas descobertas em um artigo de 1898 chamado La Mesure du Temps (A Medida do Tempo). Essa pesquisa de longitudes era financiada pelo governo.

No final do século XIX, a ideia de se transmitir sinais eletromagnéticos de estações em terra para barcos, parecia permitir o cálculo preciso das longitudes o que poderia abrir novas rotas de navegação. Inglaterra e França disputavam tanto o domínio das longitudes que a escolha do meridiano de longitude zero passar pelo observatório de Greenwich, criou uma tensão com os franceses que só reconheceram essa longitude décadas depois.

Sete anos depois, Poincaré, ao estudar as simetrias nas equações de Maxwell-Lorentz e o princípio da relatividade geral (que ele mesmo desenvolveu) utilizando ferramentas matemáticas bastante complexas (teoria de grupos, álgebras de Lie, etc.), obteve a estrutura conhecida como espaço-tempo quadrimensional. Posteriormente, os matemáticos David Hilbert e Emmy Noether, e físico Albert Einstein, todos alemães, deram novas contribuições e propriedades para essa estrutura.

Falando em Einstein, nessa época ele morava em Zurique e trabalhava em um escritório de patentes. Não sabemos que tipo de literatura ele consumia no trabalho, mas sabemos que diversas patentes envolviam sincronização de relógios usando telégrafo sem fio. Dado que, enquanto a França e a Inglaterra brigavam pelo domínio das longitudes, a Suíça queria melhorar suas linhas de trem e evitar atrasos. Para isso era preciso criar uma rede de relógios sincronizada por sinais de rádio.

Já ouviu a expressão “tempo é dinheiro”? Ela surge na Revolução Industrial. Controlar o tempo, segundo a segundo, era controlar a produção e gerar mais capital. Assim descobrir novas rotas de navegação, priorizar a distribuição de mercadorias pelo sistema ferroviário, eram uma necessidade do mercado que exigia o desenvolvimento de uma teoria do tempo para se desenvolver uma tecnologia de sincronização de relógios. Einstein e Poincaré, dois atores da relatividade do tempo, trabalharam nessa questão: Poincaré nas longitudes e Einstein nas patentes.

Da Relatividade Geral aos Buracos Negros

O primeiro a obter as equações da Relatividade Geral foi o matemático alemão David Hilbert. Além disso, diferentemente das equações de Hilbert, as de Einstein não incluem a inércia e a energia associada a um campo eletromagnético. Porém mesmo usando uma equação mais simples, Einstein foi capaz de prever importantes efeitos como o desvio para o vermelho da luz (efeito Doppler gravitacional), o desvio da luz pela gravidade e o avanço irregular no periélio do planeta Mercúrio[2c].

Em síntese, Hilbert conseguiu
obter uma forma mais geral, por meio de seus conhecimentos matemáticos, enquanto Einstein desvendou os efeitos físicos, o que justifica Hilbert abnegar o mérito da relatividade geral em favor de Einstein[2d].

Infelizmente, muitos autores e físicos tratam o desenvolvimento da relatividade geral como um produto pronto da genialidade de Einstein. A verdade é que Einstein passou 4 anos lutando com os tensores. Tratava-se de uma ferramenta matemática bastante avançada e que, naquela época, poucos físicos conheciam. Não surpreende que os principais atores nesse período eram matemáticos, como Minkowski e Hilbert, ou físicos com formação em matemática, como o físico alemão Arnold Sommerfeld[5].

Inicialmente Einstein recebeu ajuda do suíço Marcel Grossman, um colega de faculdade que era doutor em geometria riemanniana. Como qualquer pessoa que está aprendendo uma nova língua, Einstein cometeu vários erros.[4c]

Esse é um traço da personalidade do jovem Einstein digno de nota: ele não tinha medo de errar (embora não gostasse de lidar com críticas). Minha experiência acadêmica mostra que muitos cientistas preferem evitar ideias ousadas ou esperam certas ideias se tornarem mais maduras, antes de publicá-las. Einstein não tinha essas restrições e acredito que essa atitude dele foi importantíssima para o desenvolvimento da ciência.

Estudos históricos mostram que Einstein e Grossmann divergiam sobre qual o melhor caminho a se tomar para se chegar na relatividade geral. Einstein preferia analisar o problema de um ponto de vista heurístico (indutivo) enquanto Grossmann preferia usar uma análise dedutiva, semelhante a de Hilbert[2d].

