As cartas estão na mesa e os lances são claros. Bolsonaro somente se salva e salva os filhos se assumir-se ditador, colocar as tropas na rua, e emudecer o farrapo de instituições que nos restam.
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(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O fim de um casamento de dois anos
por Fernando Horta
Bolsonaro está sob intenso ataque. E atacam todos os seus pontos fracos: os filhos, a incompetência, o autoritarismo e a vilania. Por quê, afinal, ocorreu o casamento e agora acontece o divórcio? E qual será a reação do “macho-alfa” (como Bolsonaro se vê) diante do divórcio?
Há algumas pessoas que veem uma relação causal entre a eleição de Bolsonaro e a manutenção das posições elitistas e de concentração de renda no Brasil. Este é, aliás, o argumento primeiro que se fez com o fenômeno do fascismo: que ele seria pura e simplesmente um reflexo da luta de classes. De Palmiro Togliatti a Karl Polanyi, passando por Antonio Gramsci e Clara Zetkin, o argumento da luta de classes foi sendo refinado. Perdeu seu vinco mecanicista e paulatinamente foi ganhando cores sociológicas, culturais e até psicológicas. O que nunca a historiografia marxista a respeito do tema abandonou foi a relação causal, a mesma que estamos a repetir no Brasil: Bolsonaro é uma cria das elites preocupadas em manter seu status e afastar o projeto “perigoso” de transformação social representado pelo PT e seus aliados.
Aprendi que nada na História é assim simples. E quando vem embalado de forma direta, causal e claramente delimitada, ainda que me seduza politicamente o argumento, eu costumo ficar com os dois pés atrás.
São pouquíssimas as relações causais que a História de forma clara consegue delimitar. Aliás, esta é uma das diferenças entre o historiador e o cientista político ou o sociólogo. Quase constantemente o historiador tropeça em pedras que o cientista político e os sociólogos tinham jurado terem asfaltado. No Brasil estamos numa condição favorável para analisar TODA bibliografia fascista eis que o processo se desvela sobre nossos olhos desde 2013, pelo menos.
Há, o ressentimento da classe média pela ascensão dos “subalternos”. Há um “mal estar” do fim do século, associado às demandas de incorporação de novos direitos e novas práticas sociais que antes ficavam “escondidas” na vida privada das pessoas. Há um ranço autoritário em nossa história. Há, também, um anticomunismo que grassa no mundo desde o grande medo capitalista provocado por 2008. Há, finalizando, um elitismo que vai desde nosso urbanismo até as formas mais básicas de compreender educação no Brasil.
Tudo isso há e deve ser colocado no caldeirão que, aquecido com ódio de classe, colocou esta coisa fétida e nojenta na presidência do país.
O que não há é a relação causal. Estamos mais para “A marcha da insensatez”, parafraseando Barbara Tuchman do que uma relação causal.
Entre 2013-2014 o objetivo era claramente enfraquecer o PT para permitir a eleição de Aécio Neves, cujo ministro da fazenda era o alardeado Armínio Fraga e sua teoria sobre “o crescimento do valor da mão de obra o Brasil impede nosso desenvolvimento”. Ante o fracasso de Aécio, o movimento se reorganizou no impeachment e apoio de Michel Temer e sua famigerada “Ponte para o futuro”. É forçoso reconhecer que Bolsonaro era um “subnitrato de pó de cocô”, neste momento. Entendido como sendo do “baixo clero” que sequer era convidado para as grandes negociatas e precisava recorrer à corrupção de pingado (como rachadinhas e outras coisas pequenas) para conseguir aumentar seu patrimônio.
Houvesse alguém dito a Temer e Cunha que Bolsonaro seria presidente e uma estrondosa risada teria tomado o rosto “polido” e contido do eterno vice-golpista.
Entre 2017 e 2018, todas as apostas eram para Geraldo Alckmin com o establishment tendo ainda gerado ainda, Amoedo, Álvaro Dias e Henrique Meirelles como reservas de primeira mão e Ciro Gomes e Marina Silva como possibilidades palpáveis e preferíveis ante aos temidos Haddad e Boulous. Bolsonaro era o bobo da corte. Alguém cuja missão era embaralhar as coisas, falar asneiras e até socar alguém se fosse para debates. Bolsonaro era como o bode na sala que deveria feder para normalizar as outras perversidades de terno e gravata vindas do mundo financeiro.