Costuma-se dizer que a opinião de Einstein atrasou o trabalho dos dois físicos em um ano[2e], permitindo que Hilbert vencesse a corrida. Mas essa posição é anacrônica. Na época não era possível saber qual era o melhor caminho. O método proposto por Grossmann poderia representar um atraso ainda maior. Einstein resolveu apostar no método que lhe havia consolidado como pesquisador notório em física quântica, sete anos antes.

Hoje são as equações de Hilbert que usamos para estudar a Relatividade e as aproximações heurísticas de Einstein para analisar o movimento dos corpos.[2f][3c]

Ocorre que a Teoria da Relatividade Geral é incompatível com as simetrias elementares da física, o que a torna incorreta. A explicação para esse fato não é muito simples, mas está relacionada (de certa forma) com a famosa equação E = mc² [2g][6a][7a][8a]. Essa equação não diz que massa pode se transformar em energia e vice-versa, o que ela nos informa é que certas formas de energia possuem inércia e entre essa formas de energia está a energia do campo gravitacional.[2h][6b][7b][8b]

A relatividade geral de Einstein se baseia na equivalência da massa inercial e da massa gravitacional. Para Einstein toda massa é fonte de campo gravitacional. Mas se algumas formas de energia possuem massa, então essas formas de energia também são fontes de campo gravitacional.

Agora vem a parte mais interessante. Imagine que uma massa gera um campo gravitacional. Esse campo tem energia e essa energia tem massa e portanto o campo gravitacional vai gerar outro campo gravitacional e, pelos mesmos motivos, esse novo campo vai gerar outro campo que vai gerar outro campo e assim infinitamente.

Einstein tentou contornar esse problema, mas só conseguia violando o princípio da conservação de energia. Até que, em 1919, os matemáticos alemães Emmy Noether e Felix Klein mostraram que era impossível resolver esse problema dentro da estrutura da relatividade geral. Os livros mais avançados de Relatividade Geral discutem esse fato.[6c][7c][8c]

Porém, uma teoria estar incorreta não invalida suas aplicações, mesmo porque, como o filósofo austro-britânico Karl Popper mostrou ao longo de sua Lógica da Descoberta Científica, é impossível provar que uma teoria é correta. Teorias são construções sistemáticas para tentar descrever a natureza (ou parte dela) e fazer previsões. A relatividade passou por importantes testes, o mais recente foi a descoberta de ondas gravitacionais (propostas por La Sage e Quirino Majorana no século XIX e previstas por Poincaré em 1905, 10 anos antes de Einstein).[9][10a]

O fato de uma teoria não abraçar toda a realidade não a torna inválida e não exige uma revisão de toda física. Nas partes que a teoria se mostra satisfatória, ela pode ser utilizada. É por isso que os engenheiros ainda estudam a boa e velha mecânica newtoniana e o eletromagnetismo maxwelliano, já que estas teorias são rigorosamente compatíveis com os fenômenos cotidianos.

Sintetizando: teorias não podem ser provadas, apenas falsificadas. Uma teoria falsificada não se torna inútil, como pensa o guru da extrema-direita Olavo de Carvalho. Uma teoria falsificada deixa de ser uma interpretação geral da natureza, mas continua podendo ser aplicada em seu limite de validade. Inclusive um dos princípios mais importantes da física, chamado de Princípio da Correspondência, diz que toda teoria nova deve ser semelhante a teoria antiga nos limites de validade esta última.

Einstein não acreditava na existência de buracos negros


Quando a imagem do buraco negro super massivo localizado no centro da galáxia Messier 87 foi publicada pela equipe Event Horizon Telescope, no último dia 10, surgiram diversos vídeos no Youtube e artigos na grande imprensa atribuindo a Einstein a descoberta. Mas até que ponto podemos atribuir a Einstein o mérito dessa descoberta?

Quando falamos de pesquisa científica, estamos falando em programas de pesquisa. Desde que Isaac Newton escreveu os seus Principia, muitas descobertas foram feitas por outros pesquisadores e que estão além do que Newton apresentou. Podemos dizer que Newton apresentou um paradigma que foi adotado por outros pesquisadores que desenvolveram seus programas e fizeram suas descobertas.

Por exemplo, a mecânica de Lagrange-Euler usa como paradigma as ideias de Newton, porém atribuímos o mérito desse formalismo ao italiano Joseph Louis Lagrange (Giuseppe Lodovico Lagrangia) e ao suíço Leonhard Euler, ambos matemáticos. É claro que Newton tem mérito por ter proposto o paradigma que orientou estes dois pesquisadores, mas o próprio Newton não participou desta descoberta.

O caso dos Buracos Negros é bastante semelhante. Einstein e Hilbert obtiveram as equações de campo da Relatividade Geral e introduziram um novo paradigma para se estudar a gravitação. Hilbert tentou desenvolver um programa de unificação da física, que anos depois também seria uma meta de Einstein. O próprio Einstein, inicialmente, iniciou um programa para resolver o problema da conservação de energia e criar um modelo para explicar o universo por meio da relatividade geral.[2i]

Outros pesquisadores, como o físico alemão Karl Schwarzschild e o matemático holandês Johannes Droste, iniciaram um programa para achar soluções às equações de Einstein-Hilbert. Aqui está uma coisa interessante. Na física teórica, muitas vezes um determinado pesquisador tem o mérito de deduzir uma equação (como foi o caso do Einstein e Hilbert) e outros pesquisadores tem o mérito de achar soluções exatas dessa equação (como Schwarzchild e Droste).

Einstein nunca achou soluções exatas das equações de campo, apenas aproximadas, mas que eram muito importantes, pois previam valores para o desvio do vermelho da luz, o desvio da órbita do planeta Mercúrio e o desvio da luz na presença de um campo gravitacional. As soluções aproximadas de Einstein não previam a existência de Buracos Negros e, mesmo que previssem, por serem aproximadas, uma solução exata poderia eliminar essa possibilidade.

Quem obteve a primeira solução exata foram Schwarzchild e Droste. O problema que nessas soluções existia uma certa região do espaço-tempo que a luz ficava confinada em um poço gravitacional e nada poderia sair dali. Essa é a ideia moderna de Buraco Negro. Como Einstein reagiu a isso?

Ele não gostou nem um pouco.[10b] É difícil entender os motivos de uma pessoa, inclusive cientistas. Diferente do que muitos dizem, o cientista não é uma pessoa sempre objetiva e que aceitam a realidade nua e crua. Muitas vezes cientistas negam dados experimentais, buscam acomodar fatos às suas interpretações pessoais e foi exatamente o que aconteceu com Einstein. Einstein não apenas achava a ideia do buraco negro absurda como desenvolveu um programa para provar seu ponto de vista.[11a]


Mesmo Schwarzschild usando suas equações para descrever o horizonte de eventos, Einstein dizia que os buracos negros “não existem na realidade física“.

Einstein não era o único que não acreditava em buracos negros, outros astrofísicos de sua época partilhavam da mesma opinião. A controvérsia dos Buracos Negros é mais antiga do que se pensa, vem desde o século XVIII, mais precisamente em 1783, quando partindo da “Teoria da Natureza Corpuscular da Luz” de Newton, cujo modelo define a luz como um fluxo de partículas[11b], o naturalista e geólogo inglês John Michell acreditava que seria possível a existência de estrelas que não emitiam luz devido à sua densidade extrema.

O matemático francês Pierre Simon Laplace (Marquês de Laplace), foi um dos primeiros a reconhecer o mérito de Michell em seu Mecânica Celeste, mas a partir da terceira edição, ele passou a rejeitar a ideia e tirou qualquer menção a estrela negra de Michell.[11c]

Os buracos negros clássicos são diferentes dos relativísticos, o que renderia um texto à parte. A existência de buracos negros relativísticos também foi motivo de controvérsia até o fim dos anos 1960. Entre os céticos, estava até o criador do termo “buraco negro”, o físico teórico estadunidense John Archibald Wheeler, que veio reconhecer a existência deles apenas em 1969.[11d]

O programa de Buracos Negros contou com a participação de vários físicos, mas gostaria de chamar a atenção ao matemático Roy Kerr, da Nova Zelândia. As equações de Einstein-Hilbert apresentam várias soluções e estas dependem de alguns fatores: a forma do corpo, a sua carga elétrica e a se ele tem ou não rotação. Na astrofísica, em geral, buscamos soluções para corpos esféricos e variamos as outras características. Até a década de 20, já sabíamos todas as soluções para corpos esféricos sem rotação. Mas acontece que todos os corpos celestes giram, então era necessário resolver esse problema.[11e][12a]