Foi somente na passagem do primeiro para o segundo turno de 2018 que a direita liberal noivou com Bolsonaro. Nos meios acadêmicos e financeiros Guedes era visto como incompetente, preguiçoso e sempre metido em negociatas, no mínimo, questionáveis. Não era uma figura assentada como Fraga ou Meirelles. Não tinha conhecimento suficiente sequer para falar em nome dos “liberais”. Mas, como sempre faz o capitalismo, quem não tinha Armínio Fraga, latia com Paulo Guedes. E Bolsonaro era o estorvo que tinha que ser aturado junto.
Esta postura é, em tudo, idêntica aos erros de avaliação que fizeram os liberais italianos e alemães no entre-guerras. Hitler e Mussolini eram entulhos esdrúxulos de pouca socialização e caricatos politicamente. Quase como macacos amestrados que se acreditava fossem mantidos alimentados e fazendo suas estripulias não dariam maior prejuízo.
O divórcio do capital para com Bolsonaro se dá pela incapacidade de Guedes de minimamente se parecer com um ministro da economia e pelo fato de terem compreendido (como também ocorreu no entre-guerras) que o fascismo não pode ser contido pelas instituições. A pandemia apenas tornou esta percepção mais rápida. O que levaria quatro anos de idas e vindas, destruição e incompetência de Bolsonaro-Guedes, levou apenas dois. Rodrigo Maia em breve terá que entender que ou ele abre o parlamento contra Bolsonaro ou vai ser também rifado.
As “elites financeiras” ou “o grande capital brasileiro” só não querem pagar o preço político de acabar com Bolsonaro. Eles sabem que o fascismo ainda tem cartas na mão, como os aloprados de verde-oliva e os sádicos incompetentes das polícias militares em todos os Estados. Ainda não é claro para o capital onde isso tudo vai dar. Se Bolsonaro vai aceitar sair do poder rápida e institucionalmente ou se vai precisar ver seus filhos esmagados e sua vida destruída para se dar conta de que tem que abandonar a política.
Minha aposta é que Bolsonaro só sai com sangue. Vai mobilizar o fascismo em toda sua extensão e o Brasil como conhecemos vai morrer. O sangue para tirar Bolsonaro é que hoje “as elites” tentam convencer os trabalhadores e a esquerda a ofertarem, mediante os movimentos “somos 70%”, “basta”, “chega” e etc. Como um grande pedido de ajuda mudo, as elites colocam seu arsenal midiático a atacar quem não aceitou ser usado como bucha de canhão contra a monstruosidade que eles deixaram crescer. Ou, pelo menos, Lula deixou claro que para entrar na briga quer o campo limpo para concorrer politicamente, e um acordo de reconstrução nacional.
As cartas estão na mesa e os lances são claros. Bolsonaro somente se salva e salva os filhos se assumir-se ditador, colocar as tropas na rua, e emudecer o farrapo de instituições que nos restam. Precisa do apoio dos militares e a conivência do capital.
Os liberais esperam sangrar Bolsonaro, evitar o impeachment, conter a idiotia do governo e preparar uma chapa Dória-Moro para terem uma chance eleitoral que já é maior do que qualquer coisa que tiveram nos últimos vinte anos.
A esquerda é que está esperando civilidade, racionalidade e complacência do capital. De alguma forma, Lula quer ser reconhecido como o maior presidente deste país, também por quem controla os tribunais e as instituições. Este é o sentido do “pedido de desculpa” que ele sempre manifesta. Com isso, espera, que a racionalidade material volte a falar e que ele possa reorganizar um “acordo nacional” para reconstruir o país. Aposta que as perdas das elites serão maiores que seu ódio de classe e que se retome – em termos brasileiros – o consenso que permitiu a vitória na segunda guerra sobre o nazismo.
Penso que este é o grande erro. Os empresários brasileiros de hoje não têm nem sombra das capacidades intelectuais dos empresários capitalistas das décadas de 40 e 50, e os liberais brasileiros carecem de um mínimo de condições cognitivas para compreender o país que vivem. E falo isso porque se tivessem capacidade de compreender o Brasil, teriam sido contra o impeachment de Dilma Rousseff quando o desemprego era em torno de 5%, a relação dívida/PIB era da ordem de 60%, o dólar estava antes da barreira dos três reais e o déficit nas contas públicas era algo em torno de vinte bilhões de reais.
Hoje, temos 100% da relação da dívida/PIB, um déficit projetado de mais de 800 bilhões, um dólar que bateu seis reais, e um desemprego que se espera será maior do que 20%.
Bolsonaro destruiu o Brasil e nossas elites preferem que ele continue destruído a ver Lula na presidência outra vez.
Trocando em miúdos, estamos ferrados. Por mais duas décadas pelo menos.
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