A rotação na física sempre introduz dificuldades e, na relatividade geral, essas dificuldades eram formidáveis. A primeira pessoa a conseguir achar soluções exatas para corpos que giram foi Roy Kerr na década de 1960. Só com a solução de Kerr fomos capazes de entender melhor o espaço-tempo real ao redor de estrelas, estrelas de nêutron e saber como é a estrutura de um buracos negro. O buraco negro de Kerr é muito diferente dos outros buracos negros e é o que mais se aproxima da realidade.[11f][12b]

Qual a grande questão a respeito dos Buracos Negros e Einstein que queremos esclarecer? Em uma matéria da revista Galileu, uma revista que se propõe a falar de ciência, chega-se a afirmar que os buracos negros eram um sonho de Einstein. Conforme mostramos, os buracos negros estavam longe de serem um sonho de Einstein, mas sim um pesadelo para o físico, que era radicalmente contra esse programa, já que nos próximos 39 anos, desde a solução de Schwarzchild, Einstein se tornou cada vez mais intolerante com essa possibilidade.

Uma coisa que me chamou a atenção é que muitos veículos, inclusive ditos científicos, atribuem o mérito da comprovação da existência de buracos negros a Einstein e alguns até omitem o nome da pesquisadora Katie Bouman, que foi uma das responsáveis pela imagem do Buraco Negro, enquanto nenhum site jornalístico ou científico, repito, nenhum, citou Roy Kerr, que ainda está vivo, e foi quem previu esse tipo de buraco negro e deu os subsídios para que Katie Bouman e os demais pesquisadores envolvidos pudessem conduzir essa pesquisa.

Superestimar Einstein e minimizar as contribuições de outros pesquisadores que tiveram um papel muito mais ativo apenas mistifica e é anti-cientifico. Einstein teve sua importância? Sem sombra de dúvida, sua participação na Teoria da Relatividade Geral foi crucial. Mas Einstein não participou do programa de Buracos Negros, sendo um grande opositor.

Isso não torna Einstein um irracionalista ou vilão, na época haviam muitos argumentos contra os buracos negros e Einstein adotou uma posição mais conservadora. Ele podia ter razão e, se fosse o caso, celebraríamos o seu triunfo contra o programa de buracos negros. Mas não foi o que aconteceu, o programa de Buracos Negros vingou e seus principais atores, Schwarzchild, Droste, Oppeheimer, Shankar, Susskind, Penrose, Wheeler, Kerr, Bouman e tantos outros, acabam sendo esquecidos, ficando a glória concentrada somente em Einstein.

Diante desses fatos, é correto atribuir a Einstein a descoberta dos buracos negros e a imagem do super massivo que se localiza no centro da galáxia Messier 87? Indiretamente sim, afinal de contas a equação de campo foi deduzida por ele e por Hilbert, porém deveríamos dar um mérito maior aos cientistas que foram mais proeminentes nesse programa, em especial Kerr e Bouman que foram os responsáveis mais diretos dessa descoberta.

Considerações finais


O Olavo não refutou Einstein ou a Teoria da Relatividade, e mesmo que tivesse apresentado um desses argumentos, não teria feito nada que não seja conhecido pelos físicos e historiadores. Contudo, uma questão preocupante tem surgido com a repercussão das declarações infundadas do Olavo: o uso de falsificações históricas para defender a ciência e criticar os negacionistas.

A suposta refutação do Olavo não foi ao ator Albert Einstein, mas à teoria que, erroneamente, ele atribui ao Einstein. Acontece que o astrólogo não consegue compreender a derivação do conceito de tempo na física relativística e não consegue compreender que a refutação de uma teoria não exige uma revisão de toda a física.

Assim como a humanidade, a ciência também tem uma história e essa história não é menos complexa que a história geral. Infelizmente essa não é postura que muitos cientistas e muitos divulgadores da ciência que têm falsificado e distorcido fatos históricos em nome da simplificação de conceitos. Talvez mais grave sejam aqueles que acreditam que em nome da tradição científica, qualquer arma e qualquer tática é lícita.

Vou contar um milagre, mas não vou revelar os santos: certa vez, discutindo um vídeo onde o divulgador defendia a ciência invocando lendas e histórias falsificadas, eu fiz várias críticas dizendo que esse tipo de conteúdo era tão nocivo quanto as inverdades do Olavo. Várias pessoas me criticaram dizendo: “E daí que não é verdade? É preferível acreditar na ciência do que no Olavo ou em alguma religião.” Há quem diga que os extremos guardam mais semelhanças do que gostariam de assumir e, vendo esse tipo de declaração, sinto-me obrigado a concordar.

O que nós precisamos cultivar não é uma visão dogmática e superficial da ciência, mas uma visão histórico-social e crítica. Pensar que Einstein é um ser sobrenatural dotado de uma genialidade insuperável e por isso nunca errou e não pode ser criticado é adotar uma postura muito semelhante dos olavistas.

Se alguém afirma que Einstein errou, não devemos tratar com desprezo a pessoa, mas tentar ouvir suas ideias, ponderar e apresentar nossas conclusões. Precisamos também começar a ver a ciência em toda a sua complexidade e não como o oásis da neutralidade política e social. Acreditem ou não: a ciência é um fenômeno social, histórico e político.

Para finalizar, parafraseio Fernando Pessoa: “simplificar é preciso, falsificar não”.

Referências

[1] FEYNMAN, Richard. In: Inspiração #24: 5 reflexões de Richard Feynman.

O link contém algumas frases do Feynman, um dos maiores cientistas do século XX.

[2][a][b][c][d][e][f][g][h][i] MEHRA, Jagdish – Einstein, Hilbert, and The Theory of Gravitation

Esse livro contém uma análise bastante criteriosa sobre a história da relatividade geral. Mehra compara os programas de Einstein e Hilbert cautelosamente, os problemas de conservação que preocupavam a teoria e acabar por levar Einstein a procurar uma nova teoria do campo unificado.

[3][a][b][c] EARMAN, John; GLYMOUR, Clark – Einstein and Hilbert: Two Months in the History of General Relativity

Os dois autores são especialistas em história da relatividade geral. Nesse trabalho é analisado os últimos dois meses de desenvolvimento da relatividade geral onde Einstein e Hilbert corriam para apresentar as equações corretas. Os autores também analisam cada programa de forma objetiva, dando o mérito a ambos cientistas.

[4][a][b][c] GALISON, Peter – Einstein’s Clock and Poincaré’s Maps

Esse livro é um estudo histórico e sociológico do desenvolvimento da teoria da relatividade especial. Galison é um dos historiadores que pertencem aos Estudos Sociais da Ciência e a maior autoridade no assunto nos Estados Unidos. Infelizmente o livro não chegou ao Brasil. Mas ele é importantíssimo para quem quiser ter uma visão mais humana.

[5] SCOTT, Walter. Breaking in the 4-vectors – The four-dimensional movement in gravitation, 1905–1910.

Scott é o maior especialista vivo em Henri Poincaré e um dos maiores historiadores da matemática. Nesse trabalho, Scott estuda programas de gravitação de Poincaré, Minkowski e Sommerfeld, que foram desenvolvidos no espaço de 1905 à 1912 e seriam desmotivados com o programa da relatividade geral. É legal ver quais eram as ideias anteriores e como elas foram aproveitadas por Einstein e outros físicos da relatividade geral.

[6][a][b][c] BRADING, Katherine. A Note on General Relativity, Energy Conservation, and Noether’s Theorems. In: KOX, J. EISENSTAEDT, Jean. The Universe of General Relativity.

Esse capítulo discute como Emmy Noether e Félix Klein provaram que a relatividade geral é incompatível com a conservação de energia e do momento por produzirem correntes de Noether. Também discute algumas tentativas de reverter esse problemas, mas que foram frustradas. Livro avançado.

[7][a][b][c] LANDAU, Lev. LIFSHITZ, Evgeny. Teoria do Campo.

É um dos meus livros favoritos de Relatividade Geral. No texto, eu cito a análise a respeito da conservação de energia e de momento da teoria da relatividade. Os autores mostram porque ao influir a energia e momento total, o tensor momento-energia vira um pseudo tensor, violando as leis de conservação. Livro avançadíssimo.

[8][a][b][c] WEINBERG, Steve. Gravitation and cosmology: principles and applications of the general theory of relativity.

Outro livro que tenho bastante apreço. Aqui me refiro ao estudo que Weimberg faz da conservação de energia e momento. Inicialmente Weinberg constrói um “tensor momento-energia total” e depois de verificar que ele é compatível, ele prova que este tensor é um pseudo tensor e que a gravidade é fonte de gravidade que é fonte de gravidade. Livro avançadíssimo.

[9] EDWARDS, Mathews Pushing Gravity new perspectives on Le Sage’s theory of gravitation.

Esse livro fala de um modelo de gravitação chamada gravidade absorvida e que começou com Le Sage e teve seu auge com Quirino Majorana. Trata-se de uma teoria paralela a ideia de Newton e aos defensores da ação a distância que acabou sendo eclipsada pela relatividade geral, embora tenha se mostrado bastante satisfatória.

[10][a][b] KATZIR, Shaul. Poincarés Relativistic Theory of Gravitation. In: KOX, J. EISENSTAEDT, Jean. The Universe of General Relativity.

Esse texto é sensacional. O autor faz uma análise da gravitação relativística que Poincaré desenvolveu entre 1905 e 1912. Embora o programa de Poincaré tenha sido abandonado, principalmente por não ser uma teoria de campo, ele permitiu prever a existência ondas gravitacional e vários invariantes relativísticos modernos.

[11][a][b][c][d][e][f] NICOLSON, Iain. Gravidade, Buracos Negros e o Universo.

Para quem quer um livro sobre buracos negros, recomendo ler este. A pesquisa é bem estruturada. Há alguns anacronismos (por isso recomendo ler o livro do Martins, A origem histórica da relatividade especial), porém nada que desqualifique por completo o livro.

[12][a][b] MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Buracos Negros: Universos em Colapsos.

O maior nome na astronomia brasileira, Professor Rogério Mourão faz uma apresentação concisa e bastante simples sobre esses objetos fascinantes: quais são os tipos, quais as suas características, qual é a sua estrutura, etc. Para quem se interessa nesse assunto, caia de cabeça.

Bibliografia recomendada e comentada

• ALVES, R. – Filosofia da Ciência

É o melhor livro que eu já li na minha vida. Rubem Alves te convida para uma conversa, ele começa falando das visões óbvias que temos da ciência, para depois ir desconstruindo uma a uma delas. Ele nos provoca dizendo que a gente paga para especialistas pensarem pela gente e corre pelos principais filósofos da ciência mudando nossas visões sobre o papel das teorias, da experiência e claro da ciência. Simplesmente o livro que mudou a minha vida no mestrado.

• AUFFRAY, J. P. – O Espaço-Tempo.

Esse livro conta de forma bastante resumida a história da teoria da relatividade, buracos negros e teoria de cordas. O autor pontua corretamente qual foi papel de Lorentz, Einstein, Poincaré, Minkowski e Hilbert no desenvolvimento da relatividade especial e geral. Para quem quer uma visão mais geral e historicamente correta, esse livro é uma ótima indicação.

• CHALMERS, A. F. – O que é Ciência Afinal?

Esse é um livro adotado em mestrados que tenham alguma disciplina de filosofia da ciência. Mas não se preocupem, o livro não é difícil, há exceção dos últimos capítulos, mas os primeiros capítulos onde o autor discute noções mais básicas do indutivismo, falsifcacionismo até as ideias de Feyerabend é bem acessível e importante e a ajuda entender porque teorias não tem pais.

• CHALMERS, A. F. – A Fabricação da Ciência

É a continuação de O Que é Ciência Afinal? Chalmers responde a críticas e acusações de ser relativista. Discute o papel social da ciência, faz muitas críticas a visão externalista radical e faz vários estudos de caso sobre o papel social da ciência. Eu acho esse livro muito melhor que o seu antecessor. Infelizmente ele está fora de catálogo, mas não é difícil achar em sebos virtuais e em PDF.

• GRANT, E. – História da Filosofia Natural do Mundo Antigo do século XIX.

Grant é medalha Sarton, um dos prêmios mais importante em História da Ciência. Ele se tornou a maior autoridade em História da Ciência Medieval, junto com Alistair Cameron Crombie. Nesse livro, são investigadas o surgimento da filosofia natural na Grécia, seu desenvolvimento na Europa e a contribuição dos árabes. Ele também rompe o mito que não houve progresso na idade média.

• HENRY, J. – A Revolução Científica e as Origens da Ciência Moderna

Esse livro é uma raridade, existem cópias parciais na internet, mas se você achar uma cópia, compre sem medo. O livro discute varias ideias científicas e as suas origens naquilo que hoje chamamos de pseudo-ciências como astrologia, magia, etc. É fantástico, além disso, o autor sempre olha o contexto social buscando fazer um vínculo entre ciência e sociedade.

• KRAG, H. – Introdução à historiografia da ciência.

Esse é um livro técnico, escrito por um dos maiores historiadores da ciência. Porém, o livro é extremamente simples e envolvente. Kragh desenvolve as várias temáticas da ciência sempre dando exemplos reais. Quando ele fala sobre fontes e se devemos confiar nos cientistas, Kragh narra histórias onde cientistas mentiram ou mudavam as versões com o tempo. O livro ensina um pouco de história e muita historiografia, atiçando o senso crítico.

• LANDAU L, RUMER, Y. – O Que É a Teoria da Relatividade?

Onde aprender relatividade especial de forma prática? Vários autores já tentaram, muitos cometem erros graves, porém Landau (prêmio Nobel) e Rumer construíram esse pequeno livro que permite a um leigo entender sem arrodeios as ideias dessa teoria e melhor, corretamente. É um livro curto, fácil de ler e fácil de achar.

• LOGUNOV, A, A. – Henri Poincaré and Relativity Theory

Esse livro análise o programa de Poincaré da relatividade comparando com Einstein. O autor mostra como Poincaré antecipou a relatividade e ainda foi além. Ele mostra algumas inconsistências no programa de Einstein e responde aos críticos de Poincaré que atribuem todo mérito ao Einstein. O livro tem partes avançadíssimas, exigindo conhecimento de teoria de grupos e tensores, mas tem partes apenas com discussões históricas. O autor realizou um trabalho científico e histórico digno de dota. Ele só pode ser baixado em PDF pelo arxiv.

• MARTINS, R. A. – Como distorcer a física: considerações sobre um exemplo de divulgação científica 1 – Física clássica. Caderno Catarinense de Ensino de Física v. 15, n. 3: p. 243-264, dez. 1998.

• MARTINS, R. A. – Como distorcer a física: considerações sobre um exemplo de divulgação científica 2 – Física moderna. Caderno Catarinense de Ensino de Física v. 15, n. 3: p. 265-300, dez. 1998.

Esses dois artigos foram escritos pelo historiador Roberto de Andrade Martins e apresentam uma série de erros graves no livro de divulgação científico do Marcelo Gleiser, A Dança do Universo. Eu recomendo a leitura por uma razão muito simples: você irá conhecer um pouco da história da física e alguns conceitos físicos e irá ver que mesmo um físico como Gleiser pode cometer erros graves e por isso toda a autoridade deve ser questionada.

• MARTINS, R. A. – A Origem Histórica da Relatividade.

Esse livro contém uma apresentação bastante detalhada do desenvolvimento da Teoria da Relatividade Especial. É um livro que não exige conhecimento técnico, e consegue mostrar a complexidade que levou a essa teoria. Contém uma biografia comentada por capítulo que permite o leitor explorar melhor o tema. Tem duas lectures que o professor Roberto deu no Youtube que teve como base esse artigo, é só jogar o nome do livro.

• THOMPSON, E. P. – Costumes em Comum.

Existe um capítulo nesse livre chamado: Tempo, Disciplina de Trabalho e Capitalismo Industrial, que trata justamente do surgimento das ideias de que “tempo é dinheiro” e como isso moldou a Europa e gerou uma necessidade de se controlar melhor o tempo.

• Whitrow. G. J. (1993) – O Tempo na História.

Esse livro também é raro, mas é a melhor obra sobre a história do tempo. O autor discute as concepções de tempo em povos antigos e mostra como estas foram evoluindo, em grande parte pelas necessidades sociais. Na revolução industrial e na Europa industrializada, o autor mostra como o tempo se moldou para atender o capital. Whitrow também escreveu O Que É o Tempo, mas é um livro bastante anacrônico, por isso não recomendo.

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